Uma breve Historia da Colonia Juliano Moreira

...uma Breve Historia...

Periodico publicado em 1966, reprodusido na integra por este site de fins academicos...
Periódicos

Instituto Municipal Nise da Silveira - IMNSCentro de Estudos Treinamento e Aperfeiçoamento Paulo ElejaldeBiblioteca Alexandre PassosREVISTA BRASILEIRA DE SAÚDE MENTAL. Rio de Janeiro, v. 12, p. 161-169, ano 18, 1966.



Revista Brasileira de Saude Mental


Colonia Juliano Moreira:Sua origem e um pouco de sua trajetória histórica

(1890 – 1946)

Antonio Gouvêa de Almeida


O funcionamento das Colônias para doentes mentais, criadas pela Assistência a Alienados, no antigo Distrito Federal, no começo da República, a primeira “São Bento” e, em seguida, a “Conde de Mesquita”, situadas no Galeão, Ilha do Governador, teve inicio, segundo apuramos, a 10 de fevereiro de 1890, sendo seu primeiro Diretor o médico alienista Dr. Domingos Lopes da Silva Araújo, que as organizou e dirigiu, de 13 de março de 1890 a 1 de junho de 1908.

Os primeiros enfermos matriculados foram recebidos no dia 22 do mesmo mês e ano, procedentes do pôsto policial local.

O Dr. Domingos Lopes da Silva Araújo muito fêz para dotar as Colônias de condições de tratamento e trabalho, tendo se exonerado a 1.º de junho de 1908, sendo substituído, interinamente, pelo Dr. Braule Pinto, que exerceu as funções de Diretor, de 2 de junho de 1908 a 29 de janeiro de 1909.

Nas investigações feitas ao tempo de nossa função na Colônia, em Jacarepaguá, conseguimos apurar, nas considerações do notável psiquiátrico Dr. João Augusto Rodrigues Caldas, em relatório dirigido ao Sr. Diretor da Assistência a Alienados, em 10 de fevereiro de 1923, que as Colônias “São Bento” e “Conde de Mesquita” completavam nesta data, 33 anos de fundação, e sôbre elas fazia as mais justas referências e comentava a árdua luta mantida nêsses longos anos, até o dia final.

No dia 1.º de fevereiro de 1909, tomou posse no cargo de Diretor o Dr. João Augusto Rodrigues Caldas. Logo pós conhecer a situação da repartição, S. Sa. Verificou a necessidade de procurar transferi-las para local mais amplo,pois o número de enfermos já atingia a 300, e êsse número aumentava gradativamente com a transferência de doentes do Hospício, da Praia Vermelha e a fim de poder dar melhor tratamento aos doentes, proporcionando-lhes meios de trabalho, assim como dar aos seus auxiliares maior confôrto, em melhores residências, e por ser pequena a área ocupada nava por desejar expandir o Centro de Aviação Naval, já existente nas proximidades, e serem as terras da marinha.

De sua profícua ação na Diretoria e do seu patriotismo e sentimento de humanidade, resultou encontrar, ter anos depois em Jacarepaguá, um local apropriado para o fim desejado: a “Fazenda do Engenho Nôvo”, que havia sido recentemente vendida ao Sr. Antonio Mariano de Medeiros, por 150 contos de réis, e cuja área tinha o total de 150 alqueires de terras, inclusive matas, vargens, rios, cachoeira, reprêsa e benfeitorias.

Conseguindo conhecer os têrmos da escritura passada no Cartório do 10.º Oficio de Notas, nesta cidade, em 16 de agôsto de 1912, da citada venda, providenciou o ilustre Diretor Caldas, Junto aos seus superiores, os meios legais, para que pudêsse ser tentada a desapropriação da “Fazenda”, pela necessidade de transferir as duas Colônias para aquêle local.

Contando com o apoio do então Ministro da Justiça e com a eficiente cooperação do Diretor da Assistência a Alienados, prof. Juliano Moreira, e após demorado processo e pareceres, o Govêrno Federal, em Decreto de 31 de agôsto de 1912, desapropriava, por utilidade pública, a referida “Fazenda do Engenho Nôvo”, pelo valor na escritura declarado, após o julgamento de duas arbitragens, uma da parte da Ünião e a outra do nôvo proprietário.

A Ünião precisava da “Fazenda” para nela instalar uma Colônia de Alienados, e requereu, na forma da lei, a citação do proprietário, exibindo o Decreto, pelo qual foram aprovados o projeto e as plantas das obras a serem executados.

Homologado o laudo de arbitragem que opinava pelo valor declarado na escritura no ato da compra, o proprietário do imóvel, que desejava valor superior, apelou para o Supremo Tribunal Federal, e, nas suas razões, solicitou se declarasse nulo o processo da desapropriação, por estar eivado de nulidade substancial.

