RESUMO 17 | COMUNICAÇÕES
A implicação formal na definição de Matemática nos “Principles of Mathematics” de Russell
AMATUCCI, Marcos | PUC-SP, Brasil
O projeto logicista iniciado por Frege e Russell consiste na fundamentação da matemática pela lógica. Seu surgimento está ligado à crítica à fundamentação transcendental de Kant, e à virada realista de Moore e Russell. Se a objetividade da geometria e da matemática não podem ser fundamentadas nas intuições puras do espaço e do tempo, outra fonte de fundamentação deve ser buscada.
Russell desenvolve os princípios de sua lógica de predicados (que precede a lógica de classes e a lógica de relações) a partir de axiomas da implicação formal. A partir deles é que define conjunção, disjunção e negação. Isto não surpreende pois a definição dos axiomas de um sistema lógico é arbitrária; definidos alguns operadores como princípios, os demais podem ser deduzidos a partir deles. A própria definição de matemática, cuja objetividade a lógica deve fundamentar, é construída em função da relação de implicação. Este trabalho compara o tratamento que a matemática recebe em Russell com o tratamento que recebe de alguns de seus contemporâneos, inclusive Hardy, seu colega no Trinity College; e em seguida expõe e comenta a construção tripartite da lógica russelliana no estado de desenvolvimento em que se encontrava no Principles of Mathematics de 1903.
O que é matemática para pura para Russell?
Se tomarmos, por exemplo, o livro A Course in Pure Mathematics de G. H. Hardy (contemporâneo de Russell no Trinity College), veremos que o livro inicia-se diretamente com a definição de números racionais: “...Uma fração r = p/q, onde p e q são inteiros positivos ou negativos, é chamada um número racional.” (p. 1). O livro de Hardy aqui é tomado como um exemplo do que Russell chama de “matemática usual”. Compare-se aquele primeiro parágrafo com o primeiro parágrafo de PoM:
“Matemática pura é a classe de todas as proposições da forma ‘p implica q’ onde p e q são proposições contendo ou mais variáveis, as mesmas nas duas proposições, e nem p nem q contém nenhuma (any) constantes exceto constantes lógicas.” (PoM §1)
A definição acima, de matemática pura como uma classe de proposições que contém uma implicação e contém variáveis e não contém constantes outras que não as lógicas, coloca a matemática pura russelliana num grau de generalização superior (na verdade dois graus) àquele que usualmente considera-se que a matemática possua. É uma definição que passou pelo processo de análise russelliana descrita mais adiante.
A utilização da implicação formal (vide discussão mais adiante) na definição de matemática pura tem para Russell a vantagem adicional de se considerar todas as afirmações da matemática como hipotéticas, independendo portanto da existência dos respectivos objetos.
Russell chega a essa generalização por substituições consecutivas de constantes por variáveis. Por exemplo, na implicação se Sócrates é grego então Sócrates é homem, uma primeira substituição nos traz se x é grego então x é homem. Individualmente, a veracidade destas funções proposicionais dependerá dos valores de x; a implicação, não obstante, é sempre verdadeira para qualquer valor de x; entretanto ainda depende de constantes não lógicas como “grego” e “homem” (sobre o problema desta implicação formal veja nosso próximo tópico). A mesma implicação com outras constantes pode não funcionar. Não é uma implicação formal. A matemática pura requer uma segunda generalização: no exemplo de Russell, se a e b são classes, e a está contido em b, se x é a então x é b. Agora temos apenas variáveis, e as constantes lógicas: “classe”, “está contido em” e “implica” (embutido na estrutura “se... então”).