50 ANOS DO PROGRAMA DE COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA DA PUC-SP
50 ANOS DO PROGRAMA DE COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA DA PUC-SP
Neste ano de 2021, o COS-PUCSP comemora seu cinquentenário e recebe o Encontro da Compós pela segunda vez, colocando em evidência o momento crucial que a pós-graduação em comunicação atravessa no Brasil.
“Pulsar”, de Augusto de Campos, 1975. Para assistir ao vídeo com a música de Caetano Veloso para o poema, clique aqui.
Lucrécia. Haroldo. Décio. Leyla. Willi. Boris. Santaella. Arlindo. Jerusa. Leão. Cecília. Norval. Trivinho. Aidar. Ana Claudia. Amálio. Rogério. Mello. Leda. Valdenise. Ivo. Greiner. Katz. Jorge. Irene. Segolin. Olga. Cida. Com quantos nomes, tantos de dentro, tantos de fora, se escreve a história de um programa de pós-graduação em comunicação?
O ano era 1970. Emílio Garrastazu Médici ocupava a presidência. Pelé era ídolo no futebol. O Brasil era o país do futuro. Em São Paulo, a professora Lucrécia Ferrara reunia-se com Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Leyla Perrone-Moisés e Willi Bolle para construir um espaço de pesquisa científica em torno das linguagens.
A TV era em preto-e-branco. A PUC-SP ocupava o espaço do acolhimento. Universidades públicas eram varridas por uma devassa. Pensadores ganhavam abrigo entre as rampas do Campus Perdizes e os deslocamentos geravam territórios originais e capazes de redesenhar fronteiras.
A guerra era fria. Por trás dos muros, em meio às rampas e ao Tuca, as portas se abriam e a literatura, a arte e a comunicação fluíam livremente, enchendo de sentidos os corredores. O programa nascente chamava-se Teoria Literária e recebia nomes como o de Boris Schnaiderman, entre os professores convidados.
Resgatar a história singular do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PPGCOS-PUC-SP) é perceber a poética de histórias e personagens fundamentais para a vida brasileira que passaram por lá, em uma narrativa que se cruza com outras tantas. Sem dúvida, esses encontros foram essenciais para o florescimento de muitas experiências Brasil afora.
O credenciamento veio pelo Parecer CFE 383/73 e tornou o Programa um dos mais antigos na área de Comunicação no Brasil. Por conta da formação acadêmica dos primeiros professores, a pesquisa foi direcionada inicialmente à Teoria Literária.
O país passava por um momento de intensa atividade das grandes mídias, com a ascensão do papel desempenhado pela televisão brasileira e pelos jornais impressos, que circulavam em meio ao ambiente político repressivo, no auge da ditadura militar.
A professora Lucrécia Ferrara relembra que Haroldo de Campos e Décio Pignatari saíram de seus doutorados entusiasmados com a possibilidade de uma abordagem mais ampla e, por volta de 1977, as diretrizes do Programa começaram a ser realinhadas para o campo da Comunicação.
No entorno, os anos eram de instabilidade política e de resistência democrática na PUCSP. Em julho de 1977, foi realizada a 29ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), proibida nas instituições públicas. Meses depois, estudantes de todo o país também se reuniram no campus de Perdizes para o encontro de reorganização da União Nacional dos Estudantes (UNE). As tropas da Polícia Militar invadiram o espaço acadêmico de forma violenta e as imagens ecoam até hoje como parte do processo de transição para a redemocratização.
Audiência da 29ª Reunião Anual da SBPC julho de 1977, São Paulo - SP. Fonte: SBPC. In: http://portal.sbpcnet.org.br/en/linha-do-tempo/1940-2/1977_2/
Reunião dos estudantes em frente ao TUCA em 1977, um dos marcos da redemocratização. Fonte: Arquivo PUC.
Em meio a todos esses acontecimentos, o Programa realizou sua reforma curricular em 1978, ampliando o campo de atuação da Teoria Literária para a Comunicação e Semiótica, dentro de um espírito interdisciplinar que ligava literatura, artes, música e meios de comunicação, com a semiótica em seu eixo conceitual.
