Poemas de Antonio Ramos Rosa

ANTONIO RAMOS ROSA EN UPV RADIO

En poesía publicó los siguientes libros: El grito claro, 1958. Viaje a través de una nebulosa, 1960. Voz inicial, 1960. Sobre el rostro de la tierra, 1961. Estoy vivo y escribo sol, 1966. La piedra desnuda, 1973. Ciclo del caballo, 1975. Figuraciones, 1978. Incendio de los aspectos, 1980. Volante Verde, 1986, Acordes, 1989. Clamores 1992. Lámpara con algunos insectos, 1993. Tu rostro, 1994. El navío de la materia, 1994. La mesa del viento, 1997. Antología poética 2001.

Antonio Ramos Rosa fue Premio Nacional de poesía en 1971. Gran Premio de poesía Inasset, 1986. Premio Pessoa 1988. Gran Premio de Poesía Asociación Portuguesa de Escritores 1989. Y Gran Premio Sophia de Mello Breyner Andresen en 2005.

Murió a la edad de 89 años en Lisboa. Pero como reza su poema “Estoy vivo y escribo sol” Antonio Ramos Rosa, seguirá dibujando el sol de la poesía, y estará entre nosotros como lo prefiguró el poeta en sus versos de Nacimiento último; “Como si no tuviera sustancia y con los miembros apagados. /Desearía enrollarme en una hoja y dormir en la sombra. / Y germinar en el sueño, germinar en el árbol. /Todo acabaría en la noche, lentamente, bajo una lluvia densa. /Todo acabaría por el más alto deseo en una sonrisa de nada. /En el encuentro y en el abandono, en la última desnudez, /respiraría al ritmo del viento, en la relación más viva. /Sería de nuevo el germen que fui, el rostro indivisible. /Y ebrias las palabras dirían el vino y la arcilla /y el reposo de ser en el ser, sus oscuras terrazas. /Entre rumores y ríos la muerte se perdería”. Así será Poeta.

Les ofrezco estas traducciones que me han permitido estar muy cerca del poeta, a quién le deseo el más luminoso viaje. Todo mi amor poeta. Nidia Hernández @lamajadesnuda

Breve selección de poemas de Antonio Ramos Rosa.


Estoy vivo y escribo sol

Yo escribo versos al mediodía

y la muerte al sol es una cabellera

que pasa con fríos frescos sobre mi cara de vivo

Estoy vivo y escribo sol

Si mis lágrimas y mis dientes cantan

en el vacío fresco

es porque abolí todas las mentiras

y no soy más que este momento puro

la coincidencia perfecta

en el acto de escribir sol

El vértigo es lo único de la verdad en ristre

la nulidad de todos los próximos parajes

navego hacia la cima

caigo en la claridad sencilla

y los objetos arrojan sus rostros

y en mi lengua el sol trepida

mejor que beber vino es más claro

ser en la mirada la propia mirada

la maravilla es este espacio abierto

la calle

un grito

el gran manto del silencio verde

Eu escrevo versos ao meio-dia

e a morte ao sol é uma cabeleira

que passa em fios frescos sobre a minha cara de vivo

Estou vivo e escrevo sol

Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam

no vazio fresco

é porque aboli todas as mentiras

e não sou mais que este momento puro

a coincidência perfeita

no acto de escrever e sol

A vertigem única da verdade em riste

a nulidade de todas as próximas paragens

navego para o cimo

tombo na claridade simples

e os objectos atiram suas faces

e na minha língua o sol trepida

Melhor que beber vinho é mais claro

ser no olhar o próprio olhar

a maraviha é este espaço aberto

a rua

um grito

a grande toalha do silêncio verde



Não Choro pela Pátria

Não choro pela pátria Ninguém chora pela pátria

Retém-se o grito que lavra pelo corpo

sulcos sangrentos e o faz sentir em si a pele

que se separa e se encolhe ante a violência

da dispersão comum e do falso fulgor

que encobre a irreparável divisão

de se ter perdido o universo e a viva comunidade

Onde estão aqueles que poderiam metamorfosear

a indigência da separação real

abrindo um espaço de respiração solar

e reunir num todo os que conhecem a sua solidão

e os que nem sequer sentem a vertigem de a nada pertencerem

senão à negação que se afirma em lugar da integridade viva?


