Seja bem-vindo à jornada dos Estudos de Fãs!
Como forma de simplificar e popularizar, e acima de tudo, “desestereotipar” a produção científica feita por fãs e sobre fãs, o Fan Journey traz uma linha temporal das mudanças na forma de fazer e enxergar as pesquisas.
Junte-se a nós nesta jornada!
Estudos de fãs: área de estudos multidisciplinar com uma grande variedade de objetos de estudo e perspectivas, podendo abordar produtos de mídia do mundo POP, suas repercussões e fenômenos.
Feito por fãs/ sobre fãs.
No passado, a palavra "fã" (do inglês "fan") era utilizada, de forma negativa, como uma abreviação de "fanático" para se referir a pessoas obcecadas por algo.
Palavras como fanatismo, admiração, entusiasmo e exagero se tornaram, ao longo das décadas, associadas aos fãs e o que a sociedade considerava como suas características peculiares.
E claro, precisamos citar que o termo era usualmente referido a mulheres.
Histéricas, malucas, descontroladas.
Hoje em dia, quando falamos em "fãs", estamos nos referindo a pessoas que gostam, admiram e até se identificam com produtos culturais.
O que diferencia um fã de um consumidor comum? Os fãs criam uma relação especial com o que gostam, o que torna a experiência mais intensa e profunda.
Ao criarem laços com o conteúdo que consomem, os fãs reinterpretam o que foi feito e atribuem significados pessoais àquilo. O fã é o que ele consome, e o que consome-se é o fã.
No Fan Journey, o fã é o criador.
Criador de sentido, significado, sentimento e,
principalmente, ciência.
Os Estudos de Fãs são pesquisas científicas que analisam de quais formas as pessoas gostam, interagem, divulgam e produzem sobre a cultura Pop, destacando-se pela interpretação coletiva e ativa da comunidade para além do significado original proposto pela mídia.
Para simplificar: é a produção científica sobre fãs, escrita por fãs.
Apesar de que o fã não é um objeto de estudo novo, a maneira como ele é abordado, é diferente. Tudo começou como uma forma de resistência política nos anos 90, quando os fãs passaram a ser vistos como protagonistas e consumidores ativos, em vez de apenas seguidores passivos daquilo que era midiatizado.
Os Estudos de Fãs têm uma abordagem multidisciplinar e ampla. Aborda diversos temas, objetos de pesquisa e metodologias, por isso esses estudos não podem ser padronizados. Segundo Paul Booth (2017), pesquisador da área, nós prejudicamos os estudos quando os colocamos em “caixinhas” de limitação do que faz e o que não faz parte dos Estudos de Fãs.
Houve uma mudança significativa na percepção do fã ao longo do tempo, de um sujeito passivo e manipulado para um consumidor engajado, que é capaz de contribuir de forma significativa para a cultura popular (Jenkins, 2008). Com a mudança do significado de "fã", houve também mudança na área que o estuda.
Os estudos que inicialmente davam foco a assuntos marginalizados na sociedade, hoje também abordam temas mainstream.
Isto faz dos estudos uma oportunidade de entender fenômenos sociais e culturais que acontecem na sociedade hoje/aconteciam no passado. Essa forma de enxergar o fã abriu caminho para a compreensão e valorização do fenômeno dos fãs e sua influência na indústria do entretenimento.
A popularização dos estudos, mesmo que ainda lenta, está acontecendo da mesma forma que o “ser fã” também deixa de ser algo depreciado, para se tornar algo comum. Que todo mundo é.
É possível encontrar estudos sobre diversos e variados temas e objetos de pesquisa, que, por vezes, nem sempre são escolhas óbvias para quem pesquisa uma das áreas em questão, sem estar inserido na produção dos estudos de fãs. Contudo, neste projeto vamos considerar Estudos de Fãs uma área multidisciplinar que é produzida sobre fãs/por fãs e sobre a cultura de fãs.
Apesar de ter um longo histórico e diversas abordagens, o enquadramento dos Estudos de Fãs pode ser organizado em três ondas distintas na perspectiva da Comunicação, cada uma caracterizada por suas próprias distinções e focos, conforme descrito por Gray, Harrington e Sandvoss (2007).
Chamada de "Fandom é bonito", a primeira fase de estudos de fãs foi desenvolvida principalmente nos anos 1990. O principal objetivo era mostrar que ser fã não é algo ruim e desfazer a ideia negativa associada a eles. Para além disso, os estudos eram utilizados como uma forma de “defender” os fãs da forma pejorativa que meios de comunicação - feito por pessoas que não eram fãs, os retratavam.
Os pesquisadores tentaram entender os fãs usando teorias de Recepção, enfrentando desafios nessa abordagem e explorando diferentes formas de estudar o público. Eles observaram várias práticas e formas como os fãs se apropriam das coisas que gostam. Como também a mudança de definição do “ser fã” conforme o uso mais contínuo das tecnologias e Internet.
Durante esse processo, os pesquisadores também enfatizaram que era importante que eles próprios fossem fãs ao conduzirem suas pesquisas, seguindo princípios da antropologia e sociologia.
Os estudos desse período abordaram uma variedade de temas, como o impacto econômico das atividades dos fãs, as relações afetivas na criação e organização dos fãs, e como as comunidades de fãs funcionam. O estudo do fandom foi considerado uma causa importante, representando e defendendo pessoas em desvantagem na sociedade.
