8 de setembro de 2022
Marconi Gadelha
Nasci num dia 02 de janeiro, portanto sou de capricórnio. E, conforme a tradição chinesa, nasci num ano sob os auspícios do rato. Logo, por uma tradição ou por outra, eu e 1/12 da humanidade devemos ser mais ou menos parecidos em personalidade e ter mais ou menos o mesmo tipo de dia todo santo dia. A composição de horóscopos e mapas astrológicos é o produto final daquele que é um dos mais resistentes e longevos dragões em garagem: a astrologia.
Ficou notório nos anos 1980 o fato de o presidente Ronald Reagan ter praticamente todos os seus movimentos planejados com base nos conselhos de uma astróloga a fim de minimizar riscos e utilizar datas auspiciosas. Se o homem mais poderoso da Terra entregava seu destino aos astros, não é de admirar que muita gente plebeia não saia de casa pela manhã sem dar uma olhadinha no que o horóscopo lhe reserva para o dia, apesar de apenas 5% das pessoas o levarem a sério, segundo uma pesquisa britânica.
A base da astrologia é bem simples: a posição do Sol, da Lua, dos planetas e das estrelas no instante do nascimento define o caráter e o destino de uma pessoa. O astrólogo faz previsões baseadas nas posições dos astros dentro do zodíaco, uma faixa do céu dividida em 12 setores, cada uma representando a passagem do Sol em relação a certa constelação (Áries, Touro, etc.). No início astrologia e astronomia se confundiam. Pela observação dos céus foi praticamente automático aos antigos associarem o movimento dos corpos celestes a acontecimentos do cotidiano como guerras, colheitas e nascimentos de reis. Afinal, o que mais poderia explicar o fato de, do nada, o clima mudar e acabar com uma colheita que prometia ser abundante? Os deuses que habitavam as estrelas, claro. E, como essas moradas dos deuses se moviam no céu de maneira regular e constante, era óbvio que a previsão do caminho dos deuses, assim como a sua vontade, era possível. Os primeiros astrônomos foram, conforme a História oficial, sacerdotes caldeus na Babilônia, por volta do século XVIII a.C. Egípcios e gregos estabeleceram os doze signos que conhecemos. Vale mencionar a astrologia chinesa, que difere da ocidental ao fazer prognósticos de acordo com os 12 anos do ciclo de Júpiter e na vinculação de cada signo de seu zodíaco com um animal, que dá nome a cada um daqueles 12 anos, tendo assim, o ano do macaco, o ano do tigre, etc.
Por muito tempo astrologia, religião, astronomia e ciência andaram de mãos dadas. O médico grego Hipócrates, por exemplo, dizia ser tolo o médico sem conhecimentos em astrologia. O astrônomo Tycho Brahe mantinha diários astrológicos ao lado de seus cálculos sobre as fases Lua. Johannes Kepler, que mediu as órbitas dos planetas, garantia reforço na renda vendendo previsões astrológicas. O dragão ficava cada vez mais gordo e à vontade na garagem.
Dadas as linhas bem gerais da astrologia, vamos a algumas dúvidas bem objetivas que um olhar cético pode ter a partir das próprias premissas desse sistema de crenças.
Qual a probabilidade de 1/12 da humanidade ter exatamente o mesmo tipo de dia? Pelo menos é isso que horóscopos nos jornais asseguram, garantindo seu prognóstico com a leitura de um dos 12 parágrafos diários. O mesmo pode ser obtido a partir de aplicativos ou páginas de internet. Isso significa que, numa conta básica, 640 milhões de pessoas (7,7 bilhões de habitantes do mundo dividido por 12, o número dos signos astrológicos) terão exatamente o mesmo tipo de dia, todo santo dia. Talvez por ter de atender tanta expectativa, as previsões astrológicas usam palavras vagas e genéricas.
Por que o momento do nascimento e não o da concepção é crucial? Hoje as ciências biológicas consideram que a vida inicia antes do nascimento e alguns aspectos da personalidade já se moldam no útero. Assim, não seria lógico que o importante fosse o início da vida?
Se o útero protege a criança das influências astrológicas até a hora do nascimento, outra coisa pode fazer o mesmo trabalho de proteção? Se as incríveis forças vindas do espaço, capazes de determinar a vida de uma pessoa, podem ser bloqueadas por uma fina camada de carne, será que os pais podem, tão logo ocorra o nascimento, envolver o bebê por um pedaço de filé, a fim de esperar um momento astrológico mais auspicioso para o bebê?
