O curso Histórias de fantasma de gente grande propõe uma abordagem interdisciplinar para pensar a paisagem, a nacionalidade, a ficção e o mito a partir do conceito de fantasma. Os fantasmas que brotam das ruínas da modernidade; aqueles que assombram a história e a política do Brasil; os que retornam de longas viagens; e os que surgem das diferenças de escala. O curso é uma tentativa experimental de investigar esses espectros tateando as possibilidades de conexões e passagens entre eles.
Informações práticas sobre o curso
O curso acontece uma vez por semana durante seis semanas, em duas opções de horários:
1) Quartas-feiras de 19h-22h
2) Sextas-feiras de 16h-19h
As aulas começam na última semana de janeiro (dias 27/01 e 29/01) e vão até o início de março.
Há três modalidades de inscrição: inteira (R$150), meia para estudantes (R$75) e bolsista. A cada dez inscrições, ofereceremos uma bolsa integral, a ser distribuída entre aqueles que fizerem o requerimento no ato de inscrição. Estamos oferecendo bolsas integrais para pessoas negras, indígenas, trans, não binaries ou em casos de necessidade financeira.
O curso será realizado pela plataforma Zoom em link disponibilizado para os inscritos. As aulas serão gravadas para o caso de um participante não poder assistir a aula em certos dias.
As inscrições podem ser feitas a partir deste formulário.
Descrição da proposta do curso
O curso é pensado a partir de quatro percursos temáticos compostos por três aulas cada. Por conta das necessidades inerentes aos temas, as próprias aulas são pensadas a partir de seus cruzamentos com os outros trechos, de modo que as questões de cada eixo dialoguem entre si.
Fantasmas da paisagem
Nosso ponto de partida será o livro Arts of Living in a Damaged Planet (2017), que se divide em duas partes: fantasmas e monstros do Antropoceno. Aqui vamos focar no eixo fantasmagórico - nas paisagens assombradas, nos fantasmas do Antropoceno e da modernidade, com atenção especial às ruínas e aos vestígios. São fantasmas de espaços e vidas que correm risco de extinção, traços de histórias mais que humanas e retorno a passados múltiplos, humanos e não humanos, através de seu eco no que sobra das paisagens. Mas não é só do passado que as paisagens são feitas; elas também são assombradas por futuros imaginados e sonhos de progresso que já nascem falidos.
Proponho a articulação dessas questões através de textos e imagens:
Aula 1 – Ruínas. Textos de Arts of Living in a Damaged Planet (2017), org. Anna Tsing, Elaine Gain, Heather Swanson, Nils Bubandt. Filme: Cemitério do esplendor (2015), Apichatpong Weerasethakul.
Aula 2 – Antropoceno. Filme: Fog Dog (2020), de Daniel Steegmann Mangrané. Texto: “And spectres have a lot to say”, de Juliana Fausto.
Aula 3 – Brasília. Texto: “Desaparecidos”, capítulo de A cosmopolítica dos animais (2020), de Juliana Fausto. Filme: A cristalização de Brasília (2019), de Guerreiro do Divino Amor.
Fantasmas do Brasil
Vamos recorrer ao conceito de melancolia para pensar a relação do brasileiro com o Brasil e como a existência de uma possível alternância entre mania e depressão pode nos ajudar a iluminar alguns aspectos do imaginário nacional, seus fantasmas e a maneira como eles assombram a política. Para isso recorreremos a três livros clássicos do ensaísmo brasileiro para pensar a identidade nacional a partir da ambivalência que caracteriza, na filosofia e na psicanálise, o conceito de melancolia e sua relação com a ideia de fantasma.
Aula 1 – O fantasma passado. Vamos explorar em que medida o conceito de melancolia, como aparece na filosofia e na psicanálise, podem nos ajudar a compreender a tristeza brasileira, como descrita no clássico de Paulo Prado, Retrato do Brasil.·
Aula 2 – O fantasma futuro. Vamos revisitar o Visão do Paraíso, de Sérgio Buarque de Holanda, levando em conta o pólo maníaco da melancolia para tentar compreender em que medida ele anima o espírito da colonização.
