RESUMO 25 | COMUNICAÇÕES
A fenomenologia dos costumes de Strawson: uma leitura kantiana
DIAS, João H. G. | USP, Brasil
Nesta comunicação, gostaríamos de apresentar o ensaio Freedom and Resentment de Peter Strawson como um projeto de fenomenologia dos costumes de inspiração kantiana. A influência de Kant sobre a obra de Strawson é notória — desde o exemplo óbvio dos seus comentários à Crítica da Razão Pura, até à metafísica descritiva de Individuals. Em Freedom and Resentment, particularmente, Strawson toma um caminho análogo ao traçado por Kant na Fundamentação da Metafísica dos Costumes.
Em refutação aos filósofos morais populares — aqueles que, ao gosto do público, mesclam à pureza da moralidade conteúdos advindos das inclinações —, Kant, na Fundamentação, busca na razão humana comum o fundamento da moralidade. É graças ao exame dos fenômenos que acompanham a razão comum na vida prática que Kant poderá produzir, na Primeira Seção da obra, o conceito de vontade boa, de valor moral da ação e de dever.
Reconhecendo na máxima de preservação da própria vida um fato do dever, Kant mostra como o valor moral da ação depende inteiramente da sua realização por dever e não da mera conformidade acidental entre máxima e ação. Não há valor moral em preservar a própria vida apenas em vista da satisfação das inclinações de felicidade; pelo contrário, a razão prática comum pode, prontamente, reconhecer o valor moral da conduta de um homem que, atormentado por grandes sofrimentos, preserve a própria vida por dever.
É fácil perceber como a Segunda Seção da Fundamentação — onde Kant enfrenta diretamente seus adversários — é dependente dessa fenomenologia da razão humana comum: antes de apresentar o princípio supremo da moralidade, Kant precisa mostrar o seu enraizamento no sujeito transcendental. Uma vez que o dever não se origina das inclinações, ele só pode encontrar sua fonte na razão prática, que dá a forma de universalização da lei moral.
De modo semelhante a Kant, Strawson, em Freedom and Resentment, procura, numa tentativa de compromisso com os céticos morais, produzir um argumento em defesa das ideias básicas da nossa vida moral a partir de uma fenomenologia do agir humano comum.
Num primeiro momento, Strawson examina sentimentos que temos em resposta às ações de outros, como a gratidão e o ressentimento. Tais quais eles aparecem no fluxo normal de nossas relações interpessoais, esses sentimentos são para nós e para terceiros que os testemunham respostas adequadas a determinadas condutas.
Num segundo momento, Strawson mostra que, igualmente, nossas práticas estritamente morais, como a imputação, a responsabilidade e a punição, encontram-se de tal modo enraizadas em nossas relações interpessoais que simplesmente não nos é possível adotar, de modo definitivo, um ponto de vista objetivo — isto é, que explique a ação unicamente como um produto de circunstâncias não atribuíveis ao agente.
Quando nos aproximamos do ponto de vista objetivo, transformando o perpetrador de um ato injusto em inimputável, por exemplo, invocamos uma série de razões que visam a mostrar que ele não é um indivíduo a ser julgado a partir dos conceitos comuns das nossas relações interpessoais. Abrimos exceções dessa natureza a crianças ou a pessoas com perturbações mentais, porque entendemos que há limitações objetivas, maiores ou menores, à sua capacidade de serem agentes morais responsáveis: a não responsabilidade pressupõe a responsabilidade moral.
Strawson pode, então, opor às objeções céticas aos conceitos básicos da moralidade a sua fenomenologia do agir humano comum. Imputação e responsabilidade não são formulações de um exame teórico do problema da ação livre num mundo de eventos necessários: são conceitos que se fundamentam em nosso ser pessoal.
Essa fenomenologia dos costumes permite identificar, no seio de nossas práticas morais, um contrafactual — o a priori de Kant, e os elementos gerais da estrutura conceitual humana de Strawson.