Alice Pataxó
Alice Pataxó
Conheça a ativista indígena brasileira que está entre as cem mulheres mais influentes do mundo
Ana Caroline Martins, Edilson Nicolau,
Gabrielly Ribeiro e Stéfanny Manoelita
Março de 2023
Em 2022, a ativista indígena brasileira, Alice Pataxó, marcou história ao entrar para a lista das 100 mulheres mais influentes e inspiradoras de todo o mundo, feita pela BBC. De etnia Pataxó, Alice Pataxó, ou Nuhé, como é seu nome na língua Patxôhã, nasceu na Aldeia Craveiro, na cidade do Prado (Bahia), Terra Indígena Barra Velha. Alice, de 21 anos, estudou Humanidades na Universidade Federal do Sul da Bahia e atualmente vive em Porto Seguro.
A jovem vem tendo grande participação no ativismo indígena e discursou na COP26 (Conferência da ONU para Mudanças Climáticas) e na COY16 (Conferência da ONU para a Juventude), recebendo reconhecimento mundial. Inclusive, Alice foi indicada pela ativista paquistanesa, Malala Yousafzai, como uma das mulheres que estão “levando suas vozes e experiências” ao redor do mundo.
Alice Pataxó, milita desde os 14 anos pela resistência indígena. Ela foi influenciada pelo processo de reintegração de posse da Aldeia Araticum, marcado por ataques e conflitos, em 2015. Integrante da juventude indígena, Alice escolheu a comunicação para atuar e hoje é porta-voz da defesa do meioambiente e dos direitos indígenas. A jovem ganhou repercussão nacional e internacional e sua influência é uma das maiores dentro do ativismo indígena.
A ativista usa a sua voz para denunciar a onda de violência e violações contra os povos indígenas ocorridas em todo o Brasil. Além do cenário político brasileiro dos últimos anos que vem contribuindo para o genocídio dos povos originários. Alice também foi responsável pela denúncia contra a JBS, a maior produtora de carne do mundo, que vinha realizando atividades relacionadas às produções dentro de territórios indígenas.
As lutas da jovem abordam questões como o preconceito contra os povos indígenas, demarcação de território e preservação da cultura do seu povo. Alice tem como objetivo colaborar para que indígenas participem do diálogo e cooperem para a formação da lei. “Nós [indígenas] vivemos esses conflitos e conhecemos boas maneiras de rastrear e monitorar áreas devastadas pelas grandes empresas”, afirma Alice.
Através da luta pelos territórios e pela defesa dos direitos dos povos originários, Alice Pataxó hoje é vista como uma das maiores influências no ativismo indígena. Conquistando espaço dentro de universidades, realizando debates com indígenas e não indígenas e marcando presença nas redes sociais, a jovem usa a sua voz para denunciar as atrocidades da atual conjuntura, atrocidades apoiadas pelo agronegócio, mineração e até mesmo por políticos.
Ferramentas de Comunicação
Alice é muito jovem e por isso apresenta facilidade em se comunicar através das redes sociais. Ela possui conta no Instagram, Youtube, Twitter, Tiktok, e no Spotify, onde apresenta o podcast "Hora do Planeta". Além disso, Alice é a atual embaixadora da WWF-Brasil (World Wide Fund for Nature, que em português quer dizer "Fundo Mundial para a Natureza").
A ativista usa técnicas para se comunicar diretamente com seu público, através de lives, por exemplo. Com essa ferramenta, ela aparece ao vivo para seus seguidores, abordando um assunto importante, como a violação dos direitos dos povos originários, e solicitando financiamento e contribuição para os projetos da causa. Qualquer pessoa pode assistir através do Instagram e enviar perguntas, críticas e elogios pelos comentários. Da mesma forma, ela compartilha parte da vivência de povos tradicionais na Amazônia, sua cultura, cotidiano, tradições e etc...
Outra estratégia de circulação de conteúdo, são vídeos curtos e informativos. Por exemplo: cinco palavras para não se referir a povos indígenas. Em apenas alguns minutos ela explica a origem das palavras, e o motivo de não utilizá-las em determinado contexto. Esse conteúdo é bastante consumido pelo público jovem no Tiktok.
Além de sempre abordar as causas pelas quais luta, Alice mescla seu conteúdo social, ativista e político à coisas do cotidiano, como fotos e vídeos de seus pets e de seu marido.
A identidade visual de Alice Pataxó, também é um meio de comunicação. O uso do Aíptxuy, adereço feito de osso que a jovem utiliza no nariz, por exemplo, tem muita importância em sua cultura. O adereço pode ter vários significados, como a representação da transição da infância para vida adulta, bem como um contato direto com a espiritualidade individual.
Alice também utiliza pinturas pelo corpo. “A pintura que me veste descreve minha alma, o meu povo e minha luta, fala do meu ser e da proteção desse mundo”, publicou em suas redes sociais.