Porque no supe merecer la gloria,

la más dulce

la de quedarme a tu lado

y que la sangre

la palabra

aboliera la diferencia

entre mi cuerpo y mi voz

porque te perdí

no sé quien soy




FIGURACIONES

Es una mujer inequívoca oscilante

con la lámpara entre los espinos y huyendo

bajo las hojas de los plátanos

bajo las ondas de los animales

que nacen bajo la luna

y en que las monedas blancas se iluminan

revelando la ligereza de las sandalias

sus senos irrigan las caderas

y sus labios

son de tierra azul

Ella es abeja es lámpara es una vértebra

es un canto un árbol

un ramo del aire.



POEMA DE UN FUNCIONARIO CANSADO

La noche me cambió los sueños y las manos

me dispersó los amigos

tengo el corazón confuso y la calle es estrecha

estrecha en cada paso

las casas nos devoran

nos consumen

estoy en un cuarto solo en un cuarto solo

con los sueños cambiados

con toda la vida contrariada ardiendo en un cuarto solo

Soy un funcionario apagado

un funcionario triste

mi alma no acompaña mi mano

Débito y Crédito Débito y Crédito

mi alma no baila con los números

intento esconderla avergonzado

el jefe me pescó con el ojo lírico en la jaula de la casa

y debitó mi cuenta de empleado

Soy un funcionario cansado de un día ejemplar

¿Por qué no me siento orgulloso de haber cumplido mi deber?

¿Por qué me siento irremediablemente perdido en mi cansancio

deletreo viejas palabras generosas

flor muchacha amigo niño

hermano beso novia

madre estrella música

son las palabras cruzadas en mi sueño

palabras soterradas en la prisión de mi vida

esto todas las noches del mundo en una sóla noche larga

en un cuarto solo.




POEMA DUM FUNCIONÁRIO CANSADO

A noite trocou-me os sonhos e as mãos

dispersou-me os amigos

tenho o coração confundido e a rua é estreita

estreita em cada passo

as casas engolem-nos

sumimo-nos

estou num quarto só num quarto só

com os sonhos trocados

com toda a vida às avessas a arder num quarto só

Sou um funcionário apagado

um funcionário triste

a minha alma não acompanha a minha mão

Débito e Crédito Débito e Crédito

a minha alma não dança com os números

tento escondê-la envergonhado

o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente

e debitou-me na minha conta de empregado

Sou um funcionário cansado dum dia exemplar

Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?

Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço?

Soletro velhas palavras generosas

Flor rapariga amigo menino

irmão beijo namorada

mãe estrela música

São as palavras cruzadas do meu sonho

palavras soterradas na prisão da minha vida

isto todas as noites do mundo numa só noite comprida

num quarto só




ESTE HOMEM QUE PENSOU

Este homem que pensou

com uma pedra na mão

transformá-la num pão

transformá-la num beijo

Este homem que parou

no meio da sua vida

e se sentiu mais leve

que a sua própria sombra

UMA VOZ NA PEDRA

Não sei

se respondo ou se pergunto.

Sou uma voz que nasceu na penumbra do vazio.

Estou um pouco ébria e estou crescendo numa pedra.

Não tenho a sabedoria do mel ou a do vinho.

De súbito ergo-me como uma torre de sombra fulgurante.

A minha ebriedade é a da sede e a da chama.

Com esta pequena centelha quero incendiar o silêncio.

O que eu amo não sei. Amo em total abandono.

Sinto a minha boca dentro das árvores e de uma oculta nascente.

Indecisa e ardente, algo ainda não é flor em mim.

Não estou perdida, estou entre o vento e o olvido.

Quero conhecer a minha nudez e ser o azul da presença.

Não sou a destruição cega nem a esperança impossível.

Sou alguém que espera ser aberto por uma palavra.

TEU CORPO PRINCIPIA

Dou-te

um nome de água

para que cresças no silêncio.

Invento a alegria

da terra que habito

porque nela moro.

Invento do meu nada

esta pergunta.

(Nesta hora, aqui.)

Descubro esse contrário

que em si mesmo se abre:

ou alegria ou morte.

Silêncio e sol – verdade,

respiração apenas.

Amor, eu sei que vives

num breve país.

Os olhos imagino

e o beijo na cintura,

ó tão delgada.

Se é milagre existires,

teus pés nas minhas palmas.

O maravilha, existo

no mundo dos teus olhos.

O vida perfumada

cantando devagar.

Enleio-me na clara

dança do teu andar.

Por uma água tão pura

vale a pena viver.

Um teu joelho diz-me

a indizível paz.





