Muito cuidado com os eleitores do Bolsonaro

(escrito originalmente em outubro de 2018)

Volta e meia escuto alguém dizer que tem amigos e amigas que são eleitores do Bolsonaro. Porém ressalvam que, apesar disso, elas seriam “pessoas do bem”. Sinceramente, não consigo crer que isso é possível.

Bolsonaro se promoveu com um discurso carregado de ódio e preconceito, sempre de forma muito clara, agressiva e incisiva. Impossível alguém se declarar eleitor dele ignorando esse fato, sem que tenha desenvolvido algum tipo de identificação com esse discurso lamentável. Logo, não se trata apenas de alguém que “pensa diferente”, de um “mal informado” ou de um “ingênuo iludido”. Não se enganem quanto a isso: os eleitores do Bolsonaro são pessoas potencialmente perigosas, ainda que algumas sejam aparentemente inofensivas.

Não me refiro aqui aos psicopatas e sociopatas, facilmente identificáveis pelo discurso raivoso e atitudes agressivas. Falo de pessoas comuns que vivem ao nosso redor, na família, no trabalho, na vizinhança.

Podem me contestar: “- Ah, pára de ser preconceituoso! Conheço vários eleitores do Bolsonaro que são cidadãos super dedicados aos filhos, afetuosos com familiares e amigos, trabalhadores, prestativos, pessoas ótimas!”.

Ora, não nego que essas pessoas possam ter qualidades humanas. E ainda acrescento outras “virtudes”: entre eles há os que vão regularmente a missa ou ao culto, que são espiritualizados, caridosos e capazes de ações solidárias. Outros são extremamente cuidadosos com seus bichinhos de estimação. Muitos ainda são companhias divertidas numa mesa de bar, bons parceiros de churrasco e futebol. Mas hoje sabemos que muitos dos milhões de apoiadores do nazismo eram pais amorosos, sujeitos elegantes e gentis na vida social. E foram essas mesmas pessoas que delataram sem dó para os carrascos da Gestapo o vizinho judeu, o parente comunista, o colega de trabalho homossexual. O ser humano tem essa complexidade. E não importa o nível educacional da pessoa. Como foi escrito num bilhete deixado num campo de concentração, foram engenheiros bem formados que projetaram as câmaras de extermínio em massa e foram médicos e enfermeiros competentes que usaram crianças judias como cobaias para experiências cruéis.

Por isso não me deixo enganar. Anos atrás, era relativamente fácil encontrar o Brigadeiro Burnier, um vovozinho simpático passeando com seu netinho pelas ruas arborizadas do bucólico bairro do Grajaú, na zona norte do Rio de Janeiro. Difícil ver naquele idoso inofensivo um torturador sanguinário. Pode parecer inacreditável, mas, em 1968, esse Brigadeiro teria planejado explodir o gasômetro do Rio de Janeiro para provocar a morte de milhares de inocentes. Queria um pretexto pra dar um “golpe dentro do golpe” e eliminar sumariamente os adversários da ditadura militar. Um crime bárbaro que só foi evitado pela rebeldia e coragem do Capitão Sérgio Carvalho, que teve a vida destruída pelos militares depois dessa insubordinação (https://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Paulo_Burnier ).

Mas se acalmem: isso não quer dizer que todos os seguidores do Bolsonaro são genocidas em potencial. Também não é assim (embora alguns possivelmente o sejam). O que se quer alertar aqui é para o tipo de pessoa “do bem” que adere a essa candidatura deplorável.

De uma forma geral, são aqueles “cidadãos de bem” que, diante de um estupro, questionam primeiramente a roupa “provocante” da vítima; são os que, numa briga doméstica, serão capazes de agredir a mulher fisicamente (ou ser condescendente com esse ato quando feito por outros homens, pois “alguma coisa ela deve ter aprontado”). É também aquele que relativiza a execução a sangue frio um jovem negro e pobre da periferia pela PM, pelo simples fato de ser “suspeito” (“- Se tava na rua naquela hora boa coisa não era”, “- Se o policial titubear ele é que pode morrer”). Ou ainda aquele que não se sensibiliza com o assassinato brutal de um gay, unicamente por causa de sua orientação sexual. Para eles, machismo, homofobia e racismo não passam de “mi-mi-mi”, ainda que inúmeras mulheres, gays e negros sejam assassinados todos os dias por conta desses preconceitos, com uma frequência que não encontramos em nenhum outro país do mundo civilizado.

Essas mesmas pessoas não reconhecem a condição humana de segmentos discriminados e excluídos da sociedade, que eles consideram como “vagabundos”. São os que defendem as incursões violentas da Polícia Militar na favela, nos movimentos sociais dos sem-terra e dos sem teto, nas manifestações grevistas; são aqueles que não se abalam com o genocídio de populações indígenas ou quilombolas por grileiros de terras.

Enfim, conhecemos bem as razões e argumentos típicos dessa turma. O diálogo com eles beira o impossível, pois não estão dispostos sequer a ouvir argumentos que os contrariem, ao mesmo tempo em que são os maiores divulgadores de notícias falsas (“fake news”), por mais absurdas que sejam. Como recomendava Joseph Goebbels, o mestre da propaganda nazista, difundem continuamente mentiras até que todos pensem que são verdades.

Por isso não me deixo enganar. Tenho, no máximo, “conhecidos” eleitores do Bolsonaro; amigos, nenhum. Podem parecer inofensivos, mas carregam a monstruosidade humana dentro de si, que pode aflorar quando a gente menos espera. Se um ou outro pode não ser assim, será apenas aquela exceção que confirma a regra.

Nélson Rodrigues disse certa vez que todo tarado não passava de um sujeito normal pego em flagrante. Por detrás da aparência de cidadão honesto, trabalhador, de um médico ou de um religioso, pode estar um pervertido, um pedófilo, um estuprador. O mesmo raciocínio se aplica a esses “cidadãos do bem” eleitores do Bolsonaro. Por detrás de um moralista radical, de um “cidadão do bem indignado com a corrupção e com a criminalidade urbana”, pode estar um monstrinho camuflado. As chances são grandes, muito grandes.

Viveremos tempos difíceis no Brasil nesses próximos anos. O “Ovo da Serpente” fascista chocou e é preciso ter cuidado. Os répteis venenosos querem tomar o poder. Aconselha-se manter reservas e distância das pessoas que apoiam esse projeto de poder. Em breve elas poderão ser os nossos algozes.

Aproveitemos esse momento, em que elas perderam a vergonha de mostrar a cara, em que se sentem seguras em difundir suas infâmias porque descobriram que são muitos. Vamos identificá-las e mantê-las bem distantes das nossas vidas, tanto quanto possível.

Alguns contestarão dizendo que não podemos desistir dessas pessoas, que isso significará jogá-las nos braços dos fascistas. Mas quando ocorre uma ameaça de epidemia de uma doença infectocontagiosa para qual ainda não se descobriu a cura, a solução é colocar os contaminados em quarentena. Os que tiverem um bom sistema imunológico, se salvarão. O isolamento é uma opção difícil, muito difícil de se promover. Mas é necessária.

Para ser derrotado, o mal deve ser isolado. O alerta está dado.

Por fim, vale recordar os versos de um bamba portelense: “(...) não vou te ferir/Eu não vou te envenenar/O castigo que eu vou te dar é o desprezo/Eu te mato devagar(...)” (Você me abandonou – Alberto Lonato)


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