Materialismo e Subjetividade em Marx a partir da interpretação fenomenológica de Michel Henry
Diego Azizi
Michel Henry (1922 -2002), filósofo contemporâneo nascido no Vietnã e formado na França, considerado como um dos últimos a construir um sistema completo de filosofia, é reconhecido como um dos maiores pensadores franceses da segunda metade do século XX. Formado na tradição fenomenológica iniciada por Franz Brentano (1838 – 1917), mas desenvolvida e radicalizada por Edmund Husserl (1859 – 1938), Henry se propõe um novo método através da fenomenologia para buscar uma essência ideal de mundo que se afaste das ideologias científicas, biológicas e psicológicas a partir de dois movimentos que estruturam seu pensamento: a crítica à filosofia tradicional e a proposta de um método fenomenológico de investigação da vida no advir de si mesma como páthos.
Essa busca da essência puramente fenomênica do mundo já foi empreendida por Husserl a partir da descoberta do mecanismo da “redução transcendental” em meados de 1906. Segundo Husserl, a redução é o único caminho para estabelecer os verdadeiros problemas do conhecimento. Na vida cotidiana nós nos movimentamos no âmbito da atitude natural, ou seja, as relações que travamos com os fenômenos já estão impregnadas de interpretações, de pressuposições. Contudo, há uma realidade que não pressupõe o sujeito para existir. Existe um mundo externo à consciência (pressupomos um mundo transcendente do qual fazemos parte). Para Husserl a própria ciência pressupõe a existência desse mundo que nos esforçamos para conhecer. Nesse sentido, a redução seria a suspensão da “tese do mundo”, ou seja, colocar entre parênteses que o mundo existe tal como o apreendemos a partir de nossos pressupostos. Essa suspensão é chamada por Husserl de epoché. Uma ciência de rigor deve realizar esse movimento, que habilita a essência fenomenológica do objeto que pretende conhecer, sem pressupô-lo como óbvio e já dado. Contudo, essa suspensão não é a negação da tese da existência do mundo. Ela apenas é suspensa para que tenhamos acesso ao mundo mesmo, sem os pressupostos que carregamos em relação a ele. Quando suspendemos essa tese o que nos resta é o fenômeno puro. Nisso consiste a palavra de ordem de Husserl de que devemos voltar às coisas mesmas.
Partindo desse mecanismo, Michel Henry, herdeiro dessa tradição fenomenológica husserliana, propõe um uso do mecanismo da redução para a interpretação da filosofia de um autor que nunca cessa de ser polêmico: Karl Marx (1818 – 1883). Henry acredita que a filosofia de Marx está impregnada de más interpretações a partir de um obstáculo que separa Marx e nós. Esse obstáculo é o marxismo. Nesse sentido, afirma Henry, Marx ainda é um pensador desconhecido. Ao ser usado apenas para a ação política e seus problemas, o marxismo apenas considerou da obra de Marx aquilo que ajudasse e fortalecesse essa ação. Com isso, textos fundamentais do filósofo alemão permaneciam inéditos e desconhecidos e, uma vez publicados, causaram estranheza na tradição marxista já consolidada, já que a interpretação politicamente interessada alterou as intuições originais de Marx.
A partir de Henry, afirmaremos que o marxismo se movimenta a partir de certa atitude natural, pressupondo um Marx que não é essencial. É preciso que operemos uma redução fenomenológica para que retornemos às suas intuições originais. Isso pressupõe colocar em parênteses o conteúdo específico do marxismo e voltar a Marx.
O que nos proporemos é voltar ao sentido originário do conceito de materialismo em Marx, que Michel Henry interpreta como subjetividade, e apontar como essa intepretação muda radicalmente o sentido de sua filosofia. A partir dessa volta ao Marx mesmo, Michel Henry descortina um Marx como pensador da vida humana, da vida mesma, consagrando-se como um dos maiores pensadores de todos os tempos.