Maria Célia de Oliveira.

Maria Célia de Oliveira - Bairro Meu Sonho - Funções na FEMAC - primeiro foi conselheira fiscal e depois secretária. Conheceu o movimento comunitário atuando na associação dos moradores do bairro meu sonho. É também dirigente a associação de combate à discriminação racial Solano Trindade.

"A relação como o Executivo e o Legislativo acontece em função da busca do direito e a FEMAC fez muito isso".

FEMAC 25 anos - Como conheceu a FEMAC e porque atuou no movimento.

Maria Célia de Oliveira – Conheci o movimento comunitário no bairro Meu Sonho. A primeira experiência com o movimento comunitário foi com a associação dos moradores da região (ponte preta, meu sonho, olaria e mangueira rural). O ex-padre José Machado iniciou um trabalho na comunidade e fundou uma associação de moradores. Eu entrei para ajudar e assumi a função de segunda secretária na chapa de fundação da associação e permaneci por muito tempo na diretoria desta associação. Não participei da fundação da FEMAC.

FEMAC 25 anos - E sobre os Bairros: sabe nos informar a realidade dos bairros/ do seu bairro/ da sua região antes da FEMAC e o que aconteceu após a criação da FEMAC ou em função da atuação do movimento comunitário nos bairros e consequentemente na cidade?

Maria Célia de Oliveira – Quando nos mudamos, e mais moradores foram adquirindo as casas, a Rua Joaquim Pereira já era calçada, mas a carência maior era da Avenida principal que não tinha calçamento. Então, a principal reivindicação era melhorar a avenida principal. No início nem era calçamento, a reivindicação era o cascalhamento, uma vez que era uma estrada e tinha poucas casas. Foram aumentando as casas, depois da Rua Joaquim Pereira começou se formar o bairro olaria, com as ruas já abertas, muito mato e precisava de alguém que reunisse os moradores para reivindicar. A limpeza dos lotes era uma grande preocupação, uma vez que a região era muito afetada por escorpião, resultante das olarias. E a associação cuidava destas coisas: melhorias para a região. Era uma dificuldade muito grande trabalhar na região. Quase todos aqui tinham bicicleta, ninguém tinha carro, e o ônibus era apenas três vezes por dia. E tudo isso era reivindicação da associação e era uma luta muito forte.

FEMAC 25 anos - É competência estatutária da FEMAC contribuir com a organização/formação e capacitação de dirigentes comunitários. A FEMAC realizou muitos eventos e atividades desta natureza. Pode enumerar alguns eventos realizados ao longo dos 25 anos que marcaram a trajetória da FEMAC e por quê?

Maria Célia de Oliveira – Eu penso que o marcou a FEMAC, no meu entendimento, foi a sua participação na construção das políticas públicas, com destaque para o Conselho de Saúde onde à FEMAC teve uma atuação muito forte. Nos considerados eventos festivos destaco o Dia do Líder Comunitário que homenageia os líderes. É uma tarefa muito difícil manter uma associação de moradores funcionando, principalmente quando não tem uma sede, como é o caso da maioria. A homenagem ao Líder comunitário foi uma iniciativa muito importante. O Dia internacional da mulher também marca muito essa questão da atuação da mulher no movimento comunitário. Esta duas iniciativas foram assertivas num momento da história da FEMAC. Agora a vida mudou, as condições melhoraram e as reivindicações também vão mudando.

FEMAC 25 anos - Nesta linha de eventos o Fórum Social Cristão foi importante para o movimento, por quê?

Maria Célia de Oliveira – Participei da coordenação de duas edições do Fórum Social Cristão. O Fórum deixou uma marca muito forte porque era um evento grande, regional e com muitos atores envolvidos. Eram muitas as entidades que construíam o fórum e também as assessorias eram de nível muito bom.

FEMAC 25 anos - A FEMAC desenvolveu muitas parcerias ao longo de sua existência com sindicatos, igrejas, associações e órgãos públicos. Pode falar de alguma destas parcerias: importância e resultados?

Maria Célia de Oliveira – Me lembro que tivemos parceria com igrejas no Fórum Social Cristão. O Pastor Waldemar da Igreja do Evangelho Quadrangular, a Ordem dos Pastores que também teve uma participação muito boa. O Pastor Elias dava uma assessoria muito qualificada e muita força para a organização do evento. Ele foi o nosso braço direito no inicio do Fórum. O sindicato dos marceneiros também foi muito importante no início. Não sei como era em outros tempos mais distantes, mas eu penso que as entidades, os movimentos tem que ter sede. A Liga Operária tem sede; o Congado tem sede; a associação da Vila Casal tem sede. A sede com uma estrutura faz muita falta para juntar e manter o povo organizado. É um ponto de referência imprescindível, e eu acho que isto é pouco pensado no Brasil.

FEMAC 25 anos - A FEMAC teve também muitos apoiadores ao longo da história de 25 anos. Um importante apoiador foi o Dr Antônio da Paixão Carneiro, presidente do Sindicato Rural de Ubá. Sabe nos falar sobre as lutas deste período e a importância desta personalidade para a FEMAC.