Segundo John Fiske (1992), os fãs estão ligados aos gostos culturais de grupos minoritários, especialmente aqueles desfavorecidos por questões como gênero, idade, classe e raça.
A participação das mulheres como um grupo específico de fãs foi muito explorada, tanto em discussões sobre gênero e sexualidade quanto na construção do papel feminino na produção cultural. Além disso, houve reflexões sobre o papel dos fãs como críticos e produtores, a relação deles com os criadores oficiais, como os fãs de televisão se organizam socialmente, e como os fãs interagem com os produtos culturais, especialmente com o surgimento da cibercultura no final dos anos 90.
Referências: Gray, Harrigton & Sandvoss (2007); Costa (2018); Carlos (2011).
Curadoria: Costa (2018)
Na segunda geração de estudos de fãs, denominada "Fãs no mainstream" e "Culturas de fãs e hierarquia social", que começou nos anos 2000, os pesquisadores passaram a focar na presença dos fãs na mídia convencional e nas questões de formação cultural e hierarquia social.
Nesses estudos, a importância do fandom e sua análise acadêmica é vista de maneira diferente. Em vez de considerar o fandom como uma ferramenta de empoderamento, os estudiosos sugerem que as comunidades interpretativas do fandom estão integradas na ordem cultural e social existente. Embora ainda abordem questões de poder e desigualdade, não veem o fandom como um espaço extraordinário de emancipação, mas como parte da manutenção das hierarquias sociais e culturais existentes. Isso representa uma mudança conceitual significativa na compreensão do papel dos fãs na sociedade.
A hierarquização dos fãs, baseada nas ideias de Pierre Bourdieu, mostrou que o gosto dos fãs reflete seu status econômico, cultural e social, reproduzindo hierarquias existentes fora do mundo dos fãs. No entanto, mesmo com esses avanços, os estudos dessa época foram criticados por não falarem muito sobre a diversão, as motivações pessoais e os prazeres dos fãs.
Nessa mesma época, nos anos 2000, houve uma aproximação entre os produtores de entretenimento e os fãs, impulsionada pelas mudanças na forma como o conteúdo era distribuído e pela popularização da internet e de novas mídias.
Os pesquisadores também mudaram a maneira como conduziram suas pesquisas, considerando sua própria posição como fãs.
Alguns críticos apontaram que as pesquisas não exploraram completamente a dinâmica dos prazeres dos fãs. Além disso, houve uma reflexão sobre a natureza mutante do conceito de fã, mostrando que o que é ser fã pode mudar ao longo do tempo. As novas mídias, como a internet, também foram consideradas, destacando como os fãs usam essas plataformas para se expressar.
Essa mudança na visão dos fãs, de simples consumidores a colaboradores na produção de conteúdo, trouxe efeitos significativos. Os fãs ganharam mais espaço na cultura, não ficando limitados ao entretenimento tradicional. Isso também reconfigurou a comunidade de fãs, ultrapassando os limites convencionais e criando oportunidades para explorar novos espaços culturais e a relação com produtos e produtores.
Referências: Gray, Harrigton & Sandvoss (2007); Costa (2018); Carlos (2011).
A terceira geração dos estudos de fãs chamada “Fandom e modernidade” começou nos anos 2010 e persiste até hoje. As pesquisas passaram a valorizar mais os fãs em relação aos produtores da indústria e isso mostrou uma dependência maior da indústria em relação aos fãs, mesmo com conflitos entre eles. Estudos mais específicos sobre os fãs foram desenvolvidos, focando em temas como a organização de comunidades online e a representação dos fãs na cultura pop.
A terceira geração se difere das duas primeiras, pois os estudos iniciais sobre fãs, influenciados por preocupações sociológicas, focaram em grupos específicos de audiência, como comunidades e subculturas de fãs. Analisaram a interação entre membros dessas comunidades, redes de apoio, hierarquias culturais e discriminação. No entanto, à medida que ser fã se tornou mais comum, as abordagens que viam os fãs como participantes altamente organizados e ligados a subculturas não refletiam a autodescrição e a experiência de muitos fãs.
Nesse período, as definições do que é um fã e o que é a indústria ainda não estão claras, especialmente à medida que esses dois grupos se aproximam na produção e apropriação de conteúdo.
Os fãs passaram a se envolver mais com a cultura digital e novas mídias, desenvolvendo competências como produtores nesse contexto. Observar as práticas atuais dos fãs é essencial para entender como o fandom se representa e se transforma ao longo do tempo.
A história do fandom também se tornou importante para compreender como ele se relaciona com narrativas pessoais, identidade e senso de segurança.
Os fãs são vistos como multifacetados e complexos, mas nem sempre essa visão é reconhecida pela sociedade em geral.
O avanço tecnológico e a competência dos fãs nas lógicas de produção midiáticas apresentam desafios tanto para a indústria quanto para os pesquisadores que estudam esse cenário. O processo não é apenas comercial. É importante considerar abordagens socioculturais, destacando que a aprendizagem faz parte da construção identitária do indivíduo dentro da comunidade de fãs e influencia suas formas de produção e consumo em diferentes áreas de convivência.
Referências: Gray, Harrigton & Sandvoss (2007); Costa (2018); Carlos (2011).