Métodos de Estudo

Interpretação para Ciências Humanas I (áudio em breve!)

Interpretação para ciências humanas

Como (não) Estudar para Vestibular?

por Rafael Deangelo

[texto sujeito a modificações]

O vestibular não mede o quanto você sabe! Em verdade, ele mostra a capacidade que as pessoas têm de lidar com um determinado número de questões, com um estilo específico de perguntas, e o quanto o candidato conseguiu se adequar a um programa limitado e pré-definido. Muitos de vocês possuem uma quantidade extraordinária de conhecimentos, porém, tais conhecimentos podem não se encaixar no programa do vestibular. E muita gente com um repertório modesto de conhecimentos consegue se sair bem por conta do foco que tiveram. Neste ano, vai ser necessário, acima de tudo, ser uma pessoa “quadrada” em termos de estudos - focar no que é necessário e no que é exigido no(s) vestibular(es) que você prestar, pouco importa se serão relevantes ou não para sua vida (infelizmente!). Não é o momento de estudar qualquer coisa, de ler qualquer coisa - por mais interessantes e enriquecedoras que elas sejam, quiçá até mais importantes que o enfadonho conteúdo do vestibular - é momento de se direcionar. E, a bem da verdade, você terá que fazer o mesmo durante seus vários anos de graduação - época na qual você terá que estudar várias coisas que pouco te interessarão, mesmo dentro do campo que você considera sua grande paixão.


1 - Não é para estudar tudo!

Materiais didáticos - como apostilas de cursinho - tendem a te direcionar para todos os vestibulares possíveis. Porém, cada vestibular tem seu próprio programa - um conjunto de tópicos/assuntos que podem ou não cair. A Fuvest tem o seu, a Unesp a dela, etc. Não há dois programas de vestibular que sejam rigorosamente idênticos, há muita coisa que cai em um vestibular mas não em outro. Por isso, é preciso que você estabeleça qual(is) vestibular(es) você vai prestar, vá atrás do programa dele, e estudar apenas e tão somente aquele conteúdo. Na prova não cairá nada que não esteja previsto no programa, e se cair, a questão deve ser anulada. Além do mais, muita coisa está no programa mas raramente cai - logo, ele não pode ser sua única fonte sobre o que estudar. Por exemplo, o programa da Fuvest fala apenas em “Grécia Antiga”, porém, dentro deste tópico temos vários períodos: Grécia Arcaica, homérica, clássica, helenismo etc. No caso da Fuvest, apenas o tópico Grécia Clássica e Helenismo tendem a cair.


2 - O momento é de foco!

Tome cuidado para não se desviar do programa de vestibular que você vai prestar. Evite ler livros longos sobre temas que não caem em provas (ou que sejam detalhados demais). Evite ver séries muito longas e gastar tempo e energia intelectual com coisas que poderão ser deixadas para outros anos. Lembre-se que para estudar também gastamos energia, e que ela precisa ser devidamente dosada.


3 - Cada vestibular tem seu próprio estilo, adeque-se a ele.

Mesmo quando temos o mesmo tópico incidente em vários vestibulares, cada prova tem seu próprio estilo. Por exemplo, em inglês, a Unesp gosta de cobrar vocabulário e usos de certos verbos, ao passo que a Fuvest quer apenas que você consiga compreender o texto. O Mackenzie cobra muitos nomes e conceitos de coisas, já a Fuvest não liga tanto para conceitos e quer mais o funcionamento e o desdobramento das coisas. É importante saber o jeito com o qual os assuntos são abordados na prova. Como descobrir isso? Provas anteriores! Logo, não basta apenas estudar os conteúdos, é preciso se habituar e se tornar um mestre na forma com qual o conteúdo é cobrado.


4 - Preocupe-se mais em compreender que em interpretar. Ou seja, não fique “filosofando demais em cima do texto” - se não você vai ver coisas que não estão lá.

Em uma interpretação você sai do objeto. Já na compreensão, não. Explico: Posso dizer de um celular: “é um instrumento que propicia o isolamento dos indivíduos, que o inibe de se relacionar com os demais, que o força a se fechar em si mesmo” - não há absolutamente nada no celular, à primeira vista, que nos permita dizer isso. A sua capa, tela, chips, estrutura elétrica, princípios que o permita funcionar etc: nada disso nos diz que o aparelho seja “um instrumento que propicia o isolamento dos indivíduos” etc. Logo, esta é uma INTERPRETAÇÃO, ou seja, uma especulação que se faz sobre algo externo ao celular. A interpretação procura efeitos, depende sempre de um interpretador e raramente há duas interpretações totalmente idênticas (ao menos nas ciências humanas). Já a compreensão não: o aparelho vai ser o mesmo para todas as pessoas, o que muda é a interpretação sobre ele. Pense que a compreensão é fixa, já a interpretação móvel. Agora pense que, em vez de um celular, estamos falando de um texto ou de uma imagem. Quando dizemos que um determinado quadro reflete “o amor e solidão da sociedade e época em que foi produzido” - o quadro em si não diz isto explicitamente, este é um desdobramento de alguém que o interpreta. Mas informações como sombra, luz, personagens, configuração da paisagem, inter-relação entre os elementos que se apresentam na tela, etc - estes são elementos fixos - e ao assim proceder fazemos uma COMPREENSÃO.

