Raoni Sousa | Atualizado em 2 de abril de 2025
Este guia tem como objetivo fornecer instruções rápidas para quem de qualquer forma menciona a pandemia de COVID-19 em comunicações orais ou escritas, sejam formais ou informais, como reportagens, textos acadêmicos, conversas etc.
COVID-19 continua sendo um problema de saúde pública grave ainda caracterizado como pandemia pela Organização Mundial de Saúde, apesar de esforços contínuos de vários meios para abordá-lo como uma ex-pandemia, o que tem consequências nocivas sobre o direito à saúde e sobre o debate público. Recomenda-se tomar cuidados específicos para evitar equívocos e adotar expressões alternativas.
Inclui breve discussão sobre a caracterização como pandemia, considerações sobre gramática e recomendações de leitura.
COVID-19 continua sendo uma pandemia, mas muitos têm falado e escrito sobre essa pandemia como algo passado. Para além de critérios relacionados à precisão das informações, para que sua comunicação tenha responsabilidade num sentido mais amplo, esse erro deve ser evitado. Seguem informações-chave para se situar melhor no tempo em relação ao fenômeno e fazer melhores escolhas de escrita.
É muito comum confundir pandemia e estado de emergência ou práticas desse período, como quarentena e proibição do trabalho presencial em certas atividades.
"Pandemia" diz respeito à amplitude global da incidência de uma doença infecciosa de alta transmissibilidade entre países e impacto sistêmico. COVID-19 continua como pandemia. A Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou a caracterização da doença como pandemia em 11 de março de 2020. Não há atualização em sentido contrário por parte da organização. Em documento de 24 de dezembro de 2024, consta que estamos entrando no sexto ano da pandemia ("Now, we enter the sixth year of the pandemic", p. 34) e que a COVID-19 continua sendo uma grande ameaça que demanda infraestrutura ("COVID-19 remains a major threat, and WHO urges Member States to maintain, not dismantle, their established COVID-19 infrastructure", p. 8).
"Estado de emergência" é um instrumento político-institucional para lidar com certos problemas.
A OMS declarou Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional em relação à COVID-19. Esse estado de emergência teve início declarado em 30 de janeiro de 2020 e fim declarado em 5 de maio de 2023.
Nacionalmente, houve no Brasil uma declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional com início em 3 de fevereiro de 2020 e fim em 22 de abril de 2022.
Pandemia não deve ser confundida com estado de emergência ou com práticas marcantes desse período.
Já que ainda estamos na pandemia de COVID-19, por enquanto são erradas todas as construções que pressupõem a pandemia como encerrada, por exemplo:
❌ "O benefício foi criado na longínqua pandemia de Covid-19" (Folha de São Paulo, 22 mar. 2025)
❌ "Finda a pandemia, Silva respira selos 24 horas" (Estadão, 22 mar. 2025)
❌ "Brasil é o país de maior aumento real de salários após pandemia, diz OCDE" (Veja, 18 mar. 2025)
❌ "'The Pitt' adapta 'Plantão Médico' para o caos do mundo pós-pandêmico" (Folha de São Paulo, 22 mar. 2025)
Para formulações corretas, podem ser usados vários referenciais, dependendo do que se queira expressar e das exigências específicas do meio da sua comunicação. Exemplos:
✅ "durante o estado de emergência da pandemia de COVID-19"
✅ "no período dos confinamentos"
✅ "após a vacinação em massa contra covid"
✅ "na época das aulas remotas"
Observe-se que essas opções podem vir a se tornar ambíguas — um novo estado de emergência pode ser declarado, e novos confinamentos, um novo ciclo de vacinação em massa e um novo período de aulas remotas podem vir a acontecer. Especificações de ano podem ser bem-vindas, dependendo do contexto.
A rigor, ninguém é obrigado a acatar definições da OMS. No entanto, é importante que eventuais opções contrárias a elas, em vez de serem feitas por ignorância, tenham uma boa fundamentação crítica. Há muitas forças políticas interessadas na invisibilização e minimização da COVID-19 como um problema duradouro de saúde pública, e retirar dela a caracterização de pandemia é parte desse processo. A própria OMS não pode ser considerada uma instituição bem orientada ao direito universal à saúde, visto que por vezes recomenda vacinação apenas para grupos de alto risco, trabalhando com o pressuposto de que é razoável manter sob outros níveis de risco os demais grupos.
A caracterização feita pela OMS pode mudar no futuro. Se/quando isso acontecer, será necessário analisarmos criticamente a pertinência da nova caracterização — repito: ninguém é obrigado a acatar as definições da OMS. Além disso, a materialidade da doença e dos problemas associados deverá continuar sendo observada, tal qual a de outras doenças não caracterizadas como pandemia. Para fins de comunicação, será importante atentar à data da mudança, às considerações envolvidas nela e à respectiva discussão pública.
A preocupação que motivou este guia é estritamente ético-política, então as considerações a seguir são "bônus gramaticalmente despreocupados".
No Brasil, a palavra foi dicionarizada com caixa baixa (covid-19) e assim consta no Vocabulário da Academia Brasileira de Letras.
A OMS recomenda que se escreva o nome da doença em caixa alta e seguido de hífen e 19 (COVID-19). O nome do vírus é SARS-CoV-2 (de "severe acute respiratory syndrome coronavirus 2") em razão do parentesco com o vírus do surto de Síndrome Respiratória Aguda Grave de 2003. Note-se que a OMS optou intencionalmente por evitar o amplo uso de "SARS", inclusive no nome da doença, sob o pretexto de que isso poderia despertar "medo desnecessário" relacionado a lembranças de 2003, o que merece ser discutido. Fonte aqui.
Conforme as circunstâncias, pode ser razoável escrever sem o número 19. Geralmente não se usa o indicativo numérico ao se tratar de covid longa.
Publicações podem ter manuais/padrões com indicações próprias a se seguir.
Conforme as circunstâncias, pode ser importante ou não padronizar o uso ou não uso de artigo definido. Não houve uma padronização quanto a isso na escrita deste guia. Optando-se por usar o artigo definido, é necessário atentar a possíveis crases.
Parte 1: “A prática mostra que não vai vir nada do governo Lula”
Parte 2: “A COVID longa é a maior ameaça deste século para a saúde da classe trabalhadora”