NÃO TENHO LÁGRIMAS

estou mais baixo

junto à cal

Vejo o solo extinto

Não oiço ninguém

e não regresso

Adormecer talvez

junto a uma estaca

com uma pequena pedra

sobre as pálpebras



AS PALAVRAS

Adiro a uma nova terra adiro a um novo corpo

As palavras identificam-se com o asfalto negro

o tropel das nuvens

a espessura azul das árvores acesas pelos faróis

o rumor verde

As palavras saem de um ferida exangue

de teclas de metal fresco

de caminhos e sombras

da vertigem de ser só um deserto

de armas de gume branco

Há palavras carregadas de noite e de ombros surdos

e há palavras como giestas vivas

Matrizes primordiais matéria habitada

forma indizível num rectângulo de argila

quem alimenta este silêncio senão o gosto de

colocar pedra sobre pedra até á oblíqua exactidão?

As palavras vêm de lugares fragmentários

de uma disseminação de iniciais

de magmas respirados

de odor de gérmen de olhos

As palavras podem formar uma escrita nativa

de corpos claros

Que são as palavras?Imprecisas armas

em praias concêntricas

torres de sílex e de cal

aves insólitas

As palavras são travessias brancas faces

giratórias

elas permitem a ascensão das formas

elevam-se estrato após estrato

ou voam em diagonal

até à cúpula diáfana

As palavras são por vezes um clarão no dia calcinado

Que enfrentam as palavras?O espelho

da noite a sua impossível

elipse

Saem da noite despedaçadas feridas

e são signos do acaso pedras de sol e sal

a da sua língua nascem estrelas trituradas

NO SILÊNCIO DA TERRA

No silêncio da terra.Onde ser é estar.

A sombra se inclina.

Habito dentro da grande pedra de água e sol.

Respiro sem o saber,respiro a terra.

Um intervalo de suavidade ardente e longa.

Sem adormecer no sono verde.

Afundo-me,sereno,

flor ou folha sobre folha abrindo-se,

respirando-me,flectindo-me

no intervalo aberto.Não sei se principio.

Um rosto se desfaz,um sabor ao fundo

da água ou da terra,

o fogo único consumindo em ar.

Eis o lugar em que o centro se abre

ou a lisa permanência clara,

abandono igual ao puro ombro

em que nada se diz

e no silêncio se une a boca ao espaço.

Pedra harmoniosa

do abrigo simples,

lúcido,unido,silencioso umbigo

do ar.

o teu corpo

renasce

à flor da terra.

Tudo principia.





NASCIMENTO ÚLTIMO

Como se não tivesse substância e de membros apagados.

Desejaria enrolar-me numa folha e dormir na sombra.

E germinar no sono,germinar na árvore.

Tudo acabaria na noite,lentamente,sob uma chuva densa.

Tudo acabaria pelo mais alto desejo num sorriso de nada.

No encontro e no abandono,na última nudez,

respiraria ao ritmo do vento,na relação mais viva.

Seria de novo o gérmen que fui,o rosto indivisível.

E ébrias as palavras diriam o vinho e a argila

e o repouso do ser no ser,os seus obscuros terraços.

Entre rumores e rios a morte perder-se-ia.



A PALAVRA

A palavra é uma estátua submersa,um leopardo

que estremece em escuros bosques,uma anémona

sobre uma cabeleira.Por vezes é uma estrela

que projecta a sua sombra sobre um torso.

Ei-la sem destino no clamor da noite,

cega e nua,mas vibrante de desejo

como uma magnólia molhada.Rápida é a boca

que apenas aflora os raios de uma outra luz.

Toco-lhe os subtis tornozelos,os cabelos ardentes

e vejo uma água límpida numa concha marinha.

É sempre um corpo amante e fugidio

que canta num mar musical o sangue das vogais.




NÃO POSSO ADIAR O AMOR

Não posso adiar o amor para outro século

não posso

ainda que o grito sufoque na garganta

ainda que o ódio estale e crepite e arda

sob as montanhas cinzentas

e montanhas cinzentas

Não posso adiar este braço

que é uma arma de dois gumes amor e ódio

Não posso adiar

ainda que a noite pese séculos sobre as costas

e a aurora indecisa demore

não posso adiar para outro século a minha vida

nem o meu amor

nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração.




ESTE HOMEM QUE PENSOU

Este homem que pensou

com uma pedra na mão

transformá-la num pão

transformá-la num beijo

Este homem que parou

no meio da sua vida

e se sentiu mais leve

que a sua própria sombra

TEU CORPO PRINCIPIA

Dou-te

um nome de água

para que cresças no silêncio.