A jovem ressalta que não se trata apenas de estética, mas sim de informações sobre o povo a qual o indivíduo pertence, seu respeito pela comunidade e seu estado de espírito.
As colorações mais comuns usadas por Alice e seu povo, são preta, vermelha, amarela e branca. O preto é usado no dia a dia, dependendo da mistura com outras cores, e também em momentos de luto. O vermelho, por sua vez, representa a guerra, enquanto o branco simboliza a paz. A cor amarela é mais frequente em épocas festivas.
Alice faz questão de ressaltar que a pintura e o espírito precisam estar prontos para receber uns aos outros, em uma troca de intimidade e sentimentos. A forma com que ela se apresenta gera identificação e auxilia o fortalecimento da representatividade indígena nos espaços digitais.
A jovem é uma figura do midiativismo internacional, mas possui maneiras próprias de produzir e circular seu conteúdo. Ao contrário de Greta Thunberg, por exemplo, Alice Pataxó não participa de confrontos diretos, mas manifesta apoio às suas causas acompanhando de perto a atuação de empresas e autoridades. Neste contexto, Alice contribuiu para a denúncia da JBS, maior exportadora de carnes do país. Há indícios de que a empresa utilizava áreas reservadas da Amazônia, para criar bovinos de forma ilegal. As empresas que adotam essa prática, contribuem para o desmatamento e consequentemente, para a violação dos direitos dos povos tradicionais.
A ativista também utiliza a língua Patxôhã em suas redes sociais, nas legendas e descrições. Ela frequentemente convida os seguidores a aprenderem sobre a plurietnia brasileira, e se conectarem com a luta indígena.
Ativismo no século XXI
A partir das atividades desenvolvidas nos ambientes digitais, Alice revela aos seus seguidores aspectos intrínsecos à cultura dos povos indígenas, com ênfase em sua etnia Pataxó. Ritos e costumes são exibidos didaticamente para que o público possa conhecer mais sobre a herança histórica que ainda mantém-se viva, graças às novas gerações Pataxó. Para a jovem, o conhecimento é uma grande arma para vencer o preconceito e derrubar quaisquer estigmas.
O espaço digital, visto como uma via de mão dupla, permite uma grande interatividade entre Alice (produtora de conteúdo) e seus seguidores. As informações difundidas pelos perfis da jovem passam a ter caráter intercambiável, isto é, uma articulação é construída entre Alice e o público, de modo que a liderança indígena possa ter acesso a dúvidas e questionamentos pontuais e específicos, manifestos pelos seguidores. Isso permite que o conteúdo produzido esteja cada vez mais alinhado com o interesse do público, caracterizando um estreitamento relacional.
E é justamente na exploração deste aspecto que Alice consegue se diferenciar das veiculações produzidas pelos meios tradicionais de informação. As mídias tradicionais produzem conteúdos noticiosos que segmentam a representação da realidade dos povos indígenas de tal maneira, que ocorre o fortalecimento de estereótipos e estigmas.
Entendamos mídia tradicional como os meios massivos e hegemônicos de comunicação, cuja produção está atrelada a grandes interesses políticos e econômicos, monopolizando todo o sistema comunicativo).
Os perfis digitais de Alice representam a ruptura da visão discriminatória e rotulada em relação aos povos originários. Alice insere os povos indígenas no centro do debate, hasteando a bandeira contrária ao apagamento histórico ao qual foram submetidos por vários séculos.
Ao explicar alguns termos e expressões em Patxôhã (língua falada pelos Pataxó), Alice também mantém viva a língua de seu povo. Por meio de sua atuação, a jovem apresenta aos seus seguidores não o Brasil do passado (limitado às ideias pré concebidas sobre os indígenas), mas sim o Brasil do futuro, ao qual os povos originários também são protagonistas. Sua atuação coloca em discussão a visibilidade e as manifestações culturais de seu povo, promovendo a afirmação étnica dos Pataxó.
Ao realizar lives com outras lideranças indígenas, Alice fortalece a ideia de unidade em prol da causa dos povos originários. Esses encontros movimentam as plataformas e atraem o público presente nas redes sociais. Nesse meio, os jovens ganham poder de fala e planejam - muitas vezes sozinhos - os próprios conteúdos a serem debatidos e divulgados.
Outra diferença em relação aos meios tradicionais de comunicação é a abrangência do conteúdo. Por meio dos vídeos produzidos, a jovem participa das chamadas “trends”, que são conteúdos que ganham popularidade durante determinado período. Isso faz com que as plataformas recomendem os vídeos produzidos, alcançando um maior número de pessoas.
As lideranças globais tornam-se cada vez mais atrativas aos jovens, visto que as novas gerações demonstram grande interesse sobre assuntos ligados ao ativismo socioambiental, como mudanças climáticas, equidade de gênero, biodiversidade, objetivos de desenvolvimento sustentável, e cidades e comunidades sustentáveis.
Texto produzido na disciplina de Comunicação e Conjuntura Internacional, ministrada pela professora Lúcia Lamounier - PUC Minas.