O pensamento rememorativo (An-denken) da origem (Ursprung) da Filosofia na meditação de Martin Heidegger
Leonardo Victor de Souza Santos Silva
O presente trabalho se detém sobre o pensamento do filósofo Martin Heidegger para examinar em que medida sua proposta de retorno à origem da Filosofia implica na exigência de um pensamento que se faz memória, de um pensamento rememorante (An-denken). Com a finalidade de empreender um estudo sistemático, se realizou um recorte teórico baseado no itinerário do filósofo proposto na conferência Que é isto – a filosofia? e, a partir das indicações contidas nesta obra, produziu-se uma investigação sobre a maneira como se processa o passo de volta heideggeriano em relação à origem da Filosofia, com a finalidade de ressaltar o marco do esquecimento do ser e de que maneira tal passo requisita que o pensamento de retorno se faça rememorante. Para Heidegger, pensar a Filosofia em seu aspecto originário impõe como necessário o diálogo com o seu alvorecer, esmiuçando as condições do seu nascedouro no contexto grego antigo. O filósofo aponta que, na certidão de nascimento da Filosofia, consta a pergunta socrático-platônica pela quididade, ou melhor, a inauguração do esquecimento do ser, o que impõe a necessidade de retomada do que permaneceu impensado, ou, em outros termos, como a-se-pensar. O presente trabalho examina em que medida, na esteira de Heidegger, o retorno a tal época não se faz reconstituindo o começo (Beginn) historiográfico, mas preocupando-se com o conceito de origem (Ursprung/Anfang), em seu aspecto Historial (Geschichtliche) para atingir o destino (Geschick) do ser, o modo em que o ser se doa. Defende-se a hipótese de que a tarefa de apropriação da origem da Filosofia torna-se possível porque Heidegger é conduzido pelo pensamento rememorante (An-denken), que utiliza da ferramenta do a-se-pensar para executar uma meditação sobre a origem. A apropriação do contexto grego de nascimento da Filosofia, exigiu uma tematização sobre a maneira como o jogo de velamento e desvelamento, a experiência pré-socrática de verdade (alétheia), se configurou e posteriormente torna-se desaparecido. O conceito de Andenken tem destaque nas meditações heideggerianas, já que é através desse movimento do pensar que a origem da Filosofia é revisitada. O vínculo entre pensar e memorar é condensado na criação do neologismo An-denken e tem influência do Hino Andenken de Hölderlin. Andenken tem o agravante de suscitar interpretaçãos distintas entre os comentadores de Heidegger. Andenken na perspectiva de Marlène Zarader corresponde a sublinhar o impensado da origem, sobretudo as palavras fundamentais (Grundworte) dos primeiros pensadores. O pensamento que rememora a origem guarda e aguarda uma experimentação do futuro ao se confrontar com o passado. Torna-se um exercício de co-memoração e apropriação. Já no viés de Hans-Georg Gadamer, o tônus é a intimidade entre o pensamento e a linguagem, ou seja, a palavra do poeta que funda o ser não pode ser outra coisa menos do que uma dádiva. Em Gianni Vattimo, a interpretação se desdobra na discussão sobre o fundamento, já que a diferença ontológica radicada na origem foi esquecida. Na dobra do presentar originário entre ser e ente, a pretensa identidade se revela na sua verdade, em diferença. Em William Richardson, a mirada consiste na esquiva dos aspectos literários e estéticos do trabalho heideggeriano em torno de Hölderlin, pois a investigação concentra-se em conquistar bases não-metafísicas para o pensamento através da fruição do poeta. Conclui-se que a origem (Ursprung) é o que principia todo o real, no entanto o acesso ao doado acontece somente enquanto aquilo que é a culminância do originar. Essa origem não pode ser acessada historiograficamente, porque o Ser é esquecido desde o início da Filosofia. O encargo da origem (Ursprung) é permanecer no escondimento até que um outro pensamento se encarregue de suportá-la, ou seja, o pensamento rememorante (An-denken).