Na realidade atual, nosso ambiente visual é dominado por produtos de métodos industriais de fabricação, que constituem a paisagem cultural visível da nossa vida cotidiana, fazendo parte da nossa percepção de mundo. Contudo, a industrialização é um processo antigo, que remonta o período da Idade Média, quando novas técnicas assinalaram o avanço dos meios de produção e de produtividade, e teve o seu apogeu no século XVIII, com a Revolução Industrial, que teve início na Inglaterra e se espalhou pelo mundo todo, trazendo grandes mudanças para as mais variadas vertentes do Design, dentre elas, o design de mobiliário.
A definição de design “compreende a concretização de uma ideia em forma de projetos ou modelos, mediante a construção e configuração resultando em um produto industrial passível de produção em série” (LÖBACH, 2001), enquanto o termo “design de mobiliário” se refere a uma categoria do design de produto que diz respeito à concepção de móveis. Antes da Revolução Industrial, não existia divisão do trabalho ou especialização e o dono da oficina e das ferramentas era o próprio artesão. Somente com o surgimento dos processos industrias e da divisão do trabalho, o design passou a ser separado da fabricação.
Em verdade, a Revolução Industrial transformou o artesanato tradicional com o advento da especialização do trabalho e o surgimento de novas indústrias que utilizavam processos mecanizados e inovadores na produção, tendo gerado impacto considerável na evolução da mais diversa gama de produtos, assim como nos artigos de uso doméstico.
Nesse contexto, é importante frisar que “o processo de industrialização nem sempre envolve mudanças fundamentais na tecnologia de produção. Se em algumas indústrias, como as têxteis, a mecanização deu resultado, provocando mudanças realmente drásticas, em outras, unidades maiores foram formadas mas as técnicas de produção continuaram baseadas no trabalho manual. A indústria de móveis, por exemplo, gerou numerosas firmas grandes, mas não introduziu a mecanização em larga escala até o século XX” (HESKETT, 1998, pg. 18).
Com o advento da industrialização, os móveis que eram tradicionalmente feitos por marceneiros passaram a ter fabricantes especializados e departamentos de design separados, mas até meados do século XX a produção ainda era artesanal, sendo utilizadas ferramentas semi industriais. Haviam poucos designers de móveis, estes eram designers em sentido amplo, arquitetos ou até engenheiros.
O desenho tradicional da “cadeira Windsor” é um exemplo relevante de um móvel adaptado para a produção em massa sem a implantação de uma tecnologia nova, tendo em vista que a cadeira “era produzida em partes separadas, a maioria facilmente feita num simples torno de madeira, e a simplicidade elementar da forma tornou-a admiravelmente adaptável aos materiais e tecnologias disponíveis” (HESKETT, 1998, pg. 43), conforme pode ser observado na imagem a seguir, que faz parte do acervo do “Museu da Casa Brasileira”:
Cadeira Windsor (Século XIX) - Fonte: https://mcb.org.br/pt/acervo/cadeira-windsor-acervo-mcb
Essa cadeira é tão antiga que não se sabe exatamente a data que foi inventada, mas seu primeiro registro provém da cidade de Buckinghamshire, na Inglaterra. Considerada um modelo clássico e informal, além de confortável e atemporal, é uma peça de alta durabilidade e incrivelmente leve. Mais do que uma cadeira, tornou-se na verdade um estilo de assentos.
Noutro pórtico, a mobília de madeira curvada produzida pelas fábricas de Michael Thonet, um dos exemplos mais célebres de design do século XIX, foi resultado da introdução de uma inovação tecnológica. “A técnica de Thonet era de fato revolucionária: varas de madeira, em geral faia, produzidas por máquina, eram curvadas sob pressão de vapor e aparafusadas, eliminando completamente a necessidade de juntas ou encaixes. A simplicidade do processo e das formas produzidas permitiu a fabricação de cadeiras em grandes quantidades, a preços baixos e Thonet logo alcançou mercado em nível mundial” (HESKETT, 1998, pg. 43).
Michael Thonet foi um carpinteiro alemão que revolucionou o design e a indústria de móveis através da invenção da técnica de envergar madeira, sendo responsável também pela criação dessa icônica cadeira exposta no “Museum of Modern Art”, que se tornou a cadeira mais fabricada e vendida do mundo, cuja imagem segue adiante:
A elegância e a qualidade dos seus designs são inegáveis, de modo que os seus modelos foram bastante copiados e muitos continuam a ser produzidos pelos mesmos métodos ainda na atualidade. Todavia, vale salientar que a sua produção não era expressão absoluta da tecnologia moderna, considerando que “em 1900, sua empresa empregava quatro mil trabalhadores que produziam seis mil artigos por dia” (HESKETT, 1998, pg. 44), proporção esta que demonstra a grande dependência do trabalho manual que ainda se fazia necessário.
Além disso, na década de 1850 John Henry Belter “patenteou métodos para transformar papel machê e madeira laminada em formas complexas utilizando prensas a vapor. Essas peças eram então esculpidas a mão em intrincados padrões florais variáveis no estilo neorrococó então em voga. O design perfurado resultante só foi possível pela força estrutural dos materiais e da forma industrialmente produzidos, mas de modo algum era uma expressão direta deles” (HESKETT, 1998, pg. 44).
Durante o século XIX, John Belter foi considerado um dos mais respeitáveis designers de mobiliário do estilo neorrococó para o luxuoso mercado norte-americano, tendo adquirido reputação internacional com seus móveis de salão altamente esculpidos, com destaque para os sofás de formas exuberantes, como o sofá retratado na foto a seguir, que encontra-se exposto no “The Metropolitan Museum of Art”:
Cadeira Michael Thonet (No. 141881) – Fonte: https://www.moma.org/collection/works/110615
Sofá (1850–60) – Fonte: https://www.metmuseum.org/pt/art/collection/search/7586
Ante o exposto, nota-se a relevância histórica dos avanços tecnológicos e dos novos métodos de produção para o desenvolvimento do design de mobiliário tal qual conhecemos hoje, que permite a produção em série com qualidade e precisão antes inimagináveis. Graças às grandes personalidades e designers do passado atualmente podemos ter acesso a móveis com designs cada vez mais ricos e inovadores.
Referências
Bases para a Configuração dos Produtos Industriais. Bernd Löbach. 2001 — 1ª edição.
Cadeira Windsor. Disponível em: https://www.westwing.com.br/guiar/cadeira-windsor/. Acesso em 28 abri. 2021.
HESKETT, John. Desenho Industrial. Brasília: José Olympio, 1998.
Michael Thonet. Disponível em: https://www.westwing.com.br/guiar/michael-thonet/. Acesso em 28 abri. 2021.
Revolução industrial no Enem: veja do artesanato à maquinofatura. Disponível em: https://blogdoenem.com.br/revolucao-industrial-historia-enem/. Acesso em 28 abri. 2021.
Sofá 1850-1860. Disponível em: https://www.metmuseum.org/pt/art/collection/search/7586. Acesso em 28 abri. 2021.
Ficha técnica
Texto desenvolvido por Danielle Rosado Targino de Oliveira para a disciplina Introdução ao Estudo do Design - Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Departamento de Design - Abril de 2021. O texto colabora com o projeto de extensão “Blog Estudos sobre Design”, coordenado pelo Prof. Rodrigo Boufleur (http://estudossobredesign.blogspot.com).