A importância de Tomás de Aquino para uma perspectiva realista em gnosiologia.
Lucas Pereira Teixeira
É evidente que os filósofos modernos conseguiram avançar em muitos aspectos nas questões filosóficas sobre o conhecimento humano. No entanto, no interior de algumas obras de filósofos como Descartes, Hobbes e Locke, parece haver certa prescindência de alguns fundamentos ou pressupostos básicos dessa temática: por um lado, a independência da realidade externa com relação à consciência é posta de parte; por outro, dispensa-se que aquilo que é conhecido própria e primeiramente são objetos reais e exteriores.
No período moderno, de modo geral e influente, defendeu-se que a consciência é – primariamente ou, em alguns casos, somente – consciente do “eu” ou das suas próprias ideias. Apesar disso, longe de ter a mesma influência na contemporaneidade, essa postura gnosiológica e metafísica por vezes denominada “idealista”, foi sendo contraposta por outras perspectivas no século XIX e XX. E, claramente, uma dessas perspectivas é o realismo, seja este metafísico, gnosiológico, epistemológico etc. Os filósofos contemporâneos que assumem o realismo filosófico voltam a contextualizar o pressuposto da independência da realidade externa com relação à consciência e também as capacidades cognoscitivas do homem para apreender o real.
A partir dessas considerações, o presente trabalho procura discernir algumas das contribuições filosóficas de Tomás de Aquino para o realismo gnosiológico na filosofia contemporânea. Antes de qualquer discussão mais complexa, este trabalho visa apresentar parte dos aspectos mais elementares da gnosiologia de Tomás, que nem sempre são tratados e esclarecidos com cautela. Para que isso seja cumprido, definimos três objetivos: apresentar, de acordo com Tomás, como ocorre a percepção sensível dos objetos exteriores, destacando sua importância para o ato do conhecimento intelectual; distinguir as principais funções intelectivas para o conhecimento do real; mostrar o papel da espécie inteligível no conhecimento intelectual, ressaltando o seu valor para o realismo filosófico de Tomás de Aquino.
Com base nos objetivos listados, podemos dividir a exposição, igualmente, em três partes. Na primeira, explicaremos a divisão das potências sensitivas feita por Aristóteles e recebida por Tomás. Um dos pontos importantes aqui é que a consciência, pelos sentidos, tem acesso aos objetos exteriores, não apenas às suas próprias representações. Daremos enfoque à uma potência sensitiva específica, a imaginação, porque segundo Tomás é impossível que o intelecto, de acordo com o estado da vida presente, intelija algo em ato, senão voltando-se para as imagens (convertendo se ad phantasmata). Na segunda parte, diferenciaremos e apresentaremos as seguintes funções: a) intelecto agente; b) intelecto possível ou passivo. Tomás de Aquino – pela via aristotélica – sustenta que o intelecto pode conhecer o que é real, mas os objetos materiais do mundo físico não são, objetivamente, inteligíveis em ato. As coisas, enquanto individuais, não são objetos próprios do intelecto. Antes, o objeto próprio do intelecto é a quididade ou a natureza universal existente na matéria. Por isso, por um lado, é necessário afirmar uma potência intelectiva que abstraia o universal das condições individuais; por outro, é mister afirmar uma potência que receba o produto da abstração operada. Cumprem essas funções, respectivamente, o intelecto agente e o intelecto passivo. Por fim, na terceira parte, esclareceremos que a espécie inteligível é justamente o produto da abstração operada pelo intelecto agente e, mais relevante do que isso, que ela é uma semelhança do conhecido no cognoscente. A tese principal que se segue disso é a de que a semelhança real recebida no intelecto não é “aquilo que é conhecido”, mas “aquilo pelo qual se conhece” as coisas. Assim, com essas teses de Tomás de Aquino, pretendemos clarificar a importância de sua produção filosófica para uma postura realista em gnosiologia.