Maria Célia de Oliveira – Tenho mais na minha lembrança a presença do Santinho Barreto que participava e acompanhava todos os movimentos.

FEMAC 25 anos - A Logomarca da FEMAC é constituída de um triângulo com as palavras: na base CIDADANIA, de um lado NEGOCIAÇÃO e de outro lado MOBILIZAÇÃO. Pode nos falar sobre o significado desta logomarca. E qual lado deste tripé foi mais destacado ao longo destes 25 anos na sua percepção. E se este tripé ainda atende as necessidades do movimento

Maria Célia de Oliveira – Eu penso que a mobilização é a que mais sobressai no tripé. A FEMAC tem que mobilizar o povo e a logomarca (Tripé) é o lembrete do que nós temos que fazer. A vida do movimento não depende só do povo, depende do andamento do conjunto da sociedade. Quando a sociedade está andando bem o tripé funciona, mas quando tá ruim o tripé fica manco. Os movimentos vão se movendo conforme a sociedade vai caminhando.

FEMAC 25 anos - A FEMAC e a sua ação institucional - Desde a sua fundação a FEMAC tem uma participação muito efetiva nos conselhos de políticas públicas. Como era antes da FEMAC e o que mudou. Quais foram os avanços ao longo destes 25 anos de atuação nos conselhos.

Maria Célia de Oliveira – Eu posso falar da época em atuei: primeiro no conselho fiscal, que foi pra mim um espaço de aperfeiçoamento. Eu trabalhei para que o conselho fiscal cumprisse o seu papel de fiscalizar as ações da Diretoria da FEMAC. Analisava e aprovava as prestações de contas e acompanhava a movimentação financeira da entidade. Eu fiz questão de participar desta forma, eu entendia que o conselho tinha que funcionar. Nesta época tivemos uma compreensão do conselho muito dentro do espírito do movimento, muito acertada. Dávamos parecer após análise das notas e da movimentação financeira da FEMAC.

FEMAC 25 anos - A FEMAC e Poder Executivo - Como foi à relação nestes 25 anos? Na sua vivência quais foram os momentos de maior tensão e por quê? Quais foram os fatos e momentos convergentes e por quê? Qual o aprendizado para o movimento comunitário?

Maria Célia de Oliveira – A relação como o executivo e legislativo acontece em função da busca do direito e nós fizemos muito isso. Nós fizemos a construção de várias reuniões com o executivo, nós chamamos os prefeitos para conversar. Nós dialogamos muito com o executivo: fizemos muitas reivindicações, algumas atendidas, outras não. Eu me lembro, que uma das coisas que nós construímos foi o convênio que tem ajudado muito o movimento na organização interna. Trabalhamos a questão do orçamento participativo, discutimos a necessidade de fazer: ora faz, ora não faz, mas esta pauta esteve sempre presente na agenda da FEMAC. Sempre encaminhamos ao executivo e monitoramos a execução das reivindicações das associações, avaliávamos permanentemente o atendimento ou não das nossas reivindicações.

FEMAC 25 anos - Poder Legislativo - Como foi a relação nestes 25 anos? Na sua vivência quais foram os momentos de maior tensão e por quê? Quais foram os fatos e momentos convergentes e por quê? Qual o aprendizado para o movimento comunitário?

Maria Célia de Oliveira – Com o legislativo nós tivemos muita interlocução. Lembro-me de momentos que tivemos que ir à Câmara para participar em discussão durante a tramitação projetos de lei.

FEMAC 25 anos - A sustentação financeira da FEMAC sempre foi um ponto de preocupação para os dirigentes, ao mesmo tempo, que as ações de arrecadação são também um ponto que une as lideranças. Pode nos falar sobre a prática da FEMAC no campo da arrecadação financeira ao longo dos seus 25 anos.

Maria Célia de Oliveira – O dinheiro é uma coisa que quem lida com o movimento social não que mexer, mas precisa mexer. Eu já ouvi um determinado grupo dar graças a Deus porque sobrevivia sem dinheiro, mas depois, lá na frente vê que precisa do dinheiro. Tudo que você vai fazer tem que pagar, então não tem como viver sem dinheiro. A relação do movimento com o dinheiro é necessária, não tem como sobreviver. Penso que o movimento tem que fazer os projetos e encaminha-los. Dá mais transparência que viver passando a sacola. Você tem que ter uma relação de transparência com a parte financeira. No nosso tempo nós fizemos alguns eventos: rifa, bingo, almoços, convênio com o estado e com o município para o custeio. O convênio com o Estado nós compramos material de escritório: mesa, cadeira, computador. Nós realizamos um festival de quadrilha que valeu com resgate da festa popular, mas não como fonte de arrecadação. Dá muito trabalho e pouca renda.

FEMAC 25 anos - A FEMAC é uma entidade plural onde já conviveram as mais diversas correntes políticas e religiosas da cidade. Pode nos falar sobre a prática ecumênica e democrática no interior da FEMAC nestes 25 anos? Seus desafios e avanços.

