RESUMO 24 | COMUNICAÇÕES
Friedrich Schleiermacher e a concepção hermenêutica de universidade
DE OLIVEIRA, Rafael B. | USP, Brasil
A fundação da Universidade de Berlim, em 1809, foi talvez o momento mais importante para a consolidação do modelo de universidade de pesquisa com o qual se trabalha até hoje, embora já bastante transformado no decurso de mais de duzentos anos. Seu estabelecimento foi precedido de um intenso debate acerca de como deveria ser a futura universidade, sua estrutura, seus conceitos, suas divisões. A pedido de Wilhelm von Humboldt, o teólogo e filósofo alemão Friedrich Schleiermacher escreveu um projeto de instituição, num texto intitulado Pensamentos ocasionais sobre universidades em sentido alemão, no qual explicita sua concepção de ensino, formação [Bildung], ciência, cultura, universidade, entre outros. Ao lado de Schleiermacher, Johann GottliebFichte também contribui para a discussão, com seu Plano deduzido para uma instituição de ensino superior a ser construída em Berlim, projetando uma universidade de caráter sensivelmente distinto daquela concebida por Schleiermacher. Ambos os filósofos escrevem, naturalmente, tendo como antecedente histórico um texto de Immanuel Kant de 1798, O conflito das faculdades. Nesta apresentação, reconstruirei o texto de Schleiermacher realizando três movimentos convergentes: 1) apontar como o seu projeto de universidade reflete aspectos de seu projeto mais amplo de filosofia hermenêutica; 2) contrapô-lo aos projetos de Kant e Fichte; 3) mostrar, no parecer consolidado de Humboldt, Sobre a organização interna e externa das instituições científicas superiores em Berlim, de 1810, o que foi aceito e o que foi rejeitado do projeto de Schleiermacher, apontando, a um só tempo, limitações e potencialidades inexploradas decorrentes dessas escolhas.Esse percurso é de duplo interesse: por um lado, confere a oportunidade de examinar as divergências entre o criticismo kantiano, o idealismo fichteano e a hermenêutica de Schleiermacher tomando como caso de estudo um objeto comum – a universidade; por outro lado, dá subsídios para refletirmos sobre a atual situação das universidades e diagnosticar em que medida certos dilemas permaneceram ao longo de dois séculos. Tomando o texto de Schleiermacher como fio condutor, será possível recuperar a noção de formação [Bildung] como tarefa comunitária, o idioma como fator constitutivo dessa comunidade, a relação conturbada entre ciência e Estado, a coexistência de escolas, academias de ciência e universidades e até questões mais práticas, como a formação dos docentes, a estrutura das aulas e seminários e mesmo a autonomia universitária. Resistindo à tentação de realizar aproximações anacrônicas, transposições culturais e um salto não-mediado da teoria à prática, o reexame desse momento de elaboração conceitual e institucional pode ser de grande valia à comunidade filosófica e universitária em geral.