Aula 3 – O fantasma presente. Vamos recorrer a um livro marginal na obra de Gilberto Freyre, Assombrações do Recife Velho, para especular sobre as formas que esse brasileiro, maníaco e/ou depressivo, encontra para lidar com os fantasmas da melancolia.
Fantasmas da Odisseia
O que acontece quando escutamos uma história? Que estranha experiência é essa de se ver diante de um conjunto de palavras que parecem apresentar mundos inteiros sem que esse mundo esteja diretamente em algum lugar. É esse caráter de assombração presente em histórias, narrativas e ficções que pretendemos investigar a partir da Odisseia de Homero. Em cada uma das três aulas analisaremos um momento da Odisseia em que a contação de histórias é encenada e procuraremos entender o que, como e porque gostamos tanto desses fantasmas.
Aula 1 – O canto de Demódeco e as lágrimas de Odisseu. A experiência social das histórias a partir de Jacyntho Lins Brandão (A antiga musa)
Aula 2 – Os fantasmas de Odisseu. A ficção como compressão de uma perspectiva a partir de questões levantadas por Sianne Ngai (Ugly feelings) e Peli Grietzer (A theory of vibe).
Aula 3 – “Um homem complicado”. O caráter equívoco das perspectivas a partir de Italo Calvino (As odisseias na Odisseia), Walter Benjamin (O contador de histórias) e Patricia Reed (Orientation in a big world).
Fantasmas do mito
O problema metodológico que Lévi-Strauss identifica no estudo dos mitos é o fato de que um mito é definido pelo conjunto de suas versões. A análise mítica não passa, portanto, pela decomposição das sequências narrativas até que se atinja uma unidade secreta que dê a chave de seu sentido, mas pela compreensão das regras de transformação, ou de tradução, de um mito no outro – pela compreensão da forma como os mitos circulam. O objetivo desse eixo do curso é estudar a infraestrutura comum criada pela circulação dos mitos através de três conceitos com que Lévi-Strauss opera: 1) o dualismo em perpétuo desequilíbrio; 2) a fórmula canônica; e 3) o decaimento do mitos em uma estrutura serial.
Aula 1 – Troca de equivalentes e dualismo em perpétuo desequilíbrio. Comparar a troca de equivalências no capital com o desequilíbrio fundamental nas trocas semióticas e materiais descrito por Lévi-Strauss em As organizações dualistas existem? e História de lince.
Aula 2 – O 5G ameríndio. Apresentar a ferramenta de transformação dos mitos elaborada por Lévi-Strauss, a fórmula canônica, através dos exemplos nos artigos A estrutura dos mitos e A gesta de Asdiwal.
Aula 3 – Como morrem os mitos? Apresentar a hipótese de Lévi-Strauss no fragmento Do mito ao romance de que o mito perde sua transmissibilidade à medida que se transforma em uma estrutura serial.
Informação sobre os professores
Luisa Marques é cineasta, artista visual e doutoranda em artes visuais pela UFRJ. Desenvolve pesquisas sobre imagem, mídias, montagem, monstruosidade e fantasmagoria. Participou de exposições em espaços como Casa França-Brasil, Museu de Arte do Rio, Paço Imperial, A Gentil Carioca, Filmhuis Cavia (Amsterdã), Archive Kabinett (Berlim) e Tate Modern (Londres). Recentemente foi convidada pelo Instituto Moreira Salles para desenvolver um trabalho comissionado para o programa Convida.
Maikel da Silveira é jornalista, mestre em filosofia pela PUC-Rio, onde estudou a ascensão do populismo na cena política contemporânea. Doutorando em filosofia, pela mesma universidade, estuda agora a relação entre estado, nação e capital a partir da obra do teórico japonês Kojin Karatani.
Rafael Saldanha é doutor em filosofia pela UFRJ com pesquisa sobre a relação entre afetos e a prática filosófica. Atualmente tem procurado dar seguimento a essa pesquisa a partir do estudo da filosofia como uma forma de navegação no mundo. É professor substituto da UFRJ e participa do Instituto de Outros Estudos.
Raquel de Azevedo é doutora em Filosofia pela PUC-Rio. Fez estágio de pós-doutorado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp com uma pesquisa sobre o conceito de crise na história do pensamento econômico. Participa do Instituto de Outros Estudos. Escreve sobre economia no Passa Palavra.