KANT E O PROBLEMA DO FIO CONDUTOR PARA A DESCOBERTA DE TODOS OS CONCEITOS PUROS DO ENTENDIMENTO
Orlando B. Linhares
Na Crítica da Razão Pura e nos Prolegômenos a Toda Metafísica Futura, Kant argumenta que é através da lógica formal que a lógica transcendental é elaborada e o ponto de transição da primeira para a segunda é estabelecido na Dedução Metafísica.
No § 26, na segunda edição da Crítica da Razão Pura, a Dedução Metafísica é apresentada como a investigação sobre a origem a priori das categorias (conceitos puros do entendimento) a partir das funções lógicas dos juízos. Esta investigação é denominada Do Fio Condutor para a Descoberta de Todos os Conceitos Puros do Entendimento e é desenvolvida no capítulo I do livro primeiro da Analítica dos Conceitos, nas duas edições da Crítica da Razão Pura, e Kant tem a pretensão de apresentá-la de forma completa e acabada, pois é do seu sucesso que toda a filosofia crítica pode ser apresentada na forma de um sistema.
Do ponto de vista transcendental, a tábua das categorias desempenha um papel fundamental na arquitetônica da Crítica da Razão Pura, estabelecendo quais problemas devem ser abordados por esta obra e em qual ordem, quais são solúveis e quais são falsos problemas filosóficos.
Na Dedução Metafísica, Kant argumenta não apenas que a tábua dos juízos é completa, acabada e se constitui em um sistema, mas também que a tábua das categorias é derivada dela; a tábua das categorias proporciona, por sua vez, o plano para os Princípios do Entendimento Puro; na Dialética Transcendental, as ideias da razão encontram o seu fundamento, justificação e sistematização nas tábuas dos juízos e das categorias; por fim, a Doutrina Transcendental do Método encontra o seu lugar e a sua justificação nestas tábuas.
A Dedução Metafísica é um dos capítulos mais problemáticos da Crítica da Razão Pura e a que recebeu as objeções mais severas. Neste capítulo, Kant busca fazer a passagem da lógica formal para a lógica transcendental. Muitos defendem que Kant não apenas não realiza o seu projeto, mas que ele é inexequível e artificial. A crítica mais rigorosa consiste em que a premissa da Dedução Metafísica é infundada, o argumento é incorreto e a conclusão é falsa. Segundo Hegel, na Ciência da Lógica, as objeções de Kant a Aristóteles de que as categorias são adquiridas de maneira rapsódica e por indução se voltam contra ele mesmo; em Kant e o Problema da Metafísica, Heidegger não apenas questiona a derivação da tábua das categorias a partir da tábua dos juízos, mas põe em dúvida o próprio fio condutor para descobri-las; na introdução à tradução das Lectures on Logic, Michael Young sustenta que Kant não tem grandes contribuições ao desenvolvimento da lógica formal e que ele falha em elaborar a lógica transcendental a partir da lógica formal; e em Kant's Classification of the Forms of Judgment, Lovejoy argumenta que não é da tábua dos juízos que a das categorias é deduzida, mas Kant elabora inicialmente a lógica transcendental e em seguida recorre à lógica formal para atribuir à tábua das categorias um caráter completo e sistemático.
Argumento nessa comunicação que a exequibilidade da Dedução Metafísica exige de Kant a reelaboração da lógica formal ao mesmo tempo em que ele concebe a lógica transcendental. Dito de outro modo, Kant não compreende a lógica formal como um fato acabado da razão teórica, mas a reformula ao mesmo tempo que elabora a lógica transcendental para poder fazer a passagem da tábua dos juízos para a das categorias e vice-versa.