Diálogos Contemporâneos em Geografia

Prezados leitores,


A coleção de textos que agora apresentamos, Diálogos Contemporâneos em Geografia, é o resultado de reflexões, teorizações e pesquisas

realizadas no âmbito do curso de Pós-Graduação do Departamento de Geografia, da Universidade de Brasília. Os conhecimentos geográficos ali

desenvolvidos enfrentaram os desafios e as dificuldades das ciências, e da ciência geográfica em particular, em termos de objetos, teorias, métodos

e técnicas para compreender e explicar espacialmente a esfera–mundo.

A função histórica da Geografia como ciência é analisar e responder a questões apresentadas pelas sociedades que, por sua vez, diferem no

tempo e no espaço, enfrentam problemas diferentes e levantam, para eles, diferentes teorias e discursos. Mas, a Geografia não é uma ciência que

somente analisa e teoriza fatos e acontecimentos, mas uma ciência que analisa criticamente a diferenciação espacial e levanta questionamentos.

Assim, os conhecimentos construídos num momento do tempo são retomados em outros, mas em diferentes níveis, produzindo novos sentidos,

aprofundando-se e expandindo-se, criando temas e explicações que respondem às dinâmicas e expectativas do momento presente. Dessa maneira,

a Geografia se torna também um saber prático, que explica fenômenos e acontecimentos da realidade, torna-os compreensíveis e aplicáveis e abre

novos caminhos para a sociedade.

O desenvolvimento do capitalismo e sua constante renovação tecnológica, aliados ambos a sua necessidade de conhecimentos cada vez

mais aprofundados cientificamente para expandir o processo de produção, contribuíram para a fragmentação e especialização do conhecimento. O

século XIX concluiu o processo de divisão do trabalho intelectual e a Geografia formou um domínio de saber voltado para o estudo, a explicação e

o questionamento da esfera-mundo em dois grandes campos: as relações sociais e das relações natureza–sociedade sob o prisma da diferenciação

espacial. Entretanto, os dois campos estão inter-relacionados, pois não se pode compreender as relações sociedade/natureza sem compreender as

relações dos homens entre si mediadas pelas relações econômicas e históricas, sempre conflituosas, sempre provocadoras e a espera de reflexões e

desvendamentos.

É sob este prisma que os esforços dos autores dessa coletânea desenvolvem suas teorizações que os levaram às visões de mundo para

desvendar a realidade concreta e os temas de importância para compreender a complexidade do Brasil contemporâneo de acordo com duas linhas

de pesquisa da Pós-Graduação em Geografia: Geoprocessamento e Produção do Espaço Urbano, Rural e Regional .

Mas que ciência é essa, a Geografia, tão antiga e ao mesmo tempo tão atual? É o que vão mostrar, apresentar e discutir Kunz e Castioni no artigo que

abre a coletânea, “Espaço: categoria-chave para a compreensão da realidade concreta”. Os autores analisam as características do espaço geográfico a

partir de três questões básicas: “onde” se localizam os objetos das relações sociais, “como” se espacializam os objetos geográficos e “porque” o fazem

de acordo com condições sociais e históricas. A realidade, porém, é dinâmica. Os temas abordados pelas pesquisas geográficas são os mais diversos,

assim como as teorias que os interpretam. Resulta daí uma pluralidade paradigmática e uma multiplicidade de objetos que buscam explicar a

diferenciação espacial sem, entretanto, perder de vista as relações sociais e as relações natureza–sociedade, seus conflitos, seus condicionamentos

econômicos, seus atores e agentes.

A linguagem cartográfica permite sintetizar o “onde” e teorizar sobre o “como” e o “por que” das relações sociedade-natureza. Rezende

Filho, Peres, Giongo e Ferreira no artigo “Contribuição da agropecuária para o passivo ambiental segundo o novo Código Florestal” utilizam

o Sistema de Informação Geográfica (SIG) para visualizar dados espaciais da ocupação agropecuária recente da Amazônia Legal. Analisam os

danos ocasionados pelas principais culturas (soja, milho, cana de açúcar) e pela criação de gado bovino sobre o maior bioma brasileiro. Os dados

coletados são dispostos em mapas que permitem visualizar a progressiva ocupação territorial, os passivos ambientais gerados e o desrespeito ao

Código Florestal.

A linguagem cartográfica também permite a Silva, em “Paraíba Potiguara: território, questões ambientais e etnomapeamento” levantar os

problemas ambientais dos indígenas Potiguara na Paraíba setentrional, cuja íntima relação com a natureza se encontra ameaçada pelas usinas de

cana-de-açúcar e pela grilagem de terras. Os recursos ambientais necessários para a preservação do território e da cultura indígena foram mapeados

por técnicos da FUNAI e pela comunidade potiguara. O resultado do trabalho conjunto foram etnomapas que apresentam a destruição dos biomas

nativos e os conflitos ambientais, ao mesmo tempo em que fornecem subsídios para políticas públicas de preservação dos recursos naturais.

