Rosa Maria Machado
rosa.unicamp@gmail.com
Eduardo Sebastiani Ferreira
esebastiani@uol.com.br
Otilia T. Wiermann Paques
otilia@ime.unicamp.br
Com a colaboração dos bolsistas
José Felipe Blasco
josefelipeblasco@gmail.com e
Luana P.R.de Aguiar
luana.aguiarpr@gmail.com
INTRODUÇÃO
O matemático grego Nicomedes (280 a.C-210 a.C.), ao investigar sobre dois problemas clássicos (a trissecção do ângulo e a duplicação de um cubo), descobriu uma curva plana do quarto ordem que se assemelha a uma concha a qual ele denominou de conchóide ou concoϊde.
A conchóide de Nicomedes
Diversos matemáticos estudaram a conchóide de Nicomedes, entretanto destacamos o relato de Pappus de Alexandria (290-350), em sua obra La collection de mathématique, tome I (p.186), descreve sobre a Conchóide de Nicomedes afirmando que Nicomedes recorreu ao uso de um instrumento para traçar a conchóide.
Vejamos como Pappus descreve a construção dessa curva
Dados as retas AB e ΓΔ, perpendiculares. Tomando um ponto E sobre a reta ΓΔZ, e ficando esse ponto fixo, conduzido pela reta AΔB, a reta ΓΔEZ guiada por E de maneira que o ponto Δ se mova sempre na reta AB, sem abandonar a reta ΓΔEZ. Então, esse movimento efetuado de uma parte e de outra, é claro que o ponto Γ descreve uma linha ΛΓM, com as seguintes propriedades:
La collection de mathématique, tome I, p. 186.
quando uma reta cai do ponto E sobre essa linha, a parte que é cortada entre a reta AB e a linha ΛΓΜ, é igual a reta ΓΔ; pois a reta AB fica no lugar e o ponto E também, quando o ponto Δ chega ao ponto H, a reta ΓΔ se ajusta à reta Hθ e o ponto Γ (cairá) no ponto θ; então, a reta ΓΔ é igual a reta Hθ. Paralelamente, se uma outra reta cair do ponto E sobre a linha, a reta cortada pela linha e pela AB fica igual a reta ΓΔ. Que a reta AB, diz ele, (isto é, Nicomedes em sua obra perdida havia descrito o instrumento próprio para traçar a conchóide) seja chamada de régua (a régua fixa ou diretriz, que é assíntota à curva), o ponto chamado de polo (ponto fixo E) e a reta ΓΔ de intervalo (isto é, o comprimento de ΓΔ chamado de intervalo) (isto é, o comprimento da reta ΓΔ que é constante, na direção do polo, entre a curva e sua assíntota AB), pois as retas projetadas sobre a linha ΛΓΜ são iguais à essa última e que a linha ΛΓΜ mesma seja chamada primeira conchóide (pois ele ainda estabelece uma segunda, uma terceira e uma quarta, que serão úteis para outros teoremas), (a conchóide dita primeira é a curva superior que fica acima de sua diretriz AB em relação ao polo E e para a qual a distância constante ΓΔ=a é positiva na equação polar . A simples afirmação que faz Pappus à três outras conchoides permite supor que os antigos conheciam as três conchóides inferiores que reinam entre o polo e a diretriz, e que sendo a distância constante menor, igual ou maior que a distância do polo à diretriz, são respectivamente a primeira conchóide inferior, a conchóide no ponto ápice e a conchóide de nó). Pappus, p.186.
Curiosamente, Heath (p. 239) construiu um instrumento que provavelmente seria o que foi usado por Nicomedes:
Instrumento de Nicomedes, Heath, p.239.
Knorr é outro autor que trata exaustivamente sobre a Curva de Nicomedes, no livro The Ancient Tradiction of Geometric Problems (1991). No parágrafo dedicado a Nicomedes (p. 219), é ressaltado os três tipos de conchóides inferiores que foram estudados por ele, que apresentamos a seguir:
O traçado inferior da Conchóide de Nicomedes (Knorr, p.220).
Na literatura grega (Holme, p. 95), temos uma descrição do lugar geométrico da conchóide: dados uma reta ℓ e um ponto P à uma distância a de ℓ. Seja b>a. Trace uma circunferência de centro em P e raio b. Com o auxílio da régua e compasso, divida a circunferência em n-partes iguais, sendo n uma potência de 2, obtendo os pontos A1, ..., An sobre a circunferência. Trace as retas AiP, com 1≤ i ≤ n. A conchóide é o lugar geométrico dos pontos das intersecções das retas AiP e l.
A conchóide de Nicomedes como lugar geométrico
(Holme, p.96).
Construímos com o auxílio do aplicativo Geogebra a conchóide de Nicomedes descrita pelos gregos
A trissecção do ângulo usando a conchóide de Nicomedes, segundo Holme
Construção da conchóide segundo Holme, p.98.
