No dia 1o de janeiro de 2019 o Presidente Jair Messias Bolsonaro criou uma Medida Provisória (MP no 870/2019) na qual uma parte dela dizia que a identificação,delimitação, demarcação e os registros das terras indígenas não seriam mais competência da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) mas sim do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Isso não tem sentido algum para aquele que quer o bem dos povos indígenas pois os interesses do MAPA são apenas no agronegócio e portanto, deseja-se tirar as terras dos povos indígenas para transformá-las em imensos terrenos de monocultura e pecuária, a fim de ganhar notoriedade e lucrar com a exportação. Contribuindo, assim, com a devastação das florestas brasileiras.
Esse fato foi reconhecido pelo Ministro Luís Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal (STF), que levou a Medida Provisória a julgamento, alegando que essa envolvia as terras tradicionalmente ocupadas por indígenas e isso estava em desacordo com a Constituição Federal.
Por estar em julgamento, a Medida Provisória foi vista pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pela Procuradoria-Geral da República (PGR). A AGU defendeu a constitucionalidade da Medida Provisória justificando que não há norma constitucional que firme que a FUNAI é quem deve demarcar as terras indígenas, que a MP é um meio para enfrentar a falta de estrutura que a FUNAI se encontra devido a recursos escassos e que o MAPA detêm expertise na questão fundiária que seria essencial para enfrentar o assunto. Já a PGR alegou a invalidade da MP por violação aos direitos dos povos indígenas às terras e à falta de consulta prévia a eles, que consta na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil.
Após isso, o Ministro Luís Roberto Barroso defendeu que essa transferência de competências a um órgão incapacitado para tal serviria somente para cumprir a palavra do atual Presidente quando disse que "não se demarcaria um centímetro quadrado a mais de terra indígena". Violando, assim, os direitos dos povos indígenas às suas terras e outros princípios da Constituição.
Seguindo o processo de julgamento, a Medida Provisória foi levada ao Plenário da Câmara e aprovada pelo Congresso Nacional (CN) transformando-a em Lei. Todavia, essa foi vetada parcialmente pois o Congresso não aceitou a transferência das competências da FUNAI para o MAPA. No mesmo dia, o presidente criou uma outra Medida Provisória insistindo na transferência, a MP no 886/2019. Contudo, ela foi novamente barrada, pois a legislação não permite a reedição, em uma mesma sessão legislativa, de uma Medida Provisória que tenha sido rejeitada.
Portanto, o Ministro Luís Roberto Barroso pediu a suspensão da nova Medida Provisória e no dia 1o de julho de 2019, por unanimidade, o Tribunal definitivamente suspendeu o art. 1o da MP no 886/2019, continuando a FUNAI, com todas as suas competências, vinculada ao Ministério da Justiça.
Porém, essa informação só foi oficialmente divulgada no Diário Oficial da União (DOU) no dia 14 de agosto de 2019. E assim, passaram-se oito meses com demarcações paralisadas, direitos suprimidos e descaso com a população indígena.
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BRASIL. Câmara dos Deputados. Ficha de Tramitação da Medida Provisória no 870, de 1o de janeiro de 2019. Brasília, DF, 18 de junho de 2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2190288. Acesso em: 21 ago. 2019.
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Referendo na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstituicionalidade 6.062 Distrito Federal. Brasília, DF, 26 de junho de 2019. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15340530810&ext=.pdf. Acesso em: 21 ago. 2019.
*Priscila Camelo Alves cursa Engenharia Ambiental na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e participa como bolsista BAS do projeto "Observatório dos Direitos Indígenas", orientado pela Profa. Dra. Camila Loureiro Dias.