Na compreensão você “não sai do objeto” - você vê as características que há nele, pedaço por pedaço, e assim pressupõe desdobramentos. A interpretação vai além do objeto,vê os efeitos que ele gera de forma não explícita e reflete também aspectos de q uem está interpretando . Para fins de vestibular, é muito mais importante a COMPREENSÃO que a interpretação. A Fuvest, por exemplo, sequer menciona a palavra interpretação no seu programa. Antes de tirar qualquer conclusão sobre alguma coisa, pense nas características e no funcionamento da coisa, preste muuuuita atenção ao texto, volte a ele sempre, procure e investigue para ver se aquilo que a alternativa escolhida realmente diz corresponde ao que está no texto (ou imagem). Ou seja, não “viaje” demais em cima da obra, seja objetivo: aquilo que “está lá”, e cuidado para não colocar coisas que estão na sua cabeça mas não no texto ou imagem.


5 - Foque na solução de problemas, não na decoreba!

Foi-se o tempo em que “problema” era algo exclusivo da matemática: agora ele está em todas as matérias, inclusive linguagens e humanas.

Pense nos desdobramentos de um dado conteúdo. Por exemplo: quais os desdobramentos e pra que serve todo o processo de meiose? Numa proteína que é sintetizada? Quais os desdobramentos e consequências de um rio que diminui seu volume? O que nos diz uma ilustração de uma civilização antiga na qual todos os personagens são parecidos? Tente adotar esta forma de pensar no seu dia-a-dia, até mesmo para melhorar “a musculatura” do seu cérebro. Vestibular envolve uma forma pensar específica, diferente da que te foi exigida na vida escolar.


6 - Estudar para vestibular não é estudar para o Ensino Médio.

No ensino médio, basta você reproduzir o conteúdo do livro ou da aula do professor que você consegue um 10. Já para vestibular, isto não é válido: no vestibular não basta repetir o conteúdo, é preciso instrumentalizá-lo, tal como estamos apontando ao longo deste manual.


7 - Competência é mais importante que conteúdo.

Saber fazer uma boa compreensão (tal como descrevemos no tópico 4), identificar problemas, não distorcer o enunciado e nem se esquecer dele enquanto lê as alternativas: são as principais competências que você precisa desenvolver. Sem tais competências, se tornará inútil estudar todo o conteúdo. De nada adianta carregar consigo milhares de informações se você não souber o que fazer com elas, tal como o vestibular exige.


7.1 - Não deixe que suas ideias prévias (pré-conceito) interfiram na sua leitura.

Ninguém consegue ter uma compreensão de 100% de um texto - isto é fisiologicamente impossível. Logo, você tem que ter foco na sua leitura. Recomendo você focar no movimento das coisas: em como uma coisa se relaciona com outra - se influi ou não, se se transforma ou não etc. Ou seja, focar em processos, pois eles é que acabam puxando várias outras coisas, permitindo que sua memória funcione melhor. Quando você perde o foco nos processos e se preocupa em apenas repetir mentalmente o que está nas aulas/materiais, você fica com uma compreensão deficitária, e é nestes momentos que seu cérebro “preenche” as lacunas com várias ideias pré-concebidas, ou seja, sua ideia prévia polui e distorce o texto. Este é um dos principais motivos pelos quais muita gente inteligente, com vastos conhecimentos, acaba tendo uma leitura equivocada e erra na hora de lidar com as questões.


8 - Você não tem que ser um arquivo, você tem que ser um investigador.

Um arquivo apenas guarda informações, logo, ele não pensa. É preciso que um detetive ou investigador acione aquelas informações para torná-las úteis. O detetive parte daquilo que é evidente para chegar àquilo que não é imediato. Sua prioridade não é armazenar dados - mais e mais informações, mas sim saber processar. Logo, seu foco não pode ser em guardar conteúdo - ou seja, decorar, mas sempre em relacioná-los uns aos outros dentro de uma determinada área. Relacionar, por exemplo, a mitocôndria com o resto da célula, o tipo de célula com a função de um determinado organismo, características geográficas - como clima e umidade - e suas consequências para a vida humana, etc. Não deixe as coisas, cada quais, isoladas na sua cabeça - se não você irá esquecê-las. É preciso saber como uma coisa se transmuta em outra, e não apenas descrevê-la.