Depois de longa caminhada pelos trâmites legais, o Egrésio Supremo Tribunal Federal julgou a apelação civil n.º 2.369, que teve como relator o Sr. Ministro Pedro Lessa, e êsse magistrado, em convincente parecer jurídico, deu ganho de causa à União, negando provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelos demais Ministros da Egrégia Côrte, em 28 de dezembro de 1918.

Terminada essa primeira fase, da colossal luta em beneficio da instituição e dos enfermos e vitorioso no resultado, o eminente Diretor Caldas deu inicio às providencias para a posse da “Fazenda”, e para a execução do plano de construções, já aprovado.

O arquivo da Colônia contém os ofícios da época, nos quais o Diretor faz sugestões, apelos e relatórios, que constituem um diário permanente dêsse grande idealista, no sentido de conseguir, no menor prazo possível, transferir os enfermos e o pessoal para Jacarepaguá.

As terras da Fazenda, como antes consignei, eram férteis, possuíam matas, rios, árvores frutíferas, tudo enfim necessário a uma Colônia agrícola para doentes crônicos.

A partir de 1921, as obras e novas construções foram iniciadas, mas só em fins de 1923 estavam em condições de habitação os 15 pavilhões, a lavanderia, os refeitórios, cozinha, e também reparadas as benfeitorias de valor histórico, como a Igreja de N. S. dos Remédios, fundada e inaugurada em 19 de outubro de 1862; o “casarão”, sólido e colonial edifício, onde foram instalados o Gabinete da Diretoria, Administração, Secretaria, Portaria, etc., no térreo, e no pavimento superior as residências do Administrador (regulamentar) e do farmacêutico.

A Diretoria das Colônias, ao organizar o trabalho para transferência, não tinha recursos próprios para as despesas do longo e pesadíssimo transporte do material, através do mar e de 30 quilometro por terra, exigindo, como informa o Diretor em oficio, seis baldeações, do Galeão a Jacarepaguá. Conseguiu, com seu esforço e prestigio, transportes por empréstimo em diversas repartições, mas eram enormes as dificuldades causadas pelas chuvas prolongadas, que tornavam os caminhos intransitáveis; mesmo assim começou a mudança nos primeiros dias de dezembro de 1923, e, só a 29 de março de 1924, pôde ser a nova Colônia definitivamente instalada, ocorrendo mais tarde a entrega do local das velhas Colônias à Marinha.

Foi uma memorável vitória!

Com a transferência dos enfermos e do pessoal para Jacarepaguá, as Colônias “São Bento” e “Conde de Mesquitas” foram extintas, nascendo uma nova e mais ampla, a Colônia de Psicopatas (Homens), cuja organização estava em marcha.

Com o falecimento repentino, em 20 de novembro de 1926, do notável Diretor — Dr. João Augusto Rodrigues Caldas — foi designado para substituí-lo, interinamente, o Dr. Olavo Rocha, que permaneceu no cargo de 21 de novembro de 1926 até 31 de maio de 1927.

Para Diretor efetivo foi escolhido e nomeado o Dr. Carlos Mattoso Sampaio Corrêa, que tomou posse a 1.º de junho de 1927, sendo eminente psiquiatra e discípulo de Juliano Moreira.

A êsse nôvo Direto coube a tarefa de consolidar a Colônia em sua nova missão, o que fêz com sábia orientação, melhorando, tanto quanto possível, as condições internas, tratamento dos enfermos e organizando, com o psiquiatra Dr. José Carneiro Airosa, o Serviço de Praxiterapia, de ótimo resultado, para que os enfermos fôssem encaminhados ao trabalho, após os necessários exames, e uma vez considerados em considerados em condições físicas e mentais.

Com o advento do nôvo Govêrno, em outubro de 1930, permaneceu o Dr. Sampaio Corrêa na Direção da Colônia, tão eficiente e reconhecida foi sua capacidade de bem dirigir.

Em janeiro de 1931, com a aposentaria do velho Administrador, Emigdio de Oliveira Sucupira, após 42 anos de serviço publico, sendo mais de 20 às Colônias, ocorreu minha nomeação para aquêle cargo, por Decreto de 19 de janeiro de 1931 e posse a 27 do mesmo mês e ano.

Imbuído de sincero idealismo e compreendendo a difícil função do administrador, especialmente em meio tão desconhecido, só depois de alguns meses de estudos e observações apresentei ao Diretor Sampaio Corrêa um programa parcelado de trabalho, em face do deficiente orçamento, que foi por S. Sa. Aprovado, dando à nova administração prestígio e autoridade.

