A universidade depois dos 30: Como é a UnB para estudantes mais velhos?

Universidade tem maioria dos graduandos de 19 a 29 anos, com apenas 5% dos estudantes de 30 a 39 anos e 3% com mais de 40


Por Júlia Cerejo

“Não choramos, amigo, a mocidade! Envelheçamos rindo! Envelheçamos como as árvores fortes envelhecem”. É desta forma que Olavo Bilac (1985-1918) se refere ao ato de envelhecer no poema “Velhas Árvores”. Assim como o poeta parnasiano escreveu, a sociedade aprendeu a envelhecer ao longo dos anos. É o que apontam dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2021, que revelam que a expectativa de vida do brasileiro é de 77 anos.  

Com um aumento no tempo de vida, os planos para o futuro mudam, incluindo a possibilidade de estudar, como explicou a psicóloga clínica Michele Cabiló. “Temos conseguido ressignificar essas situações. Então, vemos que hoje você começar uma profissão ou mudar aos 45, 50 anos não é tarde, muito pelo contrário, ainda tem muita coisa que você consegue conquistar", afirmou ao Campus Multiplataforma

Na Universidade de Brasília (UnB), entretanto, estudantes com mais de 30 anos são minoria. Segundo o Anuário Estatístico de 2022, o percentual de alunos na graduação de 19 a 29 anos é predominante, com 61% dos graduandos. Em comparação, aqueles com 30 a 39 anos são só 5% e os que têm mais de 40 anos somam o menor percentual: apenas 3%. 

Desafios e recomeços

Vivacidade. É assim que a graduanda em Jornalismo Luciana Duarte, de 50 anos, define como é estar na UnB. Policial durante 25 anos de sua vida, agora, a estudante se dedica a um curso na área da Comunicação e destaca que nunca deixará de estudar. Atualmente, está próxima do final do curso, no processo de escrita de seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

“Eu sempre fui movida por desafios. E nesse sentido fazer uma graduação, ela é desafiante", declarou a estudante, que fez o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) em 2018 e veio transferida da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). 

Para Luciana, a convivência com outros estudantes mais jovens na Universidade é enriquecedora. Segundo ela, a troca de conhecimentos deve partir de ambos os lados, independente da idade. 

"[Na graduação] Você não tem uma linha de pesquisa como tem na pós-graduação, stricto sensu. Você está vendo um pouquinho de tudo e você está convivendo com pessoas que estão procurando o que ainda vão fazer na vida", disse.

Segundo a Academia Brasileira de Letras (ABL), etarismo é definido como a "discriminação e preconceito baseados na idade, geralmente das gerações mais novas em relação às mais velhas". Com a maior presença de pessoas mais velhas em ambientes diversos, como nas universidades, episódios de preconceito também se tornaram mais frequentes. 

"O que a gente vê mais comum são jovens entre 17 e 23 anos ingressando nas faculdades. Quando passa muito disso é visto com preconceito mesmo, da questão de quando é a primeira graduação de uma pessoa com mais de 30 anos, as pessoas olham e falam: 'Caramba o que aconteceu?'", explicou Cabiló.

"Vem com muito preconceito essa questão. E acaba acontecendo até uma certa distinção e afastamento entre as pessoas mais jovens com os mais velhos", concluiu a psicóloga. 

Em 2023, a Câmara de Direitos Humanos (CDH) da UnB aprovou a Política do Envelhecer Saudável, Participativo e Cidadão (PESPC) –que foi implantada na instituição com os seguintes objetivos: 

A iniciativa surgiu a partir de um grupo de trabalho ligado à Diretoria de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária (Dasu) que tratava do envelhecimento saudável.

Ao Campus, Luciana disse que nunca experimentou preconceito por conta da idade dentro da UnB, mas conta que por vezes é tratada como professora, confundida com um estudante de doutorado ou até como mãe de algum estudante. 

“Não necessariamente preconceito de descriminar, mas pré-conceito de que pessoas mais velhas não fazem graduação, não é um momento”, ressaltou. 

