A identificar a estrutura do sistema nervoso;
A identificar a estrutura dos nervos;
A compreender as características da mobilidade do sistema nervoso;
A conhecer o conceito de neurodinâmica e sua avaliação;
A compreender como identificar as alterações nervosas por meio de testes de tensão neural;
A correlacionar os testes com a mobilização neural.
Um dos princípios da terapia manual é o de que o paciente deve ser avaliado com um todo, investigando disfunções, dores e anormalidades no movimento que servirão de base para o plano de tratamento adequado.
Sabemos que o posicionamento e a movimentação do corpo humano dependem de um bom funcionamento do sistema nervoso. Caso haja alguma disfunção biomecânica desse sistema, sintomas dolorosos poderão ser provocados até durante atividades simples do dia a dia.
O sistema musculoesquelético possui subdivisões em componentes musculares, articulares e neurais e para cada um desses sistemas a terapia manual possui ferramentas específicas. Nos nossos textos anteriores, foram apresentadas técnicas diretamente relacionadas às estruturas dos músculos e articulações. A partir de agora, apresentamos uma modalidade de mobilização do sistema nervoso periférico, conhecida como mobilização neural.
A mobilização neural vem ganhando destaque nos últimos anos juntamente com a avaliação e o tratamento das síndromes dolorosas, tornando-se uma opção de tratamento para pacientes com distúrbios neurais. Através de técnicas específicas para restaurar o movimento e a elasticidade do sistema nervoso, promove não só o retorno funcional, mas também melhora das estruturas musculoesqueléticas que recebem sua inervação. O presente texto objetiva apresentar a estrutura do nervo e características da mobilidade do sistema nervoso, bem como identificar as alterações nervosas por meio de testes provocativos para tensão neural e correlaciona-las à mobilização neural.
A literatura científica relata o uso da mobilização neural desde 1800. Inicialmente, a técnica era utilizada de forma cirúrgica e os alongamentos feitos de forma empírica, sem embasamento científico. Por momentos, sua utilização foi bastante agressiva e violenta. O alongamento neural era realizado tão vigorosamente que ruídos de ruptura podiam ser ouvidos como se o perineuro estivesse partindo. Com este mecanismo, frequentemente axônios e vasos sanguíneos eram lesados. A segurança da técnica era limitada a impor força correspondente à metade do peso corporal da pessoa. Não é surpreendente que esse tipo de tratamento mecânico dos nervos caiu em desuso.
Entretanto, disfunções do sistema musculoesquelético originadas por agressões ao sistema neural foram sendo percebidas em situações como as lombalgias, lombociatalgias, cervicalgias e cervicobraquialgias, entre outras, fato que impulsionou estudos que deram uma quantidade maior de informações sobre o sistema nervoso e subsidiaram o surgimento da mobilização neural.
Somente em 1960, com a publicação da obra Biomechanics of the Central Nervous System, de Alf Breig, a técnica voltou a ganhar atenção científica novamente. Foi introduzido o termo tensão mecânica adversa do sistema nervoso, conceituando a mecânica de transmissão da tensão e movimento do SN durante a realização dos movimentos corporais. Posteriormente, o fisioterapeuta australiano David Butler publicou o livro Mobilization of the Nervous System (Mobilização do Sistema Nervoso), em que demonstrou a aplicabilidade e eficácia da técnica de mobilização do tecido neural, descrevendo o raciocínio clínico do tema. Anos depois, Levy e Maitland (1979) desenvolveram os testes de tensão neural, os quais, além de detectar a tensão mecânica adversa no sistema nervoso, também provam que existe movimentação do nervo com relação aos tecidos que os circundam.
Em contraste com a época do seu surgimento, nos últimos anos a técnica tem apresentado considerável desenvolvimento na aplicação clínica e interesse dos profissionais, inclusive dos fisioterapeutas, no tratamento do sistema nervoso pela sua conexão com músculos, articulações e outras estruturas com utilização da mobilização neural.
O sistema nervoso (SN) constitui-se por uma rede neural, formada principalmente pelo neurônios os quais possuem excitabilidade elétrica, isto é, capacidade de responder a estímulos, transformando-os em potenciais de ação. O neurônio possui três partes: um corpo celular, dendritos e um axônio. O corpo do neurônio recebe e integra os estímulos, os dendritos, por sua vez, emergem do corpo celular e são consideradas as regiões receptoras ou de entrada do neurônio. Por fim, o axônio é responsável pela condução dos impulsos nervosos em direção a outro neurônio.
O sistema nervoso é dividido, didaticamente, em sistema nervoso central (SNC) e sistema nervoso periférico (SNP). O SNC é constituído pelo encéfalo e medula espinal. Já o SNP é formado pelos nervos e gânglios.
