A readmissão hospitalar refere-se ao retorno não planejado de um paciente ao hospital dentro dentro de um período curto, como 30 dias após a alta (Dhaliwal; Dang, 2024). Esse fenômeno resulta de uma combinação de fatores. Entre eles estão a complexidade do estado clínico do paciente e dificuldades na continuidade do cuidado após a alta. A sobrecarga das equipes de saúde também podem contribuir para readmissões, pois decisões precisam ser tomadas com rapidez, o que aumenta o risco de altas hospitalares serem concedidas precocemente (Võ et al., 2025).
Figura 1 - Ciclo Simplificado de Readmissão Hospitalar
Readmissões representam um desafio constante em sistemas de saúde no mundo todo. Nos Estados Unidos, por exemplo, a taxa de readmissão em até 30 dias permanece em torno de 14%, totalizando cerca de 3,8 milhões de readmissões apenas em 2018 (Jiang; Hensche, 2023). Cada episódio custa, em média, US$ 16.300, valor aproximadamente 12,4% maior que o da internação inicial (Weiss & Jiang, 2021). Nesse cenário, reduzir readmissões torna-se fundamental, especialmente devido aos seguintes problemas que elas podem trazer (Dhaliwal & Dang, 2024):
Impacto ao paciente: desgaste físico e emocional, maior risco de complicações e perda de confiança no cuidado, o que pode reduzir a aderência ao tratamento após a alta.
Impacto financeiro: custos adicionais tanto para pacientes quanto para hospitais e sistemas de saúde.
Pressão sobre recursos: ocupação de leitos que poderiam atender novos casos e desvio de equipes e recursos clínicos de outros pacientes.
O uso de técnicas de Machine Learning tem se tornado cada vez mais comum no apoio à tomada de decisões em saúde, especialmente quando há grande volume de dados a analisar e pouco tempo para avaliação clínica. Essa abordagem ganha ainda mais relevância quando se considera que uma parcela significativa das readmissões pode ser evitada: uma revisão sistemática estimou que cerca de 27% dos retornos hospitalares poderiam ser prevenidos, com estudos apontando valores ainda maiores dependendo do contexto (Walraven et al., 2011).
Nesse cenário, prever o risco de readmissão pode trazer benefícios concretos para diferentes stakeholders:
Equipes de saúde: identificam antecipadamente pacientes de maior risco e ajustam planos de cuidado.
Pacientes: maior consciência sobre próprio risco de readmissão, favorecendo a adesão às orientações pós-alta.
Gestores hospitalares: otimizam a ocupação de leitos e reduzem custos associados a readmissões evitáveis.
O objetivo científico deste projeto é investigar modelos de deep learning com mecanismos de atenção (Vaswani et al., 2023), amplamente usados em arquiteturas modernas como os Transformers, e avaliar seu potencial na tarefa de prever readmissões hospitalares em 30 dias. Como muitos pacientes passam por várias internações ao longo do tempo, o problema tem uma natureza longitudinal. Isso abre espaço para modelos capazes de identificar quais partes do histórico do paciente são mais relevantes para a decisão final (Choi et al., 2017).
Especificamente, o projeto foca na previsão de readmissões para pacientes com internações recorrentes, ou seja, casos em que existe um histórico a ser explorado. Como o conjunto de dados utilizado é limitado, o estudo também analisa versões simplificadas dos mecanismos de atenção, buscando evitar problemas de overfitting (baixo desempenho preditivo por excesso de complexidade).
Nesse contexto, a motivação central é entender se esses modelos conseguem extrair informações do histórico do paciente de forma mais rica e eficiente do que abordagens tradicionais, que muitas vezes dependem de resumos simplificados das internações anteriores. Além disso, os mecanismos de atenção permitem que o modelo destaque os elementos mais importantes da entrada, o que ajuda na interpretação de suas decisões e pode contribuir para maior explicabilidade.
Um exemplo de modelo analisado é apresentado na figura a seguir
Figura 2 - Arquitetura SimpleAttnPoolCurrQuery Criada e Investigada no Projeto
O diagrama da Figura 2 ilustra a arquitetura SimpleAttnPoolCurrQuery, um modelo que combina informações do histórico de internações do paciente com os dados da internação atual. O mecanismo de atenção é utilizado para identificar quais visitas passadas são mais relevantes para a previsão, gerando pesos que destacam esses eventos. Em seguida, uma representação compacta do histórico é combinada com as características da internação atual e enviada a uma rede classificadora, que estima o risco de readmissão.
O projeto possui dois macro-objetivos: um científico, focado na investigação de novos modelos, e um prático, dedicado ao desenvolvimento de um MVP que ilustra o uso desses modelos na prática.
O objetivo prático é desenvolver uma aplicação Web, utilizando Streamlit (frontend) e FastAPI (backend), para demonstrar como o modelo poderia ser utilizado na prática em hospitais. O protótipo demonstrativo apresenta:
previsões do modelo,
métricas de desempenho,
gráficos de explicabilidade mostrando as variáveis mais influentes em cada caso.
A arquitetura de software da aplicação é ilustrada na Figura 3 abaixo.
Figura 3 - Arquitetura da Aplicação Web do Projeto (MVP)
Após as etapas de pré-processamento, seleção de variáveis e ajuste de hiperparâmetros, o desempenho preditivo final de diferentes abordagens testadas foi avaliado. A Figura 4, ao lado, mostra os valores finais da métrica Area Under the Curve (AUC) obtidos.
Figura 4 - Resultados Finais de Desempenho Obtidos para Modelos Clássicos e de Deep Learning
Observa-se que os modelos clássicos — Regressão Logística e Random Forest — alcançaram AUC entre 0,61 e 0,63, enquanto os modelos de deep learning, incluindo arquiteturas com mecanismos de atenção e uma arquitetura sequencial (Gated Recurrent Unit - GRU), apresentaram resultados muito próximos (0,60 a 0,62). Essas diferenças são pequenas e podem variar conforme as amostras utilizadas no treinamento e teste, indicando que nenhuma abordagem apresentou vantagem consistente.
Do ponto de vista científico, os modelos com atenção não conseguiram extrair padrões adicionais relevantes do histórico dos pacientes, de modo que fosse possível obter ganhos de desempenho. Isso se deve principalmente a duas limitações do conjunto de dados de treinamento utilizado: poucas amostras (dados médicos longitudinais são caros e difíceis de obter), históricos muito curtos, com poucas internações anteriores disponíveis, e variáveis pouco informativas, compostas sobretudo por observações simples sobre o estado de saúde do paciente (ex. tempo de internação). Nesse cenário, é provável que os modelos de atenção não tenham encontrado informação suficiente para superar as abordagens clássicas.
Todos os modelos apresentaram poder preditivo de baixo a médio, o que evidencia o quanto a previsão de readmissão hospitalar é desafiadora. Apesar do potencial dos modelos de deep learning baseados em atenção em diversas aplicações, nota-se que eles não oferecem vantagens quando aplicados a dados limitados e pouco informativos. Nesse cenário, maior complexidade não se traduz em melhor desempenho, o que reforça a necessidade de bases de dados mais ricas no contexto de readmissão hospitalar
CHOI, E. et al. RETAIN: An Interpretable Predictive Model for Healthcare using Reverse Time Attention Mechanism. 2017. Disponível em:<https://arxiv.org/abs/1608.05745>.
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