Nesse momento, o COS já contava com a presença dos professores José Segolin e Lucia Santaella. A partir dos anos 1980, o caráter interdisciplinar cresceu e o corpo docente foi se ampliando e se diversificando. A coordenação do programa permaneceu sob a liderança da professora Lucrécia Ferrara de 1970 a 1986. No período de 1978 a 1984, a vice-coordenação ficou com Décio Pignatari, substituído por Fernando Segolin, em 1987.
NOVOS CAMINHOS PARA A PESQUISA
Lucia Santaella assumiu a coordenação do programa em 1987 e marcou sua passagem até 1999 com a criação de um projeto baseado em intercâmbio, debate e construção de conhecimento em redes coletivas e colaborativas. O COS contava, na primeira fase, com cerca de 70 alunos de mestrado, menos de dez doutorandos e 11 bolsistas. Santaella deu início a uma política junto às agências de fomento para o aumento do número de bolsas e apostou em um novo tipo de condução da pesquisa, cuja proposta era ultrapassar o individualismo e o formalismo das velhas formas de produção acadêmica. “Buscava-se uma nova vida para a pós-graduação”, conta a professora.
Os anos seguintes são de intensa atividade. Em 1988, o Finep aprovou o projeto coletivo Imagens técnicas: do mundo mecânico-industrial ao mundo eletrônico pós-industrial. Implicações estéticas, culturais e epistemológicas, o que possibilitou a inauguração de um pequeno laboratório de computação gráfica, o primeiro entre as universidades brasileiras.
SURGE A COMPÓS
1991 foi o ano da www. Tim Berners-Lee revelava a primeira página organizada sob o sistema World Wide Web, a partir de um computador na Suíça, enquanto no Brasil pouco se sabia sobre “a tal internet”. Nascia, no dia 16 de junho, a Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, a Compós, na cidade de Belo Horizonte, com apoio da Capes e do CNPq. Um grupo de pesquisadores tomava a iniciativa de criar uma representação para a pesquisa na área, com membros da PUCSP, UFBA, UFRJ, UnB e Umesp. Um marco na construção de um pensamento científico capaz de dar conta dos fenômenos cada vez mais complexos da comunicação e seus impactos na realidade brasileira.
1998 e a “nova ordem” digital. Dois estudantes da Universidade de Stanford criavam um novo serviço de buscas para a internet, que ganhou nome sonoro e um logotipo colorido, alterando boa parte da percepção sobre o ambiente digital. O Encontro da Compós, já estabelecido, foi sediado pela primeira vez pelo COS da PUCSP. O programa já era conhecido como nucleador e incentivador de investigações sobre fenômenos e processos comunicacionais a partir de teorias semióticas, discursivas e da comunicação.
Os diálogos que o PPGCOS estabelecia com pesquisadores do mundo foram crescendo. Entre os anos de 1989 a 1999, o programa manteve 38 disciplinas ministradas por professores convidados estrangeiros, entre eles Thomas Sebeok (USA), Floyd Merrell (USA), Solomon Marcus (Romenia), Eric Landowski (França), Ivan Bystrina (Alemanha), Vincent Colapietro (USA), Winfried Nöth (Alemanha), Dinda Gorlée (Holanda), Matteo D’Ambrosio (Itália). Em 1996, sediou o Congresso Internacional de Semiótica, que contou com 700 participantes, sendo 170 da América Latina e outras dezenas de todas as partes do mundo. Ao final da primeira fase de consolidação, somava cerca de 500 alunos e possuía nota máxima na Capes.
De 1999 a 2001, foi implantada a árvore do conhecimento no COS, sob a direção de Rogério da Costa. Também foi realizada a reestruturação curricular. Em 2001, Christine Greiner recebeu doação da Fundação Japão para o Centro de Pesquisas Orientais. Em 2001, o programa lançou a Revista Galáxia (atualmente com a classificação Qualis A2 na CAPES), que iniciou sob a direção editorial de Irene Machado, e depois sob a responsabilidade de José Luiz Aidar Prado. Professores e alunos avançavam em suas pesquisas de forma inovadora.