De acordo com a figura acima, seja u o ângulo entre a diagonal e um lado do retângulo ABCD, ou seja, u o ângulo ACD. Seja o segmento DA na reta ℓ e o ponto C o polo da conchóide dada. O número b é tomado como o dobro do comprimento da diagonal AC. A conchóide intercepta BA em E. A reta CE intercepta AD em F e seja G o ponto médio de EF. Então, EG=GF=AG=AC. Chamando de v o ângulo CEA, temos que o ângulo AGF=2v=ângulo ACG. Logo v+2v = 3v = ângulo ACD= u.
Duplicação do cubo usando a conchóide de Nicomedes
Holme, p.99
Na figura acima, seja a=AB o lado de um cubo dado. Pelo ponto B trace uma reta perpendicular a AB. No ponto B trace uma reta que forma um ângulo de 120º com AB. A normal a AB por B será considerada a reta ℓ da definição da conchóide e o b da conchóide é igual a a. Encontramos o ponto D como mostra a figura, tal que o ângulo DBA=120º e CD=a.
Onde podemos inferir que,
Elevando ao quadrado ambos os lados da última equação temos,
Conchoides em geral
A conchóide de Nicomedes é um caso especial de uma classe mais geral de curvas. Lockwood (p.127), apresenta a definição geral da conchóide de uma curva dada: Dados uma curva S e um ponto fixo A . Se uma reta traçada por A encontra S em Q e P e P’ são pontos dessa reta tais que P’Q=QP=k (constante) então o lugar geométrico de P e P’ é denominado de uma conchóide de S em relação a A
Exemplos
1. A conchóide de Nicomede é uma conchóide de uma reta l em relação a um ponto A fora dela denominada de pólo. Seja a distância de A à reta e k uma constante dada . Três casos podem acontecer: a = k, a > k ou a < k.
Caso 1
a = k com a = 2 e k = 2
Caso 2
a > k com a = 2 e k = 1
Caso 3
a < k com a = 2 e k = 3
2. A conchóide de um círculo de raio a com relação a um ponto B que dista b do centro, nos casos
I) com k entre a - b
II) com k = a
Caso 1
Conchóide de um círculo com a = 3, k = 6 e com ponto B = (3,0) sobre a circunferência
Caso 2
Conchóide de um círculo com a = 3, k = 3, b = 3 e com o ponto B = (3,0) sobre a circunferência gerando um limaçon
Caso 3
Conchóide de um círculo com centro em A = (0,0), a = 3, k = 2 e com ponto B = (3,0) sobre a circunferência
Caso 4
Conchóide de um círculo com a = 3, b = 2 e com ponto B = (2,0) no interior do círculo
Caso 5
Conchóide de um círculo com a = 3, b = 4, k = 2 e com ponto B = (4,0) exterior ao círculo
3. A conchóide de uma leminiscata em relação ao seu centro, e a distância k igual a distância do centro até o seu ponto mais longe
Exemplo
Conchoide da leminiscata com relação ao seu centro e k = 2
4. Conchoides de secções cônicas com o ponto fixo num dos seus focos
I) De uma elipse
Caso 1
Com k = 1.7
Caso 2
Com k = 1.3
II) De uma parábola
Caso 1
Parábola com foco na origem, diretriz sendo y = - 4, k = 1 e o ponto fixo no foco F
Caso 2
Parábola com foco na origem, diretriz sendo y = - 4, k = 2 e o ponto fixo no foco F
Caso 3
Parábola com foco na origem, diretriz sendo y = - 4, k = 3 e o ponto fixo no foco F
Caso 4
Parábola com foco na origem, diretriz sendo y = - 4, k = 3 e o ponto fixo em P = (0,-3)
III) Hipérbole
Caso 1
Conchóide de uma Hipérbole com centro na origem, k = 1 e o ponto fixo (0,0)
Caso 2
Conchóide de uma Hipérbole com centro na origem, k = 3 e o ponto fixo em (0,0)
Observação: as conchóides das secções cônicas foram encontradas usando como referência a tese de I.Cogan (1933).
BIBLIOGRAFIA
DESCARTES, René. The geometry of René Descartes. Tradução: David Eugene Smith & Marcia Latham. New York: Open Court, 1925.
COGAN, Issac. Construction and Analysis of Conchoids of Conics. Disponível em http://epublication,marqhette.edu/theses (1933). Acesso autorizado em março de 2017.
HEATH, Thomas Little. A history of Greek mathematics- Vol. I. Oxford: The Clarendon Press, 1921.
HOME, Audun. Geometry: Our Cultural Heritage. Berlin: Springer-Verlag, 2002.
LOCKWOOD, Edward. A Book of Curves. Cambridge: At the University Press, 1961.
PAPPUS D´ALEXANDRIE- La collection Mathématique. Tome I -Tradução: Paul Ver Eecke. Paris: Albert Blanchard, 1982.
RABUEL, Claude. Commentaires sur La Geométrie de M. Descartes. Lyon: Marcellin Duplain, 1730.
VER EECKE, Paul. Pappus d’Alexandrie: La Collection Mathématique avec une Introduction et des Notes. Volumes 1 e 2, Paris: Albert Blanchard, 1933.