Maria Célia de Oliveira – Na verdade isto é uma coisa que flui também. A FEMAC é grande, e não tem com uma entidade ter 22 diretores não ter tendências diferenciadas no movimento. Eu acredito que a FEMAC lidou bem com isso e cumpriu o seu papel enquanto federação. O que tinha de fluir sobre os partidos, fluiu sem que a instituição abraçasse esta ou aquela causa. A FEMAC sempre ficou bem livre pra trabalhar, procurou trabalhar direto com o povo. Não tem como o movimento ser mais à Direita. O movimento de reivindicação e contestação por si só já nasce mais à esquerda mesmo. Isso fluiu com muita tranquilidade, na nossa época, em questões eleitorais nós não tivemos atrito.

FEMAC 25 anos - Em função de que a FEMAC se viu dividida internamente ao longo dos últimos 25 anos? Como a FEMAC trabalhou as suas divisões internas ao longo dos seus 25 anos?

Maria Célia de Oliveira – Eu penso que se não tiver divergência não é movimento. Porque o movimento está sempre divergindo em algumas coisas e convergindo em outras. As divisões internas eu também vejo com naturalidade porque eu compus com a FEMAC, mas também compus com muitos outros movimentos fora da FEMAC até fora de Ubá, então para mim, isto é uma coisa bem natural. Porque as pessoas não precisam ter a mesma ideia, nós não precisamos pensar igual. Se você pensa diferente e eu te critiquei, nem se trata de construir ou destruir, se trata de ser crítica mesmo. Temos que falar e agir no dia-a-dia considerando as nossas diferenças. As diferenças, e brigas internas na FEMAC, eu sempre entendi que elas acontecem, às vezes atrapalham, mas temos seguir em frente criando as formas de superar estes embaraços. Teve um momento que a FEMAC tinha quatro vagas de titular no conselho de saúde e três eram candidatos ao cargo de ouvidor, foi um embate terrível mas tivemos que diluir e superar. Esta é a democracia que acreditamos: briga, discute e resolve, alguns ficam descontentes, mas depois as coisas voltam ao normal.

FEMAC 25 anos - A FEMAC foi ao longo dos últimos 25 anos uma grande articuladora de trabalho voluntário em prol de causas coletivas. (saúde, educação, saneamento, segurança etc.) Pode nos falar deste potencial mobilizador da FEMAC neste período de existência da entidade? Quais os atuais desafios. Quais as estratégias que o movimento comunitário utiliza hoje para mobilizar voluntários? Quais são os temas que a FEMAC prioriza hoje?

Maria Célia de Oliveira – Eu penso que você veste a roupa de acordo com o seu corpo, não tem como vestir (P) se o seu corpo é (G). Hoje o movimento está mais enfraquecido, mas não é fraqueza comum é fraqueza pela situação do País. Eu acho que é papel hoje da FEMAC ir ao bairro, visitar, provocar a visita. Sei que é difícil para o presidente de bairro fazer a organização, como sei que difícil para o presidente da FEMAC. Mas eu acho que tem fortalecer, e onde já está mais organizado deve solidarizar-se com as associações menos organizadas.

Nós temos que ir moldando a ação com aquilo que agente tem. Vou dar um exemplo para melhorar a compreensão: Nós começamos a trabalhar o movimento negro falando da questão racial, da luta pela busca da igualdade, mas falar da igualdade sem buscar o social não estava dando resultado, não estava juntando as pessoas, então nós passamos a começar o trabalho pelo social para chegar ao racial. Temos que estar sempre buscando novos caminhos, inclusive usando as novas ferramentas de mobilização. A FEMAC precisa criar os espaços para troca das experiências sobre as formas de trabalho. Quem está conseguindo mobilizar, como está fazendo?

Talvez uma forma de mobilizar e capacitar lideranças fosse à organização de fóruns regionais de associações para promoção da cidadania, com novas temáticas mais humanistas, uma vez que os problemas de infraestrutura estão sendo superados e tem os vereadores que o fazem. O movimento comunitário poderia assumir e aprofundar esta questão da juventude, estas disputas entre bairros.

FEMAC 25 anos - Como você vê a FEMAC nos próximos 25 anos? O que a FEMAC estará fazendo daqui a 25 anos e como?

Maria Célia de Oliveira – A FEMAC deve tratar dos temas relacionados com a vida humana. Era o buraco quando precisava ser o buraco. Como eu disse, quando nós mudamos para esta região as ruas não tinha nem o cascalho, então a luta foi pelo cascalho, pela limpeza porque era isto que precisava: de uma região mais limpa, mais segura, livre dos escorpiões. Agora temos outras urgências: As jovens sem ter o que fazer. Muitas famílias não sabendo como lidar com esta realidade. Muitas famílias com dificuldade, sem saber onde buscar, e talvez uma troca de experiências ajude a encontrar caminhos. Vinte e cinco anos é muito tempo. É uma luta muito grande. É uma organização a muitos braços, muitas mãos. Cada um contribuiu um pouco e acho que a FEMAC cumpriu o seu papel. A convivência humana em grupo é difícil e nós temos que agradecer a Deus pelo momento de estar chegando até aqui, pela contribuição que a gente pode dar e pela convivência tivemos na FEMAC.