RESUMO 33 | COMUNICAÇÕES
Significação e referência linguística em Husserl: Das “Investigações lógicas” às “Lições sobre a teoria da significação”
PINTO, João L. P. da S. | USP, Brasil
Na primeira de suas Investigações lógicas, publicadas em 1900/1901, Husserl busca esboçar uma teoria da significação que preservasse o caráter ideal de toda significação, conforme os resultados dos seus Prolegômenos à lógica pura, e que, simultaneamente, contribuísse para o projeto geral das Investigações de esclarecer como a objetividade dos elementos lógicos se constituía para a subjetividade da consciência. Um tal propósito exigia uma teoria que estabelecesse uma íntima relação entre a significação ideal das expressões linguísticas e o significar real dos atos expressivos da consciência. E a solução alcançada por Husserl traduz-se na tese de que entre a significação e o significar estabelece-se uma relação de espécie e indivíduo: a significação de uma expressão é uma espécie que se instancia em cada um dos atos de significar que tenham em comum uma mesma matéria intencional, isto é, visem um mesmo objeto de uma mesma maneira.
Já em 1908, num curso publicado postumamente sob o título de Lições sobre a teoria da significação, Husserl recupera e defende a concepção de significação das Investigações mas afirma que a significação pode ser tomada ainda num sentido distinto, resultante de uma alteração de foco na análise dos nces subjetivo e objetivo do ato de significar: enquanto a concepção das Investigações buscava apenas no que era característico das próprias vivências intencionais a essência da significação, Husserl propõe agora uma noção de significação como correlato objetivo dos atos significativos, ou seja, como o próprio objeto visado pela consciência, enquanto visado pela consciência, nas vivências intencionais significativas. A esta nova concepção de significação, Husserl dá o nome de significação ôntica ou fenomenológica (a qual equivale ao que Husserl mais tarde denominará significação noemática), contrapondo-a à antiga concepção das Investigações, à qual Husserl agora chama significação fânsica ou fenológica.
Em nossa comunicação, procuraremos mostrar como a concepção de significação ôntica apresentada em 1908 – a qual passa a se tornar a concepção preferida da fenomenologia transcendental de Husserl – altera o quadro da relação entre a significação e o referente linguístico que se podia depreender do texto das Investigações. Se em 1900/1901 Husserl apresentava uma noção de significação que, embora sem se identificar com qualquer momento ou parte real dos atos significativos, definia-se a partir de sua relação com a matéria intencional daqueles atos, e que assim se mantinha apartada da dimensão do objeto intencional visado por cada ato de consciência (isto é, o referente linguístico, no caso dos atos expressivos), a nova concepção de significação como correlato objetivo dos atos significativos transporta a significação para a mesma dimensão objetiva anteriormente reservada ao referente. Com efeito, a distinção entre significação e referente passa a ser a distinção entre dois tipos de objetos intencionais: por um lado, tem-se a significação como o objeto significado enquanto tal, o objeto no como da visada intencional significativa; por outro lado, tem-se o referente como o objeto simpliciter, “puro”, ao qual a expressão se refere. Esse emparelhamento não significa, é claro, que a distinção entre as duas noções tenha perdido sua relevância; afinal, Husserl ainda deve dar conta de como se constitui para a consciência o sentido de um mesmo objeto que apareça a cada momento sob aspectos diferentes. Mas, agora, o problema do referente ancestral, e do objeto intencional em geral, passará a se apresentar para Husserl como um problema de síntese de noemas tomados como diferentes aparições parciais e incompletas de um objeto idêntico a si próprio (o que Husserl chamará de X vazio no contexto de Ideias I).