Invento a alegria

da terra que habito

porque nela moro.

Invento do meu nada

esta pergunta.

(Nesta hora, aqui.)

Descubro esse contrário

que em si mesmo se abre:

ou alegria ou morte.

Silêncio e sol – verdade,

respiração apenas.

Amor, eu sei que vives

num breve país.

Os olhos imagino

e o beijo na cintura,

ó tão delgada.

Se é milagre existires,

teus pés nas minhas palmas.

O maravilha, existo

no mundo dos teus olhos.

O vida perfumada

cantando devagar.

Enleio-me na clara

dança do teu andar.

Por uma água tão pura

vale a pena viver.

Um teu joelho diz-me

a indizível paz.



NASCIMENTO ÚLTIMO

Como se não tivesse substância e de membros apagados.

Desejaria enrolar-me numa folha e dormir na sombra.

E germinar no sono,germinar na árvore.

Tudo acabaria na noite,lentamente,sob uma chuva densa.

Tudo acabaria pelo mais alto desejo num sorriso de nada.

No encontro e no abandono,na última nudez,

respiraria ao ritmo do vento,na relação mais viva.

Seria de novo o gérmen que fui,o rosto indivisível.

E ébrias as palavras diriam o vinho e a argila

e o repouso do ser no ser,os seus obscuros terraços.

Entre rumores e rios a morte perder-se-ia.



O AMOR CERRA OS OLHOS

O amor cerra os olhos,

não para ver mas para absorver:

a obscura transparência,

a espessura das sombras ligeiras, a ondulação ardente: a alegria.

Um cavalo corre na lenta velocidade das artérias.

O amor conhece-se sobre a terra coroada:

animal das águas,animal do fogo,

animal do ar:a matéria é só uma,

terrestre e divina.



MEDIADORA DO MUTISMO

Onde não

começa o sopro

no côncavo da língua muda

o peso da sombra entre ruínas,

falha que nunca coincide.

Silêncio do incontível, como

recusar a veemência

desta cegueira? Antes da fuga

Das formas, no sem fundo

Inabitável. Artérias vivas,

estrelas, relâmpagos,

jorrarão da obscuridade vermelha?

E as palavras serão o espaço

Do grito,

o espaço de nada, o espaço

do espaço,

a obscura dor da terra?



O BOI DA PACIÊNCIA

Noite dos limites e das esquinas nos ombros

noite por de mais aguentada com filosofia a mais

que faz o boi da paciência aqui?

que fazemos nós aqui?

este espectáculo que não vem anunciado

todos os dias cumprido com as leis do diabo

todos os dias metido pelos olhos adentro

numa evidência que nos cega

até quando?

Era tempo de começar a fazer qualquer coisa

os meus nervos estão presos na encruzilhada

e o meu corpo não é mais que uma cela ambulante

e a minha vida não é mais que um teorema

por demais sabido!

Na pobreza do meu caderno

como inscrever este céu que suspeito

como amortecer um pouco a vertigem desta órbita

e todo o entusiasmo destas mãos de universo

cuja carícia é um deslizarr de estrelas?

Há uma casa que me espera

para uma festa de irmãos

há toda esta noite a negar que me esperam

e estes rostos de insónia

e o martelar opaco num muro de papel

e o arranhar persistente duma pena implacável

e a surpresa subornada pela rotina

e o muro destrutível destruindo as nossas vidas

e o marcar passo à frente deste muro

e a força que fazemos no silêncio para derrubar o muro

até quando? até quando?

Teoricamente livre para navegar entre estrelas

minha vida tem limites assassinos

Supliquei aos meus companheiros.Mas fuzilem-me!

Inventei um deus só para que me matasse

Muralhei-me de amor

e o amor desabrigou-me

Escrevi cartas a minha mãe desesperadas

colori mitos e distribuí-me em segredo

e ao fim ao cabo

recomeçar

Mas estou cansado de recomeçar!

Quereria gritar:Dêem árvores para um novo

recomeço!

Aproximem-me a natureza até que a cheire!

Desertem-me este quarto onde me perco!

Deixem-me livre por um momento em qualquer parte

para uma meditação mais natural e fecunda

que me limpe o sangue!

Recomeçar!

