A insuficiência da sintaxe para compreensão segundo o argumento do quarto chinês de John Searle
Bianca Camargo
Nesta comunicação, pretendemos analisar o experimento mental conhecido como quarto chinês (the Chinese room argument), proposto por John Searle e exposto em “Mentes, cérebros e programas” (1981). A importância de tal empreitada faz-se relevante por dois motivos básicos. O primeiro consiste no fato de que esse argumento serve de fundamento à refutação da existência de uma inteligência artificial no sentido forte (strong artificial intelligence). O segundo, por sua vez, é-nos particularmente interessante por endereçar a especificidade do processo cognitivo-psicológico de compreensão (understanding), sendo esse de natureza exclusivamente humana por requerer a semântica em soma à sintaxe. Pode-se dizer, por conseguinte, que a teoria da mente que desejamos abordar repousa seus pilares na dinâmica da linguagem, tornando manifesta uma das intersecções mais férteis nas origens da filosofia contemporânea. Cabe esclarecer que, por inteligência artificial (IA) no sentido forte, entendemos uma máquina computacional programada de forma a performar estados cognitivos intencionais, como, por exemplo, entender as ações que lhe foram ordenadas. Nesse aspecto, uma IA no sentido forte reúne em si características da IA no sentido fraco, isso é, a capacidade de ser um instrumento mais rigoroso para simulações de hipóteses para o funcionamento da mente, além da habilidade de exercer atividades cognitivas se corretamente programada. Pode-se inferir, portanto, que, nesse caso, uma IA no sentido forte não só ajudaria a pesquisar sobre a mente, mas seria uma de fato. O filósofo estadunidense rejeita essa última tese, declinando a ideia de que a implementação e a execução de programas serviriam de explicação para o funcionamento de qualquer mente, seja por simulação, seja por duplicação. Para dar respaldo à sua objeção, Searle lança mão da seguinte situação: um nativo da língua inglesa é deixado em isolamento em um quarto, com a exceção de mensagens que lhe chegam em chinês, nomeadas “questões”. O indivíduo não é capaz de entender a língua chinesa em nenhuma de suas formas – nem a escrita, nem a falada. Não consegue também reconhecer nenhum traço ou distingui-lo de outros idiomas ou de meros rabiscos sem significado. A esses textos, adicionam-se dois. Um deles está exclusivamente em chinês, rotulado de “história”. O outro, identificado por “programa” está em inglês, determina os padrões de relação entre perguntas e respostas a serem obedecidos e acompanha um conjunto em chinês, denominado “roteiro”. A tarefa do anglófono é a de gerar respostas em chinês às perguntas inseridas no quarto com base nas regras, redigidas em sua língua materna, de correspondência entre os símbolos. Alguém que seja alheio ao processo interno, que só tenha acesso às entradas e às saídas e que seja nativo de chinês não será provavelmente capaz de distinguir a natureza do material disponibilizado e a de um produzido por um falante real de chinês. Na medida que as regras do programa forem aperfeiçoadas e as respostas, melhoradas, o grau de possível diferenciação será continuamente diminuído. No entanto, esse cenário externo não é suficiente para que se possa afirmar que o nativo da língua inglesa é capaz de entender chinês. Não se nega a associação adequada entre conjuntos de símbolos formais, ou seja, à semelhança de certo formato de ideograma, devolve-se outro conforme estabelece o algoritmo. Além da manipulação formal, porém, não há significação em seu processamento interno. Conclui-se, logo, que como um programa instanciado, é possível realizar computações, sem, todavia, gerar compreensão genuína pelo anglófono. Ora, enquanto a semântica é condição necessária à compreensão; a sintaxe não é razão suficiente. Assegura-se, por fim, a validade do raciocínio tecido no argumento do quarto chinês para estabelecer a compreensão como fator diferenciador e específico da mente humana em detrimento a quaisquer inteligências artificiais.