A epistemologia da percepção de Simone Weil: Uma reconstrução a partir de dois textos-chave
Letícia Kayser
A verdade, entendida como a realidade última das coisas, poderia ser alcançada por meio da percepção comum a todos os homens ou deveríamos entregar nossas capacidades de conhecermos por nós mesmos aqueles eruditos que supostamente teriam acesso ao mundo inteligível? Teria a ciência algo mais elevado a nos dizer do que aquilo que a percepção permite ao homem comum alcançar? (WEIL, 1996) Essas são questões que perpassam a discussão que Simone Weil investiga na obra Science et perception dans Descartes (1930), preocupando-se em compreender se o saber científico desde o seu surgimento na modernidade constitui-se como libertador para o homem ou então se as prisões as quais ele nos submete são legítimas por terem realmente o acesso ao inteligível. Mais tarde, publicado após seu falecimento, temos o Essai sur la notion de lecture (1946), no qual a filósofa procura pensar a percepção a partir da noção de leitura — ainda inspirada pelo estudo cartesiano de 1930 —,compreendendo esta como análoga ao exemplo do bastão de cego que Descartes trás na Dióptrica, isto é, como o cego que utiliza o bastão para tocar os objetos percebe não as sensações que o bastão causa em sua mão, mas percebe, pelo contrário, o objeto mesmo que se encontra na extremidade do bastão, assim também o que e dado a nossa percepção são as significação e não apenas as sensações. Considerando, portanto, a percepção à partir dessa noção de leitura, Weil dará uma ênfase ao trabalho como meio para modificar leituras, considerando que qualquer um que queira de fato agir sobre o mundo e sobre os outros deve agir sobre as significações estabelecidas (VOGEL, 2010). Nesse ponto, evitando o relativismo — pois não se trata de assumir que toda leitura é uma leitura verdadeira — a filósofa procura pensar em uma hierarquia nos valores a fim de determinar se o conhecimento ao qual se almeja está mais próximo do real e se de fato, podemos almejar isso, isto é, se nossas capacidades chegam tão longe. Tendo em vista, portanto, que este tema aparece de modo central em suas investigações desde a juventude, temos como objetivo neste trabalho reconstruir a posição de Simone Weil acerca da percepção, à luz destes dois textos centrais acima mencionados, buscando identificar qual problema epistemológico ela elege como central em suas investigações.