Mas originalmente com uma nova respiração

que me limpe o sangue deste polvo de detritos

que eu sinta os pulmões com duas velas pandas

e que eu diga em nome dos mortos e dos vivos

em nome do sofrimento e da felicidade

em nome dos animais e dos utensílios criadores

em nome de todas as vidas sacrificadas

em nome dos sonhos

em nome das colheitas em nome das raízes

em nome dos países em nome das crianças

em nome da paz

que a vida vale a pena que ela é a nossa medida

que a vida é uma vitória que se constrói todos os dias

que o reino da bondade dos olhos dos poetas

vai começar na terra sobre o horror e a miséria

que o nosso coração se deve engrandecer

por ser tamanho de todas as esperanças

e tão claro como os olhos das crianças

e tão pequenino que uma delas possa brincar com ele

Mas o homenzinho diário recomeça

no seu giro de desencontros

A fadiga substituiu-lhe o coração

As cores da inércia giram-lhe nos olhos

Um quarto de aluguer

Como perservar este amor

ostentando-o na sombra

Somos colegas forçados

Os mais simples são os melhores

nos seus limites conservam a humanidade

Mas este sedento lúcido e implacável

familiar do absurdo que o envolve

como uma vida de relógio a funcionar

e um mapa da terra com rios verdadeiros

correndo-lhe na cabeça

como poderá suportar viver na contenção total

na recusa permanente a este absurdo vivo?

Ó boi da paciência que fazes tu aqui?

Quis tornar-te amável ser teu familiar

fabriquei projectos com teus cornos

lambi o teu focinho acariciei-te em vão

A tua marcha lenta enerva-me e satura-me

As constelações são mais rápidas nos céus

a terra gira com um ritmo mais verde que o teu passo

Lá fora os homens caminham realmente

Há tanta coisa que eu ignoro

e é tão irremediável este tempo perdido!

Ó boi da paciência sê meu amigo!

de Viagem através duma Nebulosa(1960)

PARA UM AMIGO TENHO SEMPRE UM RELÓGIO

esquecido em qualquer fundo da algibeira.

Mas esse relógio não marca o tempo inútil.

São restos de tabaco e de ternura rápida.

É um arco-íris de sombra,quente e trémulo.

É um copo de vinho com o meu sangue e o sol.



ONDE MORA A MEMÓRIA OBSCURA,ONDE

esse cavalo persiste como um relâmpago de pedra,

onde o corpo se nega,onde a noite ensurdece,

caminho sobre pedras na minha casa pobre.

Não conheço esse lago,não fui a esse país.

Mas aqui é um termo ou princípio novo.

Com a baba do cavalo,com os seus nervos mais finos

reconstruí o corpo,silenciei os membros.

Não se estancou a sede,no mesmo caos de agora,

mas a língua rebenta,as vértebras estalam

por uma nova língua,por um cavalo que una

a terra à tua boca,e a tua boca à água.



UM ASTRO

Ouve a longa incoerência da palavra e a memória

do sangue que se apaga.Ouve a terra taciturna.

Tudo é furtivo e as sombras não acolhem.Nenhum jardim

de segredos.Nenhuma pátria entre as ervas e a areia.

Onde é que nasce a sombra e a claridade?

Eis as vertentes da terra árida e negra.Quem

reconhece o equilíbrio das evidências serenas?

Estas palavras têm o odor de portas enterradas.

Como dominar a desmesura da ausência e a vertigem?

Como reunir o obscuro em palavras evidentes?

Escuta,escuta a longa incoerência da terra

e da palavra.Ao longo da distância

murmura a perfeição monótona de um mar.

Num pudor de esquecimento um astro se aveluda

em denso azul na corola do silêncio.



AMO O TEU TÚMIDO CANDOR DE ASTRO

a tua pura integridade delicada

a tua permanente adolescência de segredo

a tua fragilidade acesa sempre altiva

Por ti eu sou a leve segurança de um peito

que pulsa e canta a sua chama

que se levanta e inclina ao teu hálito de pássaro

ou à chuva das tuas pétalas de prata

Se guardo algum tesouro não o prendo

porque quero oferecer-te a paz de um sonho aberto

que dure e flua nas tuas veias lentas

e seja um perfume ou um beijo um suspiro solar

Ofereço-te esta frágil flor esta pedra de chuva

para que sintas a verde frescura

de um pomar de brancas cortesias

porque é por ti que vivo é por ti que nasço

porque amo o ouro vivo do teu rosto


TU PENSAS QUE OS CARDEAIS

Tu pensas

que os cardeais

não se masturbam,

que não vêem

as telenovelas,

que vêem, quando muito, os filmes de Bergman

e o Evangelho segundo São Mateus de Pasolini.

Não, eles nunca lêem os livros pornográficos

e nunca pensaram em ter amantes.

