O analista como sujeito de suposto saber para Lacan e o eu hermeneuticus da filosofia hermenêutica - é possível uma aproximação?
Isadora Pastore
Neste trabalho pretendemos esclarecer os conceitos de lugar de suposto saber para Lacan, e realizar possíveis aproximações com o conceito de eu hermeneuticus da filosofia hermenêutica. Para tanto, iremos realizar uma análise conceitual através de uma conversa entre a literatura psicanalítica e filosófica contemporânea em uma tentativa de compreender se uma teoria pode complementar a outra teoricamente principalmente no quesito do campo da fala e da linguagem. Para Lacan, o conceito da posição do analista de sujeito de suposto saber se dá como aquele que não possui todo o conhecimento acerca do outro. Esta posição está calcada no processo de transferência, ou seja, o que acontece na relação analista e analisante, que perpassa pelo campo da fala, e que, inicialmente se constrói em uma relação de afeto, compromisso, e confiança no analista. O analista ouve, compreende, mas não invade o mundo do outro, esta posição é muito importante para que não sejam incutidos desejos e dogmas do próprio analista em seu analisante. Já na filosofia hermenêutica, existem três dimensões da relação eu-tu. A primeira está calcada no indivíduo que não tem uma abertura para ouvir o outro, que pretende apenas ouvir a si mesmo, ditando regras e dogmas que fazem com que o indivíduo não consiga se colocar no lugar de ouvinte e de compreensão do outro. A segunda está em uma postura de um eu que escuta, mas que não tem real interesse em compreender o que o outro pensa, e mesmo que haja uma abertura, a utiliza apenas para manipulação e controle. Já na relação do eu hermeneuta, o indivíduo possui desejo de ouvir, de compreender e de conhecer o mundo do outro, para tanto através da fala pode-se construir um relacionamento legítimo onde as duas partes possam se sentir respeitadas e ouvidas, e para além disto, que exista uma possibilidade de que o mundo um do outro seja tocado e afetado. De acordo com ambas as teorias, podemos perceber aproximações importantes. Principalmente no que diz respeito da ética da escuta e do cuidado com o outro, além de que tanto na hermenêutica quanto na psicanálise utilizamos de ferramentas de interpretação. A interpretação necessariamente precisa estar de acordo com o que aquele que a recebe tenha a oportunidade de ampliar seus horizontes e temporalidades, e, com esse recurso, um analista pode visar a articulação entre o mais singular de cada um e a vida que se apresenta. Mais ainda, podemos perceber o quanto que em ambas as teorias a fala e a escuta são os motores que conduzem os indivíduos ao laço social, e que a forma com a qual cada um se coloca perante o outro diz da maneira com a qual estabelece este vínculo, para tanto, tanto na psicanálise quanto na hermenêutica existe a possibilidade de que o sujeito possa mudar de posição frente ao outro, recuperando sua humanidade e ressignificando suas vivências e sua história. Nesse sentido, podemos encontrar uma interseção entre os dois conceitos. Tanto o "suposto saber" em Lacan quanto o "eu hermeneuticus" destacam o papel ativo do sujeito no processo de conhecimento e interpretação. Ambos reconhecem que a compreensão não é um ato passivo de absorção de informações objetivas, mas sim uma construção subjetiva que envolve a participação ativa do sujeito na interpretação e atribuição de significado.