Gomes e Araújo Sobrinho em “A dinâmica do turismo no território da Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais (Alagoas – Pernambuco):

perspectivas para o desenvolvimento local” discutem como a chegada do turismo implica em novas relações produtivas, impacta a proteção

ambiental e reestrutura a economia regional. As políticas públicas pouco contribuem para o desenvolvimento, pois as atividades se voltam para o

atendimento da população flutuante dos territórios de turismo. Problemas sociais e ambientais se acentuam, as comunidades locais pouco usufruem

das melhorias implantadas e se articulam mal às novas dinâmicas, quando articular-se seria desejável para um verdadeiro desenvolvimento humano

e econômico.

Novos prismas das relações natureza-sociedade são trazidos pelo artigo de Lima, “Territórios no espaço do Cerrado: uma abordagem

cultural”, que analisa a estreita associação entre natureza (meio ambiente natural), cultura e pertencimento ao lugar dos grupos tradicionais que

habitam o Centro-Oeste, formando a “identidade cerradeira”. Novas condições econômicas, sociais e políticas trazidas pela globalização, com a

agricultura tecnificada, a chegada de sulistas com outra visão de mundo e a urbanização crescente, dificultam a manutenção das tradições locais

e impactam negativamente as condições ambientais do Cerrado. A modernização ocasiona reconfigurações e ressignificações do território, com

assimilação e resistência aos novos processos.

E ao final dos artigos que focam mais intensamente as relações com a natureza, Feitosa e Peluso investigam os efeitos da modernidade

sobre comunidades tradicionais quilombolas em “Etnogeografia quilombola: A Comunidade Tradicional do Moinho em Alto Paraíso de Goiás”.

Agricultura tecnificada, turismo, novos moradores e especulação imobiliária reduzem áreas de coleta de plantas do Cerrado utilizadas na medicina

tradicional, na culinária e no artesanato. As alterações afetam vida e tradições dos moradores, que se adequam ao novo e utilizam os conhecimentos 11

tradicionais como estratégias de sobrevivência. Bancos de sementes crioulas e oficinas que perpetuam a manipulação ancestral das ervas são

algumas das estratégias dos moradores.

Os próximos artigos desta coletânea investigam basicamente as relações espacializadas entre atores e agentes sociais, econômicos e políticos,

seus movimentos, ações, conflitos e contradições.

A Capital Federal é o centro das atenções de Souza, que analisa o espaço mais amplo organizado pelo Distrito Federal em “O metropolitano

e o regional em Brasília: A Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (RIDE-DF) e a Área Metropolitana de Brasília

(AMB)”. A gestão das escalas regional e urbana é investigada. Mostram-se as ações contraditórias dos agentes públicos e dos atores privados nos

municípios da RIDE/DF e a formação de novas polaridades, o que fragmenta o espaço regional e dificulta ações integradas de desenvolvimento

econômico. Na escala metropolitana, a formação de uma periferia deprimida limítrofe a Brasília requer instrumentos de gestão que permitam o

desenvolvimento social.

A formação do espaço urbano desigual é abordada por da Silva em Várzea Grande/MT no artigo “A produção do espaço urbano:

Contradição e legitimação das desigualdades sociais pela participação social institucionalizada”. Investigam-se conflitos e contradições dos agentes

públicos e privados nas participações institucionalizadas dos Conselhos da Cidade e nas Audiências Públicas. Representantes governamentais e

empreendedores imobiliários defendem a ampliação do perímetro urbano e a mudança de uso do solo como forma de auferir maiores lucros. A

força desigual dos atores nas discussões ocasiona a transformação da terra rural em urbana com a implantação de infraestruturas e serviços que

afastam os menos privilegiados.

Completando os argumentos sobre a formação do espaço injusto elaborada por da Silva, Carvalho Júnior analisa as consequências da

desigualdade no Distrito Federal em “A relação centro-periferia na Área Metropolitana de Brasília: Análise do movimento populacional pendular”.

Carvalho Júnior teoriza no sentido de que espaço e sociedade são homólogos, isto é, atores sociais e atores espaciais estão inter-relacionados dialética

e complexamente como ocorre na formação da empobrecida Área Metropolitana de Brasília. As consequências para os moradores periféricos são

extenuantes viagens de ida e volta ao trabalho, concentrados na Capital Federal, num transporte coletivo precário com falta de integração de tarifas

e percursos entre o DF e Goiás.

E finalmente, encerrando a coletânea, Lessa e Araújo Sobrinho voltam-se para as migrações em direção à cidade e seu impacto na organização

intraurbana do Distrito Federal em “As migrações internas, o processo de urbanização no Distrito Federal e a formação de periferias: Um olhar

sobre a Cidade Estrutural”. Uma discussão teórica polemiza a questão da migração, a maneira como ocorre historicamente e as alterações que

provocou no espaço urbano planejado da Capital Federal. O resultado são formações habitacionais precárias como a Cidade Estrutural, constituída

junto ao grande aterro sanitário do Lixão e fonte de renda de centenas de catadores. A desativação do Lixão e a realocação dos catadores para os

galpões de reciclagem tiveram como consequência o empobrecimento da Cidade Estrutural e a redução de renda dos catadores.

Ao final da Apresentação dos dez artigos que compõem a presente coletânea deseja-se que a Geografia contribua para melhor compreensão

dos problemas contemporâneos, forneça uma leitura agradável e inspire outros artigos com outras problemáticas.


Marília Luiza Peluso

Brasília, 2018