Análise da abordagem fenomenológica ricoeuriana da memória e da imaginação para a hermenêutica histórica
Sanqueilo de Lima Santos
Na parte inicial de A memória, a história, o esquecimento (2000), Paul Ricœur tematiza e discute as instabilidades semânticas latentes na noção de memória e, devido às correlações estreitas que guarda com a mesma, a noção de imaginação. O posicionamento ricoeuriano de que, em última análise, o sentido da História haure sua validade do fenômeno da memória, o impele a conquistar primeiro o fenômeno da memória individual, para que possa, em seguida, alcançar a memória coletiva e, só então, ingressar no campo da história. A investigação prossegue na direção da estabilização do núcleo originário do respectivo sentido. As leituras da filosofia moderna, das fontes científicas e psicanalíticas passam ter lugar graças ao campo de questões abertas pela exploração das analogias fundantes que, na antiguidade, forneceram os primeiros elementos para construir, ao nível da formulação teórica, o significado desses conceitos. Nessa abertura, contudo, são orientadas pela, assim chamada “fenomenologia fragmentada” da memória, que baliza a discussão em uma “tipologia ordenada” de três pares de opostos, a saber: (1) memória como hábito e como recordação; (2) evocação e busca e (3) reflexividade e mundanidade. Ricœur explora a tradição do “olhar interior”, voltada para fenômeno privado da memória e, após defrontar as aporias desse caráter privativo na ocasião em que o passado vem à tona na “fase declarativa” da memória, a dimensão pública e intersubjetiva da memória emerge, inevitavelmente, junto com o elemento simbólico e discursivo no qual se dá a fase declarativa. A incorporação simbólica da memória coletiva arrasta a investigação para o campo da hermenêutica. A hermenêutica fenomenológica, convocada para abordar a “memória coletiva” e ingressar na epistemologia da história, delineia-se, portanto, com a retomada crítica da fenomenologia husserliana da consciência interna do tempo. Segundo Ricœur, a principal lacuna da descrição husserliana da consciência interna do tempo reside em que, a partir de seus premissas e seu método idealista, não tem lugar e não é possível encontrar lugar para o fenômeno do “reconhecimento”, esse fenômeno que pressupõe uma zona indistinta do próprio sujeito entre memória e esquecimento, portanto um possível hiato entre o sujeito e seu passado, um sujeito cuja consciência não coincide inteiramente com a totalidade de seus vividos e que torna o passado irredutível ao “agora pontual” husserliano. Na presente exposição, pretende-se traçar a contribuição do percurso ricoeuriano para a circunscrever o sentido originário da memória, para ele, indispensável para a epistemologia da história, porém concentrando a análise nas característica da imaginação, e no papel exercido por ela na incorporação simbólica constitutiva da memória coletiva.