Eles não conhecem o turbilhão das visões

das figuras eróticas,

eles lêem os exercícios espirituais

de Santo Inácio

e têm o odor da santidade

e irão para o céu porque nunca pecaram,

nunca acariciaram um pénis,

nunca o desejaram túmido e ardente

na sua boca casta.

Ah os cardeais como são exemplares

mesmo quando os espelhos os perseguem

com os membros e órgãos de mulheres

na fulguração da nudez liquida e candente!

Todavia eu conheço a obstinada chama

do desejo,

a sua glauca ondulação,

os seus olhos deslumbrados pela oceânica

vertigem

de um corpo embriagado pela sua simetria

e pela volúvel coerência

dos seus astros dispersos.

Não, eu não creio na inocência imaculada

dos solenes cardeais.

Eu sei que a sua carne é a mesma argila

incandescente e turva

de que o meu corpo frágil é composto.

Eles conhecem o sofrimento de ser duplos,

o vazio do desejo,

a violência nua das imagens monstruosas,

a adolescência do fogo nos labirintos negros.

Mas eu sei que os cardeais não gritam,

nem levantam a voz,

nem atravessam a fronteira do pudor

e adormecem ao rumor das orações.

É esta imagem que eu quero conservar

na religiosa monotonia do meu sono.

A NOITE CHEGA COM TODOS OS SEUS REBANHOS

Uma cidade amadurece nas vertentes do crepúsculo

Há um íman que nos atrai para o interior da montanha.

Os navios deslizam nos estuários do vento.

Alguma coisa ascende de uma região negra.

Alguém escreve sobre os espelhos da sombra.

A passageira da noite vacila como um ser silencioso.

O último pássaro calou-se.As estrelas acenderam-se.

As ondas adormeceram com as cores e as imagens.

As portas subterrâneas têm perfumes silvestres.

Que sedosa e fluida é a água desta noite!

Dir-se-ia que as pedras entendem os meus passos.

Alguém me habita como uma árvore ou um planeta.

Estou perto e estou longe no coração do mundo.

SEMELHANTE À IMÓVEL

Semelhante à imóveltransparência

à inesgotável face

à pedra larga onde o olhar repousa

Água sombra e a figura

azul quase um jardim por sob a sombra

a iminência viva aérea

de uma palavra suspensa

na folhagem

Semelhante ao disperso ao ínfimo

chama-se agora aqui o sono da erva

a ligeireza livre

a nuvem sobre a página


CASA DE SOL ONDE OS ANIMAIS PENSAM

erguida nos ares com raízes na terra

ampla e pequena como um pagode

com salas nuas e baixas camas

casa de andorinhas e gatos nos sótãos

grande nau navegando imóvel

num mar de ócio e de nuvens brancas

com antigos ditados e flores picantes

com frescura de passado e pó de rebanhos

ó casa de sonos e silêncios tão longos

e de alegrias ruidosas e pães cheirosos

ó casa onde se dorme para se renascer

ó casa onde a pobreza resplende de fartura

onde a liberdade ri segura

La mujer feliz

Está de pié sobre las blancas dunas.

Las olas la conducirán

y los vientos la llevarán. Está ahí

en la redonda perfección de la ofrenda.

Duerme en el sereno esplendor.

Dice luz porque dice ahora y eres tú y

soy yo en un círculo solitario.

Está ebria de aire como una fuerte lámpara.

Es un área de equilibrio, de movimientos flexibles,

un reposo incendiado, la victoria de una piedra.

Se abren aguas hondas y un nuevo fuego aparece.

¡Que lentas son las largas hojas y las arenas!

¡Que denso es este cuerpo, esta luna de arcilla!

Desnuda como una piedra ardiente, más que una

Promesa

fulgurante, la amorosa presencia de una mujer feliz.

En ella duermen los pájaros, duermen los nombres puros.

Ahora crepita la noche, las lenguas que circulan.

Crecen, crecen los músculos de la más intima distancia.




Cuerpo de aroma

Fuiste corola o barco

¿pero cuándo?

mi hermana

mi amante leve, mi árbol,

que el mundo eleva

en la inocencia absoluta

del instante.

Alta estabas en lo amplio y recogida

como una lámpara,

alta estabas en la baranda blanca.

Si acaso aún puedes ser aroma

de mis ojos.

