Estudos apontam que mais da metade da população permanece com algum sintoma após o período de infecção pelo vírus no Brasil
Eli Medeiros da Silveira, de 65 anos, é moradora do Bairro Tancredo Neves em Santa Maria e teve Covid-19 em novembro de 2022. Ela conta que, nesse período, teve muita dor de cabeça, febre e cansaço. Após seis meses, Eli relata a manifestação de alguns sintomas, especialmente a falta de ar que desencadeou crises de asma frequentes. Com a persistência desses sinais, Eli procurou o Pronto Atendimento, e foi encaminhada para o Ambulatório Pós-Covid do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM) para tratar as sequelas que a acompanham desde o final do ano passado.
Para Tiago Santos, de 33 anos, a Covid-19 também parece não ter data para acabar. Ele lembra que as primeiras manifestações da doença apareceram em julho de 2021, quando testou positivo. Nesse período, teve sintomas leves da doença como febre e dores no corpo. Após quase dois anos, relata as mudanças pós-covid, como o cansaço e dores musculares que insistem em aparecer.
Após a persistência dos sintomas após a Covid-19, Eli foi encaminhada para atendimento no HUSM. Foto: Thais Immig
Eli e Tiago fazem parte dos quase 60% de pessoas que continuam com algum sintoma após a infecção por Covid-19, conforme levantamento da Rede de Pesquisa Solidária - formada por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Fiocruz, Universidade de Brasília (UnB), entre outras. A docente do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Isabella Albuquerque, explica que a permanência desses sinais e sintomas mesmo após a fase aguda da infecção é chamada de Covid Longa ou Síndrome Pós-Covid.
Isabella explica que esse fenômeno tem impactado diferentes sistemas do organismo. Dentre os sintomas identificados até o momento, se destacam aqueles associados ao sistema cardiorrespiratório, como dores no peito, falta de ar e tosse, e os musculares, que incluem sinais como dores no corpo e nas articulações, especialmente de membros inferiores. “Outra manifestação comum é em relação ao sistema neurológico, em que os pacientes relatam perda de memória recente e dificuldade de concentração”, completa a pesquisadora.
O médico nefrologista Charles Wurzel explica que as infecções virais, de uma forma geral, podem afetar vários órgãos como pulmão, rins e coração. Com a Covid-19 não seria diferente. “Essas afetações vão desde quadros passageiros até sequelas graves como doença pulmonar crônica, problemas cardíacos e depressão”, afirma.
Em relação às sequelas no sistema neurológico relatadas por Isabella, os resultados de um estudo publicado em 2022 na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), com contribuição de pesquisadores brasileiros, apontam para o mesmo caminho e explicam que a perda de memória pode estar associada à ação da Covid-19 nos astrócitos, células do sistema nervoso que tem diversas funções, como suporte e nutrição dos neurônios. O mesmo estudo ainda sugere que essa ação do vírus no cérebro pode causar outras sequelas como depressão e ansiedade.
O que também se sabe até agora é que a persistência de sintomas da Covid-19 é mais frequente entre pessoas não vacinadas. Conforme o levantamento da Rede de Pesquisa Solidária, 72% das pessoas que possuem sequelas pós-covid não optaram pelo imunizante - o dado diminui para 59% ao se tratar de pessoas vacinadas. Charles afirma que as vacinas, principalmente doses de reforço, podem amenizar a gravidade da doença e, nesse cenário, influenciar positivamente na ocorrência da Covid Longa.
“O cansaço após a doença”
Eli e Tiago tiveram Covid-19 em momentos distintos da pandemia e manifestações específicas durante a infecção - Eli precisou procurar atendimento diante da gravidade dos sintomas, já Tiago teve apenas sinais leves. Mas, meses após contraírem a doença, as sequelas parecem ser as mesmas: falta de ar e cansaço. Isso porque, conforme Isabella, as principais sequelas da doença são respiratórias, especialmente a dispneia (falta de ar) e a fadiga. “Esse cansaço relatado após a doença tem um impacto na qualidade de vida desses pacientes porque, diante disso, podem apresentar um aceleramento na inatividade física, levando ao sedentarismo”, afirma a pesquisadora.