O SNC é o centro integrador e controlador do sistema nervoso, ou seja, recebe impulsos e responde a eles para manutenção funcional do organismo. O SNC está completamente envolvido por estruturas ósseas, o encéfalo pelo crânio e a medula espinhal pelo canal vertebral, e recobertos pelas meninges (pia-máter, aracnóide e dura-máter). Entre as meninges, encontra-se o licor que além de função nutritiva, também participa da proteção do sistema.
Para a formação dos nervos periféricos, a medula espinhal emite ramificações bilaterais, denominadas raízes nervosas.
O SNP é formado por 12 pares de nervos cranianos que se originam do cérebro e tronco encefálico e saem pelos forames cranianos e 31 pares de nervos espinhais, que saem do canal vertebral pelos forames intervertebrais.
Os pares de nervos espinhais incluem 8 cervicais,12 torácicos, 5 lombares, 5 sacrais e 1 coccígeo. Os nervos espinhais são formados a partir da união das raízes ventrais (motora) e dorsais (sensorial) da medula espinhal. Após a união das raízes (ventrais e dorsais), todos os nervos se tornam mistos (nos cranianos há exceções), contendo prolongamentos de neurônios motores e sensitivos. Nas regiões cervical, lombar e sacral, os ramos dos nervos espinhais se unem para formar os plexos, que darão origem aos nervos destinados à pele, músculos e articulações dos membros superiores e inferiores.
Assim como o SNC recebe a proteção do tecido conjuntivo, existem quatro membranas que envolvem o SNP garantindo proteção e movimento:
Protege os axônios contra forças tensionais e tem característica de distensibilidade. Não possuem canais linfáticos, logo, na presença de edema, a pressão pode aumentar e interferir na condução dos estímulos.
É formado por colágeno e uma pequena porcentagem de elastina sendo mais resistente a forças tensionais. Envolve os fascículos.
Forma um revestimento de tecido conjuntivo mais externo e circunda e protege os fascículos, além de facilitar o deslizamento entre os fascículos para permitir uma adaptação ao movimento do membro;
Esses tecidos conjuntivos recebem inervação de uma ramificação de sua própria raiz nervosa, o nervi nervorum. Alguns autores consideram as dores da pressão local em um nervo como sendo devida ao nervi nervorum. Outra importante função dele é a capacidade de captar estímulos de estiramento, transmitindo informações ao SNC. Outras fontes de inervação são as terminações nervosas livres e fibras perivasculares que adentram esses tecidos. O SNP também possui grande vascularização permitindo um fluxo ininterrupto, mesmo em grandes amplitudes de movimento.
O SNP pode ser funcionalmente dividido em um componente aferente (sensitivo) que levam impulsos ao SNC a partir de receptores localizados na pele, fáscia e ao redor das articulações, e um componente eferente (motor) que levam impulsos do SNC para os músculos estriados esqueléticos, músculos liso e glândulas.
Os sistemas nervoso central e periférico são considerados como um só, pois possuem uma contínua interligação. Essa interligação ocorre mecânica, elétrica e químicamente. Portanto, qualquer alteração ocorrida em uma parte dele ocasionará repercussões em todo o sistema. Por exemplo, o SN não somente tem que conduzir impulsos através de amplitudes de movimento e variedades de movimento, mas também tem que se adaptar mecanicamente a eles. Por ser contínuo, qualquer movimento de um membro deve ter consequências mecânicas nos troncos nervosos. A continuidade elétrica ocorre pela transmissão de impulsos (sinapses), a química pelos neurotransmissores da periferia que são os mesmos do SNC e mecânica, pois os tecidos conjuntivos são contínuos, embora em diferentes formatos, como o epineuro e a dura máter. Um simples axônio pode estar associado com um grande número desses tecidos conjuntivos.
Pode-se dizer que o sistema nervoso é preparado para ser móvel. A movimentação de uma articulação tenciona o canal de um nervo que desliza em direção à articulação que está se movendo. Quando a tensão é aliviada, o deslizamento ocorre na direção oposta à da articulação, ou seja, antes que ocorra a tensão de todo o nervo periférico e tecidos conectivos ocorre a movimentação. Assim, em caso de comprometimento dos nervos, o indivíduo pode ficar parcial ou totalmente impossibilitado de realizar as suas atividades a depender da extensão da lesão.
Mobilidade do sistema nervoso: o sistema nervoso se adapta aos movimentos do corpo por meio de movimentos relativos às estruturas que o envolvem. Como é um tecido contínuo, movimentos em uma parte são transmitidos para outros locais, através de tensões.
Adaptabilidade do sistema nervoso: seres humanos são capazes de movimentos amplamente especializados com o sistema nervoso alongado e relaxado, estático ou em movimento.