Cuerpo en el cuerpo,

retiro y sustancia, línea alta

de la delicia,

nada te pediré en mi ansia

de puro espacio,

de azul inmediato,

de luz para el olvido y el desierto



Donde mora la memoria oscura

Donde mora la memoria oscura, donde

ese caballo persiste como un relámpago de piedra,

donde el cuerpo se niega, donde la noche ensordece,

camino sobre piedras en mi casa pobre.

No conozco ese lago, no fui a ese país.

Pero aquí hay un término o un principio nuevo.

Con la baba del caballo, con sus nervios más finos

reconstruí el cuerpo, silencié los miembros.

No se estancó la sed, en el mismo caos de ahora,

pero la lengua revienta, las vértebras estallan

por una nueva lengua, por un caballo que una

la tierra a tu boca, y tu boca al agua.



Una palabra te busca

Una palabra te busca

a nivel de esta existencia suave

dura

una palabra no para ostentar sino para seguir en

el camino

en su ágil correr de fuego

para abrirte el día

para hacerte más pequeño que el hueco

para darte el breve crepitar

de un insecto

la fuga precipitada o el vagaroso pelo

el imperceptible movimiento

del agua en la vereda

la existencia ínfima

de cualquier animal

u hoja

una partícula de polvo

o surco

un estallido

una palabra como una llama un poco más clara

que el día

sólo levemente más clara que tu mano

y oscura o parda como la carretera



Caballo, caballo de la tierra, saltas sobre

toda pobreza planta u obstáculo .

El vigor de la palabra es evidencia encendida

es saberte de tierra hasta la crin.

¿Quién te arranca la fuerza de raíz

en qué valle te hunden o te callan?

De perfil o de frente eres caballo siempre

caballo de siempre.

Tu nombre es un muro que nos habla

de tu silencio. Y es un nombre

que no se excede y se lee, horizontal y verticalmente

https://www.escritas.org/pt/antonio-ramos-rosa


La noche me cambió los sueños y las manos

me dispersó a los amigos

tengo el corazón confundido y la calle es estrecha

estrecha en cada paso

las casas nos engullen

nos ocultamos

estoy en un cuarto solo en un cuarto solo

con los sueños cambiados

con toda la vida al revés ardiendo en un cuarto solo

Soy un funcionario apagado

un funcionario triste

mi alma no acompaña a mi mano

Débito y Crédito / Débito y Crédito

mi alma no baila con los números

debo esconderla avergonzado

el jefe me sorprendió con el ojo lírico en la jaula del patio de enfrente

y me descontó de mi cuenta de nómina

soy un funcionario cansado de un día ejemplar

¿Por qué no me siento orgulloso de haber cumplido con mi deber?

Porque me siento irremediablemente perdido en mi cansancio

Deletreo viejas palabras generosas

Flor muchacha amigo niño

hermano beso enamorada

madre estrella música

Son las palabras cruzadas de mi sueño

palabras soterradas en la prisión de mi vida

así todas las noches del mundo en una sola noche larga

en un cuarto solo

Traducción de Mijail Lamas


A LEITORA

A leitora abre o espaço num sopro subtil.

Lê na violência e no espanto da brancura.

Principia apaixonada, de surpresa em surpresa.

Ilumina e inunda e dissemina de arco em arco.

Ela fala com as pedras do livro, com as sílabas da sombra.

Ela adere à matéria porosa, à madeira do vento.

Desce pelos bosques como uma menina descalça.

Aproxima-se das praias onde o corpo se eleva

em chama de água. Na imaculada superfície

ou na espessura latejante, despe-se das formas,

branca no ar. É um torvelinho harmonioso,

um pássaro suspenso. A terra ergue-se inteira

na sede obscura de palavras verticais.

A água move-se até ao seu princípio puro.

O poema é um arbusto que não cessa de tremer.

António Ramos Rosa, in “Volante Verde”



CADA ÁRVORE É UM SER PARA SER EM NÓS

Cada árvore é um ser para ser em nós

Para ver uma árvore não basta vê-la

A árvore é uma lenta reverência

uma presença reminiscente

uma habitação perdida

e encontrada

À sombra de uma árvore

o tempo já não é o tempo

mas a magia de um instante que começa sem fim

a árvore apazigua-nos com a sua atmosfera de folhas

e de sombras interiores

nós habitamos a árvore com a nossa respiração

com a da árvore

com a árvore nós partilhamos o mundo com os deuses



CADA ÁRBOL ES UN SER PARA SER EN NOSOTROS

Cada árbol es un ser para ser en nosotros

Para ver un árbol no basta verlo

El árbol es una lenta reverencia

una presencia reminiscente

una habitación perdida

y encontrada

A la sombra de un árbol

el tiempo ya no es tiempo

sino magia de un instante que comienza sin fin

el árbol nos calma con su atmósfera de hojas

y de sombras interiores

habitamos el árbol con nuestra respiración

con la del árbol

con el árbol compartimos el mundo con los dioses




ESTAR SÓ É ESTAR NO ÍNTIMO DO MUNDO

.

