Carta Aberta

Mobilidade Activa e Transporte Público: por uma política de Saúde Pública mais responsável

Sua Excelência Senhor Presidente da República, Prof. Marcelo Rebelo de Sousa,

Sua Excelência Senhor Presidente da Assembleia da República, Dr. Eduardo Ferro Rodrigues,

Sua Excelência Senhor Primeiro Ministro, Dr. António Costa,

Exmos./as Senhores/as Presidentes dos municípios portugueses,


Perante muitas incertezas durante esta pandemia, devemos ser ainda mais determinados na ambição que temos para o nosso futuro. A retoma económica terá que ser mais solidária, inclusiva, sustentável e saudável. Não queremos voltar às nossas cidades poluídas de partículas que invadem os nossos pulmões, levam as nossas crianças com asma às urgências dos hospitais, deixam os nossos idosos mais expostos à morte. Regressar ao erro que nos trouxe aqui seria irresponsável e irracional. Não podemos desperdiçar a excelente prestação do nosso Serviço Nacional de Saúde, o esforço da nossa administração central e autárquica e o sacrifício de todos. Com a previsível redução do preço dos combustíveis fósseis, a menor capacidade dos transportes públicos, e o medo da proximidade física, voltaremos dentro de poucas semanas a cidades ainda mais insalubres que há poucos meses - salvo se forem adoptadas fortes políticas públicas e alterações profundas na distribuição do espaço público. A janela para a tomada de decisão é agora e muito breve. Tal como no início da pandemia, estamos perante uma emergência.

Governos em todo o mundo bem conscientes deste problema estão a adoptar políticas públicas sem precedentes. São medidas que visam, sem ambiguidades, conter o regresso ao uso dos automóveis, apoiando o transporte público e os modos activos (caminhar e a bicicleta). Mas também incentivar a adopção, pelas empresas e sector público, do teletrabalho, maior flexibilidade nos horários e outras medidas de forma a ajudar as famílias a deslocarem-se de forma mais saudável. Basta revermos alguns exemplos europeus e torna-se bastante clara e preocupante a inacção do governo português perante esta nova emergência.

Mas estes incentivos por parte dos governos não surtirão efeito sem profundas alterações do espaço público. Cidades em todo o mundo estão a transformar as suas ruas nas últimas semanas. Não só para ajudar as pessoas a ganharem espaço público nos seus bairros para os necessários passeios durante o confinamento, como também para contrariar desde já o expectável aumento do uso do automóvel e a necessidade de aliviar temporariamente o uso do transporte público. É fundamental encorajar que as pessoas, ainda em semi-confinamento, possam e queiram permanecer o máximo possível dentro dos seus bairros (dar os primeiros passos para a "cidade dos 15 minutos"). Precisamos reabrir jardins e transformar ruas locais em lugares de fruição para crianças, adultos e idosos. Tal implicará fechar ruas ao tráfego de atravessamento e assegurar velocidades máximas de 20km/h em zonas de coexistência (nova ferramenta que ficou recentemente disponível em Portugal). Precisamos com urgência de “corredores de saúde” que alarguem os passeios que hoje não permitem o distanciamento físico dos peões e que garantam o uso da bicicleta em segurança nas ruas principais. A velocidade dos automóveis e o estacionamento sobre o passeio são também preocupações em todo o mundo. Teremos que aumentar a fiscalização pelas forças policiais – em Portugal o risco de atropelamento aumentou drasticamente durante o confinamento – e usar medidas rápidas de acalmia de tráfego (principalmente quando as crianças regressarem à escola). Paris, Milão, Barcelona, Londres e inúmeras outras cidades em todo o mundo estão a criar “corredores de saúde”, a fechar ruas ao trânsito automóvel, a baixar limites de velocidade. Perante estes exemplos é evidente a inacção dos municípios portugueses, antes e durante o desconfinamento.

Vimos por este meio apelar ao Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro Ministro e autarcas que tomem a saúde pública e retoma económica justa e sustentável pós confinamento como uma nova emergência nacional. Manifestamos desde já a nossa disponibilidade para, dentro das nossas áreas de competência, colaborar com o Governo e os organismos do Estado para apoiar a implementação de medidas de emergência para um desconfinamento sustentável e seguro.

Mas, para além de tudo, precisamos urgentemente de lideranças fortes e inspiradoras para não continuarmos a envenenar as nossas cidades e expormos o nosso país e planeta a pandemias actuais (sinistralidade, obesidade, doenças de foro respiratório) e futuras (os surtos virais terão tendência a ser cada vez mais frequentes).


21 de Maio de 2020

As entidades subscritoras:


- ESTRADA VIVA - Liga de Associações pela Cidadania Rodoviária, Mobilidade Segura e Sustentável

Organizações membro:

- ACA-M - Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados

- APSI - Associação para a Promoção da Segurança Infantil

- APFN - Associação Portuguesa de Famílias Numerosas

- GARE - Associação para a Promoção de uma Cultura de Segurança Rodoviária;

- MUBi - Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta

- UVP - FPC - Federação Portuguesa de Ciclismo;


- ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável

- WWF / ANP - Associação Natureza Portugal

- QUERCUS - Associação Nacional de Conservação da Natureza