9 - Não gaste tempo demais com um mesmo assunto!

Tirando aqueles temas ultra-introdutórios, que instalarão competências que você vai precisar para toda a matéria (por exemplo: fazer contas), evite ficar sete horas estudando o mesmíssimo tema, ou ficar na mesma lição ad-eternum. Cronometre seu tempo. É preciso cobrir todo o programa - ou o máximo possível dele (fique tranquilo, ninguém consegue “fechar” o programa 100%) . Logo, evite de ficar entalado num mesmo tema/lição. Racionalize ao máximo o tempo que você tem disponível. Faça um planejamento com base no programa do vestibular. Evite fazer questões que são praticamente idênticas. Por exemplo, algumas apostilas chegam a listar 50 exercícios ao fim de cada lição, muitas questões extremamente parecidas, que só invertem enunciado com resposta. Não precisa fazer todos os exercícios - faça-os por amostragem, de 2 a 10 por tópico - conforme a incidência dele nas últimos cinco provas. Evite também as questões que ficam exclusivamente em cima de definições, que não te obrigam a pensar nos desdobramentos de um determinado problema. E, acima, de tudo: não encare questionários como se fossem um jogo de vídeo game, no qual você tem que fazer a maior pontuação possível. (deixe isto para o dia da prova apenas). Exercícios são para identificar falhas, verificar seu aprendizado e, conhecendo bem suas falhas, você poderá revisar com maior eficiência e rever os tópicos nos quais você está se complicando. Leve seus erros para os professores e até para amigos que se sentem mais confortáveis naquela área.


10 - Controle do Tempo e Cuidados com a saúde (inclusive a mental)

é preciso racionalizar o tempo que você tem disponível. Seu tempo é também um recurso, e tal como o dinheiro, você não pode gastar demais com aquilo que você não precisa - pois depois vai faltar para o que importa.


11 - O equipamento que você tem disponível é seu corpo e seu cérebro (um depende do outro) - cuide bem deles para que rendam o máximo! Para isto procure manter uma postura corporal que não te agrida, evite ficar na mesma posição por tempo demais. Tenha uma alimentação regular e diversificada, bem distribuida ao longo do dia (evite de fazer mega banquetes ou comer alimentos muito pesados - para evitar o sono e a leseira). Por falar em sono, é preciso que ele esteja na medida certa - não pode ser excessivo nem deficitário - pense não só na quantidade de tempo que você passa dormindo, mas também na qualidade dele: postura boa ao dormir, mínimo de coisas ao seu redor que possam acionar seus sentidos (luzes, sons, etc). Evite café ou outras substâncias estimulantes perto do horário de dormir (incluindo açúcar).

É importante também distribuir o tempo de estudo: evite jornadas muito longas: Regularidade é mais importante que intensidade! é melhor você se dedicar duas horas por dia todos os dias aos estudos do que estudar quinze horas em um único dia e ficar seis sem estudar nada. Descanso: para cada hora de estudo, recomenda-se descansar uns dez ou quinze minutos. Por “descanso” entenda: “algo que não demande esforço mental”, pois ele também é um recurso limitado. De tempos em tempos (talvez a cada hora) descanse os olhos por um tempo, até você senti-los relaxados (o tempo vai variar de pessoa para pessoa).


12 - Desligue todos os aparelhos e o wi-fi enquanto estiver estudando. Desative todas as notificações de seu celular sempre - elas vão te distrair muito, e você não conseguirá focar em nada. Não tente ser uma pessoa multi-tarefa, especialmente se uma das atividades demandar concentração.


13 - Coloque para fora o que você aprendeu, para evitar o esquecimento.

Sempre que estudar um assunto, procure ativar aquele conhecimento/competência que você adquiriu. Sem acioná-lo, corre-se o risco de se esquecer dele completamente. O principal meio de acionar tais conhecimentos é fazendo exercícios, mas não só. Converse com seus colegas sobre os tópicos, pense nos temas enquanto estiver no transporte, finja dar uma aula para si mesmo sobre o tema. Imponha-se perguntas que te obriguem a pensar e a achar saídas. Pense em que lugares e circunstâncias de nossas vidas aquilo é aplicado (ou na indústria, no caso da química, por exemplo). Pesquise sobre coisas relacionadas com o tópico que você estudou (neste caso, tome cuidado para que tais pesquisas não te roubem mais que dez ou quinze minutos, para não perder o foco: a internet planta várias armadilhas para te distrair). E principalmente: pense em problemas relacionados ou a aplicação prática, no dia a dia, daquele conhecimento (o Enem adora isto!). A memória funciona muito melhor quando você conecta as coisas do que quando você as isola.


