Histórias Extraordinárias

Matéria publicada originalmente na Revista Acrobata

por Mariana Félix Cedraz


"O meio artístico é cheio de mística e gera muito fascínio. O que me fascina é o que acontece nos bastidores. As neuroses e inseguranças das pessoas por trás de suas personas de artistas e celebridades."


Tarde fria de agosto no Rio de Janeiro, Gabriel Pardal abre a porta do seu apartamento em Botafogo, vestindo um casaco de moletom verde, calça caqui, meias de frio, segurando uma garrafa de café nas mãos. Senta na poltrona estampada com desenhos de bananas, na salinha que se tornou seu home office desde o início da pandemia. Chama atenção a mesa de um metro e meio de largura com dois monitores, pilhas de papéis, blocos de notas, cadernos, revistas e livros, tudo numa organização caótica. Na parede ao lado uma série de quadros com desenhos seus, de amigos ou imagens de referência para o que está criando. Na outra parede, a estante com livros.

Há cadernos e livros por toda parte.

Ele conta que quase sempre começa seus textos à mão. O que não é uma surpresa para quem acompanha seu perfil no Instagram. "Os cadernos são como meu ateliê, meu estúdio, onde faço rabiscos, rascunhos, anotações." Depois transcreve tudo no computador, o que já considera uma reescrita. "Escrever deste modo funciona também como uma meditação, já que estou desconectado de qualquer máquina, fazendo algo quase artesanal e que pode ser feito de qualquer lugar."

Pardal está envolvido no processo de lançamento dos contos do seu último livro, "Pessoas Extraordinárias". Publicado em 2020, a coletânea de dez histórias apresenta personagens artistas lidando com as especificidades de suas carreiras como talento, fama, sucesso, fracasso, etc.

"O meio artístico é cheio de mística e gera muito fascínio. O que me fascina é o que acontece nos bastidores. As neuroses e inseguranças das pessoas por trás de suas personas de artistas e celebridades."

No livro conhecemos uma aspirante a atriz em busca de sucesso; um artista que procura trabalho para pagar as contas e acaba descobrindo um novo talento; o que acontece após um autor acabar de escrever seu novo livro; um ator faz um teste de elenco para novela; um poeta desconhecido é descoberto e eleito como fenômeno; uma cantora de sucesso fala tudo o que seu público quer saber; dois escritores conversam sobre as impossibilidades de escrever; um rapaz acorda como o gênio da sua geração; uma epidemia improvável toma conta do país; e pra fechar, um artista escreve uma carta de suicídio.

Um ano após lançar todas essas histórias em um só volume, Pardal decidiu publicar cada uma separadamente, como obras únicas, em formato digital.

É natural que seus textos tratem sobre o meio artístico, já que é onde ele está inserido como profissional. Baiano, nascido e criado em Salvador e no interior, Pardal chegou ao Rio em 2007. "Da mesma forma que muitos artistas vieram antes de mim, para realizar sonhos impossíveis." Trabalhou com teatro, cinema e literatura, na maioria das vezes misturando todos esses elementos. "Eu escrevia um texto para teatro que acabava virando um filme; um roteiro de filme que acabava virando um conto; um poema que virava desenho..."

Essa mistura de formatos pode ser encontrada desde o seu primeiro livro, "Carnavália" (2011), que foi inicialmente planejado para ser uma peça de teatro. "Cheguei a filmar uma parte e a me apresentar em saraus. Hoje tenho planos de transformar tudo em exposição."

Em 2009 criou a newsletter coletiva ORNITORRINCO, junto de outros artistas como Letícia Novaes (cantora), Maria Rezende (poeta), Mariano Marovatto (poeta e compositor), Domingos Guimaraens (poeta e artista plástico), entre outros. O objetivo era reunir artistas das mais diferentes disciplinas para escrever. "Vejo a literatura como uma arte mãe de todas as linguagens. Ela é ao mesmo tempo a mais simples e a mais potente."