Isabella tem auxiliado na recuperação de pacientes com síndrome pós-covid no HUSM. Foto: Thais Immig
A partir desse cenário, a profissional revela que essa e outras sequelas da doença podem levar as pessoas à depressão, como já apontam estudos na área. Uma pesquisa com 425 pacientes que tiveram Covid-19 grave ou leve, feito por pesquisadores da USP e publicado na revista General Hospital Psychiatry, mostrou que 15,5% dos entrevistados tinham transtorno de ansiedade generalizada, sendo que 8,14% desenvolveram a condição após a contaminação pela Covid-19.
Ouça o que se sabe até agora sobre as causas da Síndrome Pós-covid:
A enfermeira e especialista em saúde pública, Teresinha Heck Weiller, também reforça que não é possível identificar sequelas a médio e longo prazo porque o cenário ainda é recente. “Precisaríamos de uns 10 anos para monitorar as pessoas que tiveram contato com o vírus para afirmar a probabilidade de desenvolver complicações após a infecção por Covid-19”, afirma.
Projeto na área de Fisioterapia mapeia impactos da Covid Longa
Diante de um novo cenário pós-pandemia, estudos estão sendo realizados em diferentes áreas para investigar as consequências da Covid-19 no organismo. Algumas delas, além de mapear os sintomas, também colaboram com a reabilitação dos pacientes. É o caso da pesquisa coordenada pela acadêmica de fisioterapia da UFSM, Charlise Comoretto, em parceria com o Departamento de Fisioterapia e Reabilitação do Centro de Ciências da Saúde (CCS). O estudo avalia pessoas residentes em Silveira Martins que possuem a síndrome Pós-Covid com o objetivo de investigar se existe alteração no equilíbrio postural dos pacientes, além de avaliar outros fatores como força corporal, qualidade de vida, fadiga e mobilidade.
O primeiro passo da avaliação está no diálogo com os pacientes em que, além da escuta, é realizada a verificação de sinais vitais e testes funcionais de simples realização - como sentar, levantar da cadeira, ficar na ponta do pé e caminhar em velocidades diferentes. Antes e após a realização desses testes, os sinais vitais dos pacientes são aferidos e monitorados. O passo seguinte é a confecção de um relatório de participação individual com a avaliação e o desempenho de cada indivíduo. Em caso de alterações, os pacientes serão encaminhados ao Ambulatório de Fisioterapia de Silveira Martins, cidade natal de Charlise, para o tratamento de reabilitação, realizado de acordo com a demanda de cada paciente. O público-alvo do estudo são adultos de 20 a 85 anos que foram infectados pela Covid-19 e que não possuem nenhum déficit auditivo ou visual grave, condição neurológica ou musculoesquelética que limite gravemente a mobilidade e o controle postural, impossibilitando a realização das avaliações.
Atualmente, a pesquisa está na fase de recrutamento dos participantes e coleta dos dados. Foto: Divulgação
A pesquisa, além de contribuir para as investigações recentes sobre a Síndrome Pós-Covid, também auxilia na implementação de estratégias para avaliação desses pacientes e amplia a integração da UFSM com a comunidade. “Eu vejo como uma contribuição importante para a comunidade local porque, dessa forma, a Universidade consegue compartilhar conhecimento para além de Santa Maria e contribuir para o desenvolvimento regional do sistema de saúde”, comenta.
Charlise ainda relata que sua pesquisa auxilia na análise de manifestações da Covid Longa, contribui para futuros tratamentos e novos estudos na área. Isso porque, diante das sequelas após a infecção pelo vírus, é necessário o acompanhamento desses sintomas para a recuperação dos pacientes.
Conheça o Ambulatório Pós-Covid do HUSM
O Ambulatório Pós-Covid do HUSM iniciou suas atividades em janeiro de 2021 com o objetivo de proporcionar o acompanhamento das manifestações sistêmicas causadas pela Covid-19. O serviço é disponibilizado à população de Santa Maria e atualmente, conta com uma equipe multidisciplinar com profissionais das áreas de pneumologia, fonoaudiologia, serviço social, fisioterapia, psiquiatria e fisioterapia. Para a série Eixo Saúde-Comunidade, nossa equipe visitou o espaço do ambulatório para entender mais sobre o trabalho desenvolvido. Confira:
Reportagem: Thais Immig