14 - Professor, estou fazendo isto tudo que você disse, certinho, mas mesmo assim, ao chegar nos exercícios, eu acabo errando (quase) todos! o que acontece?

O problema pode não estar em você, mas sim no material que você está utilizando. Primeiro, vá atrás de materiais alternativos. Não existe apostila perfeita: algumas trazem excesso de informações, outras focam mais em argumentação. Muitas vezes, elas apresentam um conhecimento acessível, fácil de entender, no entanto, tal conhecimento não está exposto de forma adequada para questões de vestibulares. Conhecer bem um assunto, por si só, não te capacita a acertar questões! Por isso esteja sempre acompanhado de questões anteriores - e se possível comentadas.

Se o problema estiver em você: tenha certeza de que você está entendendo devidamente certos conceitos dentro do texto. Há muitas palavras nas apostilas e materiais que são usadas no nosso dia a dia, porém, numa dada disciplina, elas têm um sentido diferente. Por exemplo: “fruto”, em biologia, é muito diferente do uso rotineiro que fazemos do termo. Ou então, nas humanas, temos palavras como “sistema”, “estrutura”, “artesanato”, “manufatura”, “corte”, etc. Verifique se o conceito de uma disciplina realmente foi entendido - do contrário sua leitura ficará comprometida, bem como sua compreensão. Procure dicionários especializados, ou então volte à parte do material ou das anotações em que as coisas estejam bem definidas.

Se ainda assim a coisa não funcionar: volte para as partes introdutórias (como fazer uma conta, as características básicas de determinadas coisas, dicionário, procure esquemas gráficos na internet etc) e acima de tudo: tenha consciência de que ninguém é totalmente autossuficiente! Procure ajuda quando as coisas complicarem. Sempre tomando ocuidado para que um mesmo assunto não te coma todo o tempo de estudos.


15 - Uma alternativa “mentirosa” pode ser a correta, e uma alternativa “verdadeira” pode ser incorreta

Nas questões do tipo “de acordo com o texto…”, “segundo o texto…” Você deve fazer rigorosamente o que o enunciado te pede. Logo, se o enunciado te pedir “o texto diz que…” significa que você terá que seguir o que o texto diz. Antes de marcar a alternativa, dê uma rápida volta ao texto e verifique se realmente é aquilo mesmo. Logo, se aquilo que o texto diz é uma tremenda bobagem do ponto de vista científico, pouco importa. Você tem que seguir o que o texto fala, não se a informação - de acordo com os seus conhecimentos - faz sentido. Em breve faremos um manual detalhado sobre como fazer isso.


16 - Responder uma questão é como manusear um equipamento que você tem que segurar com ambas as mãos. Se soltar uma parte, o equipamento inteiro desvia e bate.

Uma mão segura aquilo que pede o enunciado, a outra segue as alternativas e as verifica. Nunca solte o enunciado, tenha ele sempre na sua cabeça, siga religiosamente o que enunciado pede - se possível deixe um dedinho em cima dele enquanto verifica as alternativas, pois muitas vezes as alternativas contém textos gigantescos, e enquanto lemos, nos esquecemos do enunciado - e aí perdemos uma questão de bobeira, pois o enunciado estava lá longe. Lembre-se: o enunciado é seu chefe, se você desobedecê-lo, vai ter descontos no seu “salário”.


RECAPITULANDO


1 - Não é pra estudar tudo! Veja o programa

2 - Foco!

3 - Ir bem em um vestibular significa estar ADEQUADO a ele, e não por que “tem mais conhecimento”

4 - O importante é compreender, não interpretar

5 - Foque na solução de problemas, não na decoreba! Pense sempre em desdobramentos

6 - Estudar para o vestibular não é copia-e-cola!

7 - Competência/Habilidade são mais importantes que conteúdo

7.1 - Não deixe que suas ideias prévias poluam sua leitura

8 - você não tem que ser um arquivo, você tem que ser um investigador

9 - não gaste tempo demais com o mesmo assunto

10 - controle o tempo que tem (ele é um recurso que precisa ser bem dosado)

11 - cuide da sua saúde! o equipamento precisa estar em bom estado pra funcionar melhor

12 - desligue todos os aparelhos, tire todas as notificações, elimine quaisquer focos de distração

13 - procure externar aquilo que você aprendeu para evitar o esquecimento

14 - nada está funcionando? veja se o problema está em você ou nos recursos que você está usando. Cuidado para não ler e assistir aulas mecanicamente. Procure ajuda se necessário

15 - a alternativa correta é a que cumpre o que se pede no enunciado, não a que “diz verdades”

16 - responder uma questão é manusear um equipamento do qual precisamos sempre das duas mãos: uma segura (o enunciado e o texto prévio) outra se move (pelas alternativas)