Foi no coletivo que exercitou a escrita e se envolveu em diferentes segmentos artísticos, conhecendo diversos artistas. Trabalhou como ator e dramaturgo em dezenas de peças. "Por muitos anos eu me definia como ator, era essa a carreira que estava sendo traçada, mesmo que eu nunca tivesse deixado de escrever. Eu brincava dizendo que sonhava em ser escritor, mas fazia teatro para ganhar dinheiro. Brincadeira, óbvio, porque não ganhava dinheiro algum." Pardal protagonizou diversos curtas e dois longa-metragens, Tropykaos (2014) e O Homem Que Parou o Tempo (2016), ambos disponíveis na Amazon Prime.

"Eu vim pro Rio numa de me tornar ator, trabalhar com teatro, cinema, televisão", ele conta e imediatamente me lembro do conto que dá título ao livro. "Mas no percurso tudo deu errado. O que acabou dando certo."

Em "Pessoas Extraordinárias" encontramos narrativas particulares de atores e atrizes, assim como de poetas, escritores, artistas de modo geral. "Não diria que é autobiográfico, mas o que não é? Com certeza essas histórias surgiram dos meus conflitos, das minhas observações e experiências."

Seu livro anterior, "A Desobediência do Escritor" pode ser considerado como um irmão gêmeo bivitelino, por se tratar de um livro de não ficção. É fruto dos anos com o ORNITORRINCO, época em que estava ralando para desenvolver seus trabalhos, se assumir como escritor, artista, etc. Semelhanças com o livro mais recente não parece ser mera coincidência.

Cada um dos contos de "Pessoas Extraordinárias", lidos separadamente, acabam se destacando e revelando sua força.

"A narrativa breve tem uma relação muito próxima com as outras expressões: música, quadro, filme, são coisas que a gente aprecia de uma só levada. Leva-se mais tempo lendo um romance do que um conto? Muitas vezes acabo de ler um conto e não consigo ler mais nada, aquilo fica comigo por dias. Então essa relação de tempo é relativa. Assim também enquanto escritor, posso levar meses ou anos escrevendo um texto de 20 páginas.”

O processo de publicação do livro lhe fez estudar e pensar bastante sobre o formato do conto.

“A literatura surge da tradição oral de se contar histórias, portanto a narrativa breve é o formato original enquanto o romance é seu subproduto. O formato do livro, consolidado no mercado, não foi designado para narrativas curtas e não acho que seja a melhor plataforma para elas, pois, geralmente ao fim de uma história temos que retomar um fôlego antes de iniciar a segunda, assim, muitas vezes um livro de contos é abandonado antes de ser lido."

Sua inquietação lhe fez se debruçar em diversas revistas literárias, sites, publicações independentes até que percebeu que a solução estava mais próxima do que imaginava. "O formato digital é perfeito pra isso, pois hoje ele funciona como antigamente eram os zines, com a vantagem da distribuição global.”

As dez histórias estão sendo lançadas por um preço acessível e podem ser baixadas e lidas em qualquer parte do mundo.

1) Pessoas Extraordinárias
2) As Time Goes By
3) O Novo Livro
4) Teste de Elenco
5) Poesia Numa Hora Dessas?
6) Intervalo Comercial
7) A Voz de uma Geração
8) Epidemia Global
9) Diálogo Infinito
10) Carta de Suicídio Nº 50

Essas ficções têm sido recebidas com carinho pelos leitores e seguidores que acompanham Gabriel Pardal nas redes. Assim como em seus cartuns, Pardal aborda a cultura moderna com observação aguçada, trazendo à vida personagens anti-heróis que bem poderiam ser reais. Demonstrando ser um dos mais talentosos contadores de histórias da sua geração, sua escrita traz sensibilidade lúdica, inventiva e bem humorada ao representar fatos e acontecimentos banais da vida contemporânea, acertando em cheio o nosso intelecto, nosso coração e nosso senso de humor.

Os textos estão disponíveis em seu site e podem ser lidos em qualquer plataforma digital. A coletânea completa está disponível em digital e impresso.