Luiz Antônio Alves, de 41 anos, está na segunda graduação e é aluno de Ciências Biológicas na universidade. Formado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), também considera que nunca sofreu preconceito relacionado à idade. Porém, assim como Luciana, disse já ter sido confundido com estudante de mestrado e doutorado.   

UnB: lugar de acolhimento e de empoderamento 

Para o Luiz Antônio, a universidade é um local acolhedor: “Eu acho a UnB um ambiente muito inclusivo, que lida com as diferenças e com a diversidade de uma maneira muito à frente do resto da sociedade. Eu acho que é um ambiente privilegiado nesse aspecto”. Ele relembrou o caso ocorrido em uma faculdade particular em Bauru (SP) em março deste ano em que uma mulher com 40 anos sofreu preconceito por conta da idade.

Em entrevista ao Campus, Luiz Antônio ainda recordou a indecisão que sentiu quando iniciou sua primeira graduação, diferente do momento atual, em que atribui a maturidade como a principal mudança. 

"O ponto maior não é a questão da pressa, é a questão de não ter essa obrigação e essa urgência para me formar, que me permite fazer o curso de uma maneira mais leve", disse. 

"Não no sentido de não comprometimento, mas, por exemplo, eu me permito pegar matérias na Física, na Química e viver o curso de uma maneira mais ampla. Eu poderia ter feito na minha primeira graduação, mas eu tinha a ideia de que eu tinha que terminar tudo muito preciso", contou o estudante. 

Já a graduanda do terceiro semestre de licenciatura em Letras Espanhol, Martha Moya, de 53 anos, administra uma vida com filhos, casamento, demandas da casa e do trabalho, mas sempre reserva o seu momento de estudar. 

Na terceira graduação, a estudante define a UnB como sua “terapia diária” e espera que a formação no curso lhe permita ter novas experiências, além da vontade em ajudar as pessoas. 

Quando a vida toma outros rumos


Camila Vianna, de 36 anos, ingressou na UnB em 2022 por meio do programa Portador de Diploma e, assim como Luiz Antônio Alves, está no curso de Ciências Biológicas. Com uma primeira formação em Zootecnia, a estudante teve de parar a vida acadêmica para cuidar dos filhos. "A vida dá pancada", relembrou.

“Como já passei por todo esse processo da primeira graduação de querer me formar logo, vi que depois de formado não é aquele mar de rosas que a gente sempre acha [...] Então, procurei uma segunda graduação para tentar um emprego melhor”, disse a estudante, que citou as dificuldades em conciliar a universidade com o trabalho, casa e filhos. 

Ao explicar a respeito da entrada de pessoas mais velhas, a psicóloga Michele Cabiló ressaltou como as dificuldades sociais e financeiras também são um fator que influenciam em uma entrada tardia na graduação.

“A gente enxerga que hoje as pessoas estão, por exemplo, saindo cada vez mais tarde da casa dos pais, ou seja, começando uma vida profissional mais tarde. Agora, isso é mais na classe média a alta. Porque as pessoas de classe baixa não podem ter esse privilégio de não trabalhar, por exemplo. Aí, as pessoas de classe mais baixa vão ingressar na faculdade bem mais tarde, porque as condições inicialmente não permitem”, esclareceu a profissional.  

Camila, por exemplo, teve seu primeiro filho aos 15 anos e iniciou a primeira graduação aos 17 anos. Ao finalizar seu curso, a estudante tinha duas crianças para cuidar e foi obrigada a sair do Distrito Federal por conta das agressões que sofria do seu companheiro, na época. 

Hoje, mãe de três, a estudante define a UnB como sua luta diária e ressalta a busca por ter uma carreira melhor. 

Ao falar do ingresso na UnB depois dos 30 anos, a estudante enfatiza como nunca é tarde. “A vida da gente dá um atraso, mas não significa que lá na frente não possa dar um salto", declarou ao Campus Multiplataforma.

Esta reportagem foi editada por Isadora Albernaz