DESENVOLVIMENTO DA INTERNACIONALIZAÇÃO
Ao longo da década seguinte, inúmeros seminários e convênios foram firmados, reforçando a internacionalização da pesquisa. Nesse período, o programa manteve relações com a Columbia University e Massachussets Institute of Technolog (MIT), EUA; Freie Universität Berlin e Techniche Universität Berlin (TUB) - Arbeitsstelle für Semiotik (Research Center for Semiotics), Alemanha; University of Vienna, Áustria; Universitat Autònoma de Barcelona, Espanha; Universidad de Sevilha, Espanha; Universidad Autónoma de México; Universidade Aberta de Portugal; Université de Limoges, França; Sophia University, Japão; e Tokyo University, Japão.
O PPGCOS recebeu, ainda, professores convidados como Vicente Romano, da Universidade de Sevilha, de 1996 a 2001; Harry Pross, da Universidade Livre de Berlim, de 1990 a 1997; Dietmar Kamper, da Universidade Livre de Berlim, de 1992 a 2001; Thomas Bauer, da Universidade de Viena, de 1996 a 2015; Ivan Bystrina de 1990 a 1995; Christoph Wulf, da Universidade Livre de Berlim, de 2001 até hoje; Ryuta Imafuku, da Universidade de Sapporo, em 2000 e 2001; depois novamente em 2008 e 2019, já na Universidade de Tóquio. São nomes que participaram fundamentalmente do processo de internacionalização do programa, gerando intercâmbios diversos e construindo pontes de colaboração mútua.
Em junho de 2012, é inaugurado o Arquivo Vilém Flusser São Paulo, sob a responsabilidade do professor Norval Baitello Junior, com participação de Siegfried Zielinski, em Berlim, e de Martin Rennert, reitor da Universidade das Artes, onde o Arquivo também se situa. O espaço de memória e pesquisa está abrigado no Campus Ipiranga da PUCSP e conta com apoio da Fapesp e do Instituto Goethe. O Arquivo possui 2500 textos que contabilizam cerca de 30 mil páginas, divididas em 358 pastas, em sua maioria escritos em português e alemão, além de 136 arquivos de áudio e 71 de vídeo.
Dois anos depois, em 2014, o programa reformulou sua estrutura de Linhas de Pesquisa. A área de concentração passou a ser Signo e Significação nos Processos Comunicacionais, abrigando pesquisas sobre processos e dispositivos comunicacionais, entendidos em seus regimes de sentido, processos de criação na cultura e dimensões políticas e biopolíticas, a partir das relações epistêmicas entre comunicação e semiótica. As linhas de pesquisa atuais estão divididas em Regimes de Sentido nos Processos Comunicacionais, sob coordenação de Ana Claudia Mei Alves de Oliveira; Processos de Criação na Comunicação e na Cultura, sob coordenação de Cecília Almeida Salles; Dimensões Políticas na Comunicação, sob coordenação de José Luiz Aidar Prado.
INTERDISCIPLINARIDADE DA COMUNICAÇÃO
As passagens dos coordenadores e vice-coordenadores pelo programa, ao longo dos anos, evidenciam a ampliação do debate em torno da interdisciplinaridade da comunicação. A trajetória científica de cada um, alinhada às ideias sempre presentes de produção coletiva, aberta e colaborativa, contribui com aprofundamentos e novas conexões.