Se tudo é tão determinado e previsível, por que os astrólogos não são todos ricos? Muitos astrólogos alegam que somente podem prever tendências amplas e grandes eventos, e não pequenos acontecimentos ou eventos específicos (como os números do próximo sorteio da mega-sena, por exemplo). Certo, mas, por exemplo, o comportamento do mercado de ações ou de ouro não são, necessariamente, “pequenos eventos”. Estes não poderiam ser previstos e deles os astrólogos se aproveitarem?
Os horóscopos feitos antes de 1846 ou 1930 estão errados? Nesses anos foram descobertos, respectivamente, Netuno e Plutão. Todas as previsões astrológicas feitas antes desses anos estariam erradas, uma vez que não consideraram esses dois planetas? Uma eventual imprecisão nas previsões antigas não deveria indicar que existiriam mais planetas por aí influenciando a vida do povo? Plutão deixou de ser planeta em 2006. Isso teve alguma influência na astrologia? Por que outros corpos celestes não têm influência? Asteroides, luas do tamanho de planetas, quasares, pulsares, buracos negros e galáxias não têm poder algum?
Por que os astrólogos divergem tanto entre si? Eles parecem discordar sobre pontos básicos da profissão, como quantos planetas levar em conta, a importância ou não do movimento do eixo da Terra e quais traços de personalidade são atribuídos pelos corpos cósmicos. Consulte 10 sites diferentes de astrologia e você terá 10 previsões diferentes ou 10 interpretações diferentes sobre sua personalidade. Um ramo verdadeiramente científico vai, com o passar do tempo, adquirindo consistência e unanimidade entre os pesquisadores, sendo aparadas arestas e sanadas dúvidas. Diferentemente, com a astrologia e demais sistemas baseados em crença ou superstição, vão acontecendo divisões, vão sendo criados nichos díspares e antagônicos.
Astrologia não dever ser considerada intolerante? Os astrólogos dizem que podem determinar o caráter e as “tendências” de uma pessoa pelo local e hora do nascimento. Ora, isso não pode gerar um exclusivismo e uma eugenia como, por exemplo, não empregar alguém de Virgem ou não namorar alguém com ascendência em Leão?
Por que só corpos celestes têm domínio sobre o homem? As escolas de astrologia discutem sobre qual força, afinal de contas, tem influência: a gravidade, o magnetismo, marés, etc. Ora, se são forças físicas, é fácil para qualquer estudante de física calcular o real efeito delas no recém-nascido. Por exemplo, o obstetra exerce sobre o bebê muito mais gravidade do que Marte. A simples proximidade do médico, então, não deveria influenciar o futuro do neném?
A astrologia não depende da distância do corpo celeste? Todas as forças cósmicas conhecidas vão ficando mais fracas com a distância. Mas, com a astrologia, essa limitação não ocorre. Vênus tem a mesma força que Urano. Uma força que independa da distância seria uma revolução na Física.
Por fim, um último detalhe: a astrologia basicamente não funciona. Simples assim. A estatística mostra, por exemplo, que casais com signos “compatíveis” casam e se divorciam na mesma frequência que casais de signos “incompatíveis”. Também já se tabularam milhares de cientistas e políticos para ver se os signos dessas profissões se resumiriam em uns poucos. Nada disso; a distribuição se mostrou totalmente aleatória e equânime. Das previsões astrológicas sobre celebridades e políticos, somente 10% se realizam. Ou seja, um sistema que se baseia na chance de uma em 10 não pode ser considerado lá muito confiável. Ao se distribuir o mapa astral de um assassino a 150 pessoas, 94% delas se reconheceram ali. Além desses, há muitos outros exemplos de pesquisas e estudos sobre o grau de confiabilidade e certeza da astrologia que atestam, no mínimo, a fragilidade na frequência de seus “acertos”.
Ora, então, por que será que, mesmo com tantas imprecisões e contradições, a astrologia fascina e faz parte do cotidiano de tanta gente? Esta pergunta poderia se aplicar a qualquer sistema de crenças e superstições. Contudo a astrologia se arvora no caráter “científico” que alguns de seus defensores atribuem a suas premissas. E, neste ponto, ela se destaca da maioria dos demais sistemas e, portanto, merece nosso olhar mais crítico. O desejo bem humano de explicações simples para o motivo de as coisas serem como são e de fazermos as coisas que fazemos alimenta um dragão virtualmente insaciável e que tem, ainda, muitos anos de vida pela frente.
Indicações para aprofundamento:
Revista Superinteressante, ano 4, número 6. “Defesas contra a astrologia”, artigo de Andrey Fraknoi, administrador executivo da Sociedade Astronômica do Pacífico, nos Estados Unidos.
Como Tudo Começou – A história por trás do mundo atual. Rio de Janeiro: Reader´s Digest, 2011.