Nossa modesta colaboração na primeira fase, isto é, no único Núcleo existente — “Rodrigues Caldas”, homenagem prestada ao antigo Diretor, permitiu uma completa reformulação nos métodos administrativos até então empregados, quer no serviço de contrôle dos doentes, quer na alimentação, vestuário, material de limpeza, de refeitório e cozinha, obras de pequeno porte, higiene do corpo e roupas dos enfermos, instalação de barbearia, reparo nas estradas, trabalhos agrícolas e pecuários, olaria, reforma de pavilhões - dormitórios, do histórico viaduto (semelhante aos arcos da Lapa), a Igreja, e restabelecendo e ajardinando a praça localizada na entrada dêsse Núcleo, tudo de acôrdo com o programa estabelecido para cada exercício.

Manter a Colônia higienizada e bem conceituada era nossa preocupação, mas o número de enfermos crescia de 350 em 1931, para 750 em 1934 e as dificuldades e responsabilidades aumentavam.

Duas festa eram proporcionadas anualmente aos servidores e aos enfermos, 13 de junho (antonina), e no Natal, cuja ceia era oferecida aos servidores na noite do dia 24 e aos doentes no dia 25 de dezembro. Êsses dois dias proporcionavam aos infelizes internados alguma alegria, na imensa tristeza em que viviam com os seus sofrimentos, por lhes faltar a assistência dos entes queridos.

Uma escola para curso primário foi construída e devidamente instalada pela Administração, para atender aos filhos dos funcionários residentes na Colônia, sendo inaugurada em 30 de dezembro de 1932 pelo Diretor, e por nossa solicitação reconhecida oficialmente pelo Sr. Prefeito Dr. Pedro Ernesto Batista, sendo em seguida designadas pela Prefeitura, sua Diretora e professoras, o que anualmente aumentava, na proporção de novas matriculas. Merenda e auxilio de uniformes eram fornecidos pela Administração. Suas atividades de iniciaram no dia 1.º de março de 1933. por sugestão da Administração, o Sr. Diretor do departamento de Educação, Dr. Anísio Teixeira, em ato de 16 de setembro de 1933, denominou a escolinha “Juliano Moreira”, que passou a ter êsse grande professor como seu Patrono.

Essa escola, nos trinta anos de existência, forneceu mais de 4.00 alunos de curso primário. Foi fechada em junho 1964.

A entrada que liga Taquara à Colônia, em 1931, era apenas um estreito caminho, com porteiras particulares; mas, com trabalho persistente dos doentes, bem orientados pelos empregados, e obtendo permissão da Sra. Baronesa de Taquara, em cujas terras tínhamos que entrar para ampliá-la e alargá-la, conseguimos melhorá-la bastante, o que foi feito com material sólido e ferramentas primitivas, além de protegê-la das chuvas com plantações nas margens, permitindo maior facilidade para o tráfego dos veículos. Foi reconhecida como o logradouro público pelo Sr. Prefeito. Dr. Pedro Ernesto, que, aceitando sugestão da Colônia, deu a ela o nome de “Rodrigues Caldas”, em homenagem ao seu primeiro Diretor, em Jacarepaguá.

Na década de 1933 a 43 eram incluídas nos programas dos Congressos de Psiquiatria e de Higiene Mental visitas à Colônia, o que sempre ocorria, e também de personalidades no ramo da psiquiatria, que vinham ao Brasil, o que muito nos honrava.

Antes do advento do nôvo Govêrno, em 1930, a Colônia só possuía um Núcleo com 350 enfermos e já em 1934 se encontrava superlotado, com 750.

O Sr. Presidente Getúlio Vargas, interessado desejando reformar o Serviço de Assistência a Psicopatas, constitui uma Comissão, presidida pelo Sr. Ministro Gustavo Capanema e compotas dos Srs. Diretores João de Barros Barreto, do D. N. S.; Waldomiro Pires e Adauto Botelho, do S. N. D. M.; Engenheiro Eduardo de Souza Aguiar, Divisão de obras, participando como cooperado o Dr. Sampaio Corrêa, pra estudar e projetar a reforma do Serviço, nesta Cidade, localizando os Núcleos, escolhendo os melhores e mais modernos tipos de pavilhões, etc., cabendo à Colônia o inicio da primeira etapa, isto é, por ela começando as construções dos três novos Núcleos, para doentes crônicos, um Bloco Médico Cirúrgico e outras dependências, dentro do plano geral estabelecido na reforma, que previa um aumento de 2010 leitos.

Pelo Decreto n.º 379, de 15 de Outubro de 1935, foi dado à nova repartição a ser criada com a reforma, o nome de “Colônia Juliano Moreira”, em substituição ao de Colônia de Psicopatas- Homens.