Por vezes cada objecto se ilumina

do que no passar é pausa íntima

entre sons minuciosos que inclinam

a atenção para uma cavidade mínima

E estar assim tão breve e tão profundo

como no silêncio de uma planta

é estar no fundo do tempo ou no seu ápice

ou na alvura de um sono que nos dá

a cintilante substância do sítio

O mundo inteiro assim cabe num limbo

e é como um eco límpido e uma folha de sombra

que no vagar ondeia entre minúsculas luzes

E é astro imediato de um lúcido sono

fluvial e um núbil eclipse

em que estar só é estar no íntimo do mundo



.No centro do mundo

Oscilante geometria tranquila

presença suficiente do ínfimo e do amplo

No centro do tempo não há tempo

Tranquilidade para ir ao encontro de

Estou dentro estou aberto habito

um limpo rosto de desconhecida frescura

Ramagens dispersão de nuvens indícios ténues

Sou uma linguagem límpida com o vento

Bebo nas múltiplas nascentes

do espaço puro

Acendo-me e apago-me e é a claridade que muda

Tranquilidade das ramagens crepitação de brasas

Durmo silencioso e mais desperto do que nunca

Sou o ar que se dissipa no ar

Como me perdi quem sou as interrogações cessaram

Estou dentro e fora na densidade subtil

Não há aqui imagens extravagantes rumores estranhos

Tudo se desenrola na lúcida amplitude tranquila

As palavras sucedem-se como vagarosas nuvens

O dia é limpido e lê-se como um livro aberto

Ciclo do cavalo


O cavalo diamante, o que se apaga

na mancha mais escura — ainda possível.

Neutro vagar, pausa de ser tão material,

fronte de terra, insuflada aurora.


Lapidar como a lâmpada na mancha

mínima, rasgado pelo gosto da terra,

gesto do peso que eleva e forte

como a terra de longe e em torno a cor de tudo.


Lapidar entre arestas e curvas,

forma de água em peito,

língua do sabor da terra inteira,

fértil da aridez de pedra,

o corpo sonoro isolado nas relvas,

fúria parada,

a mão cobre-o todo, terra plácida.


>>>


Já alguém viu o cavalo? Vou aprendê-lo

no jogo das palavras musculares.

Alento alto, volume de vontade,

força do ar nas ventas, dia claro.


Aqui a pata pesa só a mancha

do cavalo em liberdade lenta

para que o cavalo perca todo o halo

para que a mão seja fiel ao olhar lento


e o perfil em cinza azul aceso

de clareira de inverno. Bafo, o tempo

do cavalo é terra repisada


e sem véus, de vértebras desenhadas,

lê o cavalo na mancha, alerta,

na solidão da planície E uma montanha.


>>>


O cavalo decide antes ainda

da decisão, na planície.

Cavalo azul, não, mas forma

do meu bafo que lhe respira o ardor.


Eu sou cavalo no cavalo

porque a palavra o diz inteiro

e vejo que ela cava, é terra e pedra

e músculo a músculo retenho a força dele.


Com a paciência do campo e o amor do olhar

a precisão do cavalo é maior que o caminho

e tem em si todo o hálito da casa.


>>>


Cavalo de folha sobre folha,

cavalo de jogar e ler, escrever terra

em que estás plantado em teu tamanho,

força de todo o corpo aberto ao ar.


Cavalo de terra pronto a ser montado

mas volte sempre ao lugar do diamante

na paisagem incrustado, alento aceso

de um animal ali no centro em qualquer campo.


Os membros apagados, fulva mancha,

dissipa-se o vapor da relva

e das narinas, inteiro, alerta

o fogo sai para as casas mais desertas.


>>>


Cavalo pronto a subir

mas sempre a terra e a pausa

erguem a casa e o caminho,

o tronco e a garupa, nomes fortes.


Cavalo de palavra e terra,

pequeno aqui ou largo em nome e ser,

corre no tempo de olhar uma campina

ou empinado em brasa sobre as casas.


Cavalo de raiva amaciada,

espuma de um relincho na parede

mais alta da terra, ouvido

da noite em forma de cavalo

no horizonte.