De 1999 a 2003, Arlindo Machado e Helena Katz movimentam as reflexões em torno do audiovisual, das artes e da dança. De 2003 a 2005, José Luiz Aidar Prado assume e implementa projetos originais de pesquisa em torno do registro político dos acontecimentos em publicações da grande imprensa, tornando-se, mais tarde, editor da revista Galáxia. De 2005 a 2009, Ana Claudia de Oliveira e Eugênio Triguinho avançam nas relações com centros de pesquisa internacionais e universidades de diferentes partes do mundo e do Brasil. Lucrécia Ferrara e Ana Claudia de Oliveira assumem entre 2009 e 2011, com forte presença nos debates epistemológicos da comunicação e seus desdobramentos. Eugênio Trivinho, coordenador de 2011 a 2015, primeiro com Lucrécia Ferrara e depois com José Luiz Aidar Prado como vice-coordenadores, marca o período com a aproximação ainda mais forte do universo da cibercultura. Rogério da Costa e Christine Greiner, de 2015 a 2019, aprofundam a atuação em torno das ciências cognitivas e da inteligência coletiva. Lucia Leão e Rogério da Costa assumem em 2020 com uma gestão pautada na importância das redes de colaboração, no crescimento da produção discente e na implementação de um projeto de presença do PPGCOS nas redes sociais digitais. Ainda nesse período, o PPGCOS assumiu o compromisso de sediar o 30º Encontro Anual da Compós.
Atualmente, o COS mantém 13 grupos de pesquisa e centros de estudos interdisciplinares certificados pelo CNPq. Integra o Instituto Internacional de Estudos Contemporâneos (IIEC) com o objetivo de articular as pesquisas de Comunicação com áreas afins de conhecimento a partir de uma rede nacional e internacional. Possui convênios e parcerias com universidades do Canadá, Japão, Espanha, França, Itália, Portugal, Moçambique e Peru, entre outros.
CIÊNCIA NO TEMPO PRESENTE
2021 e a comunicação pelas telas. O Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUCSP sedia novamente, de 27 a 30 de julho, o 30º Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (COMPÓS). A pandemia global de Covid-19 exige que o encontro seja realizado de forma totalmente remota. O número de mortes e a lentidão no sistema de vacinação abalam ainda mais o contexto político, econômico, cultural, científico e comunicacional do país. As políticas de apoio e incentivo à pesquisa são devassadas, especialmente dentro do campo das Ciências Sociais Aplicadas, no qual se insere a Comunicação.
O imaginário do futuro. Qual o papel que os programas de Pós-graduação em Comunicação assumirão a partir daqui? Quais os caminhos que o COS e todos os demais podem trilhar diante do que se apresenta? Com essa perspectiva, o 30º Encontro promete ser território de entrelaçamento de afetos, acolhimento das dúvidas inerentes ao processo de investigação científica em tempos tão turbulentos e apontamentos para imaginar e redesenhar os futuros desejados para as Ciências da Comunicação no Brasil.
Coordenadores e Vice-coordenadores do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Semiótica da PUCSP
Registro, reconhecimento e homenagem pelos anos de trabalho e dedicação às ciências da comunicação e pela formação de inúmeros mestres e doutores, que hoje também fazem parte dessa história. Parcela significativa da memória da Pós-graduação em comunicação no Brasil. Sem memória, não há articulação possível de futuro.
1970 - 1986: Lucrécia Ferrara, Décio Pignatari e Fernando Segolin
1987 - 1999: Lucia Santaella
1999 - 2001: Arlindo Machado e Helena Katz.
2001 - 2003: Arlindo Machado e Helena Katz
2003 - 2005: José Luiz Aidar Prado
2005 - 2009: Ana Claudia de Oliveira e Eugênio Trivinho
2009 - 2011: Lucrécia Ferrara e Ana Claudia Oliveira
2011 - 2013: Eugênio Trivinho e Lucrécia Ferrara.
2013 - 2015: Eugênio Trivinho e José Luiz Aidar Prado.
2015 - 2017: Rogério da Costa e Christine Greiner
2017 - 2019: Rogério da Costa e Christine Greiner
2020 - 2022: Lucia Leão e Rogério da Costa
Texto e pesquisa: Profa. Dra. Mirian Meliani
Agradecimentos às informações disponibilizadas pelos professores:
Lucrécia Ferrara, Lucia Santaella, Lucia Leão, Norval Baitello e Eugênio Trivinho.