Sobre a indeterminação da tradução na tradução de Quiddities
Camila Bozzo
Essa comunicação pretende apresentar o recorte da filosofia de Willard van Orman Quine que concerne à área dos Estudos da Tradução. A partir da discussão dos processos – que vão desde a escolha de termos no português até a compreensão dos conceitos como um todo – que envolvem a tradução do dicionário "Quiddities", elaborado livremente pelo autor, objeto do meu projeto de doutorado, pretende-se investigar em que medida a seleção de verbetes feita por Quine contém em si questões que concernem ao conceito de indeterminação da tradução. Esse conceito foi apresentado pela primeira vez no artigo “Meaning and translation”, de 1959; é nesse artigo também que, pela primeira vez, Quine discorre sobre o exemplo do “gavagai”, termo símbolo para representar a indeterminação da tradução: há uma incerteza quanto ao que se refere um nativo quando aponta para um coelho passando à sua frente e pronuncia a palavra para um indivíduo que não fala a língua Arunta. Todos esses elementos foram, depois, expandidos na obra “Palavra e objeto”, de 1964. Em 1970, Quine, em “On the Reasons for Indeterminacy of Translation”, responde à crítica ao debate gerado em torno das reflexões acerca dos eventos que envolvem aquele exemplo. Embora sempre associado ao autor, a indeterminação da tradução não é uma entrada no dicionário e também não é considerado um conceito chave na filosofia de Quine por alguns comentadores, mas consequência de outras questões.
Nota-se, por um lado, nos trabalhos mais recentes publicados sobre o autor e que se referem à tradução uma dedicação aos termos “tradução radical”, como conceito chave para a filosofia da linguagem do autor, e “indeterminação da tradução” como é o caso dos artigos reunidos na coletânea organizada por Roger F. Gibson Jr. (2006). Há, por outro lado, tentativas recentes de se refutar este último, especialmente se pensado em conjunto com a noção de Quine de epistemologia naturalista (OLIVEIRA: 1986/87); (CAÑAMARES: 2013). Refuta-se também a ideia de a indeterminação da tradução poder ser vista como conceito fundamental em Quine, como comenta Severo (2011, p. 101): aquela não seria fundamental na obra de Quine à medida que não haveria nenhuma outra doutrina que dela dependesse. Muito pelo contrário, é a indeterminação que depende de outras teses do autor para se sustentar – a saber o holismo e o naturalismo.
A tarefa é, portanto, investigar, se mesmo apenas sugerida ao longo dos termos definidos em "Quiddities", a indeterminação da tradução se sustenta como um conceito, uma doutrina ou se, de fato, esse conceito é única e exclusivamente derivado de outros elementos da filosofia quineana. Afinal, é importante ressaltar que a defesa de Quine a respeito da importância do contexto e suas circunstâncias para a compreensão adequada de uma sentença não é um argumento superado.