No dia 22 de agosto de 1936 foi inaugurado o segundo Núcleo, que recebeu o nome de “Franco da Rocha”, em homenagem ao fundador da Colônia de Juqueri, em São Paulo, tendo êsse Núcleo capacidade para 640 enfermos do sexo feminino. Anteriormente, havia sido inaugurado pelo Sr. Ministro Gustavo Capanema, o primeiro pavilhão, doação da Comissão Comercial Japonêsa, que nos visitou, tendo, em homenagem a um de seus membros, tomado o nome de “K. Miake”.

Em 18 de novembro de 1938, era inaugurado o terceiro Núcleo, também com capacidade para 640 enfermos do sexo masculino, e que, em homenagem ao ilustre psiquiatra Ulysses Viana, recebeu o seu nome.

O quarto Núcleo, para enfermos do sexo feminino, foi inaugurado no dia 30 de setembro de 1940, também com a lotação de 640 doentes, e recebeu o nome de “Teixeira Brandão”, justa homenagem ao notável psiquiatra brasileiro. Nêsse mesmo dia foi também inaugurado o Bloco Médico-Cirúrgico “Álvaro Ramos”, nome dado em homenagem ao insigne cirurgião, tendo 200 leitos e instalado com os mais modernos aparelhos para as suas clinicas especializadas.

Muito contribuíram, para resolver as dificuldades orçamentárias para êsse grandioso empreendimento, as Comissões de Deputados (saúde e finanças) que freqüentemente nos visitavam, conhecendo as necessidades e dependendo no Congresso não só as verbas, como a realização de tão vasto programa.

Estava, assim, executada uma parte da primeira etapa do plano geral, em beneficio dos internados. Paralelamente, em outros setores do Serviço, igual ação se fazia notar.

A Colônia teve a honra da presença do Sr. Presidente da República, Ministros e outras autoridades, em tôdas as inaugurações.

Do grandioso projeto constavam também a construção do Edifício Central, em local prèviamente escolhido, do qual se teria o domínio de toda a Colônia, por suas várias estradas, tendo próximas as residências para o Diretor e para o Administrador, bem como a construção de 300 casa destinadas à residência dos funcionários, nas proximidades do Núcleo, com o fim de possibilitar a execução do Serviço Hetero - Familiar, então criado, isto é, acolhimento nos lares dos funcionários, de enfermos capacitados para auxilio doméstico, o que seria feito a pedido do interessado e após exame e indicação médica e autorização do Diretor. Os resultados obtidos foram satisfatórios.

No comêço do ano de 1942 foram concluídos e inaugurados dois pavilhões de 100 leitos uma para cada sexo, para doentes tuberculosos, e um outro da mesma capacidade, para os isolamentos necessários.

Como o antigo servidor, que acompanhou o seu desenvolvimento, transformação e progresso, foram de grande reconhecimento as palavras ditadas em entrevista ao “Correio da Noite”, de 14 de maio de 1943, pelo eminente psiquiatra Prof. Adauto Botelho, então Diretor do S. N. D. M., a propósito das grandes obras no Serviço e que aqui transcrevo um pequeno trecho: “Declarou no inicio o ilustre médico patrício que, de acôrdo com a orientação de Juliano Moreira, Teixeira Brandão e outros notáveis psiquiatras, nos estabelecimentos do Serviço Nacional de Doenças Mentais, são os loucos tratados como verdadeiros doentes, sendo que, nas modernas Colônias destinadas a obrigá-los, as construções foram feitas de modo a dar ao asilado um aspecto mais de um hospital do que pròpriamente de Hospício.

Não existem mais os altos muros circundando as Colônias e as janelas, apesar de seguras e fortes, não apresentam o desagradável gradeado”.

As novas construções obedeceram rigorosamente a êsse critério.

No ano de 1944, já se aproxima de 4.00 o número de internados de ambos os sexos, superlotando todos os Núcleos, mas com sábia orientação do Diretor Sampaio Corrêa, aliada à eficiência, dedicação e boa vontade de seus auxiliares, com as verbas insuficientes, mas bem controladas, conseguimos chegar ao final de nossa missão, em maio de 1946, em estado de paz na consciência e com o dever cumprido.

Em principio de março de 1946 êsse grande Diretor solicitava aposentadoria, após 38 anos de serviço público como médico, sendo que 19 na Direção da Colônia, tendo dado a ela todo o seu saber, energia e dedicação, em beneficio dos enfermos, eu muito lhe queriam.

Como o seu leal Administrador e fiel amigo, quis acompanhá-lo, solicitando-lhe dispensa, que me foi negada, mas, renovada ao nôvo Diretor, esta me foi concedida a 31 de maio de 1946.

Para substituí-lo no cargo de Diretor, foi nomeado em 25 de abril o ilustre psiquiatra Dr. Heitor Carpinteiro Peres, antigo médico da Colônia.

Ficou nessa sucinta, modesta e despretenciosa descrição um pouco da trajetória histórica da “Colônia Juliano Moreira”.

Maio de 1966.