“Miro Martelo: entre a estrada de terra e o imaginário”, de Ana Carolina Chini (RS)

Miro Martelo: entre a estrada de terra e o imaginário

’Miro Martello: entre a estrada de terra e o imaginário’’ é a primeira pesquisa e produção fotográfica dedicada à produção de Miro, agricultor familiar que nasceu e viveu na Capela de São Roque, área rural de Antônio Prado, e faleceu no ano de 2021. Antônio Prado é uma cidade turística da serra gaúcha, conhecida pela preservação do patrimônio construído a partir da colonização italiana.

Para além do orgulho da imigração italiana difundido pelo turismo, existem histórias outras que acabam ficando à margem, como é o caso de Miro Martello. Ao longo de toda sua vida, o agricultor construiu à mão grandes esculturas da figura humana, utilizando barro, areia e cimento como material e as mantendo sempre expostas à beira da estrada que circundava sua propriedade. Também, incorporava a elas objetos como partes de bonecos, bijuterias, estátuas religiosas e carcaças de animais que encontrava na mesma estrada. Suas produções nunca foram de fato finalizadas, uma vez que estando sujeitas a ação do tempo e do barro, modificam-se conforme o passar dos anos. 

Quando o artista faleceu em 2021, poucas pessoas da cidade conheciam seu trabalho, realidade que se mantém até os dias de hoje. A série fotográfica conta uma história que ficou esquecida pelos moradores da região. Além disso, também narra visualmente meus laços com o artista, que se estabeleceram ao longo de uma jornada de mais de duas décadas de contato. Conheci Miro durante minha infância, através de minha avó artista. A partir daí, mesmo após o falecimento de minha avó, meu contato com Miro passou a ser mais frequente. 

Na exposição, além de fotografias feitas ao longo desses anos, trago a público vídeos de conversas informais e relatos escritos, onde Miro Martello fala sobre sua vida e produção. A série contempla registros realizados poucos meses antes de seu falecimento, causado por um câncer na mão, que foi agravado pelo manuseio de materiais pesados como o ferro e o cimento, o impedindo de produzir em seus anos finais. 

Apesar de não se considerar um artista, nos códigos que conhecemos, Miro sempre orgulhou-se daquilo que produzia. Qualquer um que chegasse até sua propriedade, era convidado a ver as esculturas, uma a uma. Quando perguntado sobre suas referências visuais, afirmava que criava “no escuro”, ou a partir daquilo que via trabalhando na roça. 

A importância da exposição vai além do laço afetivo construído entre a fotógrafa e o artista ao longo do tempo, importando-se em contar uma história que, não fosse a possibilidade do registro, sumiria no tempo assim como o pó da estrada. Para além da romantização do artista eremita, o trabalho de Miro Martello abre brechas para discussões do nosso tempo atual, pensando nos limites entre arte popular e artesanato. Mas além disso, também nos propõe reflexões em relação aos limites do próprio sistema da arte oficial e dos sistemas autônomos que constroem-se nos interiores, onde as instituições não alcançam.

Galeria de Imagens

Ana Carolina Chini (RS)

Ana Carolina Chini (1996, Antônio Prado/RS) é fotógrafa e artista visual. Formou-se em Fotografia pela ESPM-Sul, em 2016. É graduanda em Artes Visuais pela UERGS. Atua na área de Fotografia, Arte, Educação e Pesquisa Científica. Faz parte do grupo de pesquisa FLUME, pesquisando em História e Crítica da Arte. Sua pesquisa poética desenvolve-se a partir de pontos de tensão compreendidos nas noções de interior, contexto onde nasceu e cresceu. Além disso, em sua produção, busca problematizar o imaginário criado e reforçado pela imigração. Dos projetos mais recentes, destaca-se a participação como uma das artistas residentes no Grande Hotel Canela, através da IEAVi Residência Artística em 2022.