Para que o tecido neural se mantenha saudável, precisa executar com sucesso três funções mecânicas primárias:
a) Tensão: função relacionada à capacidade do tecido neural em alterar seu comprimento;
b) Deslizamento: é caracterizado pelo movimento das estruturas neurais em relação aos tecidos adjacentes;
c) Compressão: capacidade do tecido neural em alterar sua forma.
Como vimos, o sistema nervoso é capaz de se adaptar aos movimentos impostos a ele devido às propriedades elásticas, que lhe conferem a capacidade de se alongar e se encurtar. Esse sistema consegue transmitir impulsos nervosos ao mesmo tempo que se adapta mecanicamente aos movimentos. A neurodinâmica é a integração da mecânica à fisiologia do SN e a sua relação à função do sistema musculoesquelético. Ela envolve a união das propriedades elásticas e mecânicas do tecido nervoso, e, quando suas propriedades mecânicas e fisiológicas estão funcionando normalmente, dizemos que esse tecido apresenta uma neurodinâmica normal. A tensão neural adversa (TNA) ocorre quando a neurodinâmica está alterada. Os nervos podem ser traumatizados e, consequentemente, lesionados, gerando perda e diminuição da sensibilidade e da motricidade na região inervada por eles. O sintoma mais comum relatado pelo paciente é a dor, que pode também estar acompanhada de parestesia e paresia. O fisioterapeuta, ao examinar o paciente, deve dar atenção aos sintomas relatados por ele e ser capaz de identificar e interpretar os sinais positivos para TNA constatados pelos testes realizados.
O conceito da técnica de Mobilização Neural é devolver a neurodinâmica através dos movimentos. É aplicada por meio de movimentos oscilatórios e/ou brevemente mantidos ao tecido neural os quais causam tensionamento ou deslizamento do nervo, a fim de restaurar suas funções elásticas e viscoelásticas.
Esses movimentos são determinados a partir da interpretação de testes neurais específicos, que identificam o comprometimento mecânico deste sistema. Logo, o fisioterapeuta irá desenvolver seu raciocínio clínico com base nos testes e avaliação para escolher o tratamento adequado. É importante relatar que a avaliação neurológica inclui a anamnese, avaliação estática (postural), avaliação dinâmica (teste mobilidade global), testes de sensibilidade e reflexos, palpação dos tecidos nervosos (observar regiões hiperálgicas), testes de força muscular, além dos testes de tensão onde podemos encontrar respostas anormais como diminuição da amplitude fisiológica, dor ou formigamento.
Os testes neurodinâmicos incluem a aplicação de um conjunto de movimentos passivos para testar a capacidade de adequação do tecido neural a diferentes posições funcionais. Nos testes neurodinâmicos, procure por reprodução dos sintomas, redução da ADM e resistência ao movimento. Para detectar sinais de TNA, são realizados os testes neurodinâmicos de provocação, que incluem:
Posição do paciente: paciente em decúbito dorsal, com a mão do membro a ser testado repousando na região do abdômen.
Posição do Terapeuta: atrás da cabeça do paciente.
Colocação das mãos: com uma das mãos, o terapeuta envolve a região posterior do pescoço do paciente e com a outra mão realiza uma depressão do ombro, estabilizando-o.
Técnica: estabilizando o ombro em depressão, realiza com a mão cefálica uma látero-flexão contralateral do pescoço do paciente. Observar se o paciente refere dor ou formigamento pelo trajeto dos nervos periféricos.
Para gerar tensão nos nervos específicos das três subcategorias o terapeuta coloca as alavancas inferiores no membro a ser testado:
Nervo Mediano: rotação externa de braço + extensão de cotovelo + supinação de antebraço + extensão de punho.
Nervo Radial: rotação interna de braço + extensão de cotovelo + pronação de antebraço + flexão de punho.
Nervo Ulnar: abdução de ombro 90º + rotação externa de braço + flexão de cotovelo + pronação de antebraço + extensão de punho.
Posição do paciente: paciente em pé, com os membros superiores estendidos ao longo do corpo.
Técnica: pede-se ao paciente para realizar abdução de ombro com a cervical neutra. Faz-se o mesmo com a cervical em flexão cervical contralateral e depois homolateral. Se houver diminuição de ADM ou se os sintomas agravarem em:
Latero-Flexão Contralateral + Abdução: SENSIBILIZAÇÃO
Latero-Flexão Homolateral + Abdução: COMPRESSÃO
Figura 11: ULNT.
Posição do paciente: paciente em decúbito dorsal sem travesseiro. Posição do Terapeuta: anterior ao paciente.
Colocação das mãos: com as duas mãos, estabilizar o tornozelo do paciente.
Técnica: realizar flexão de quadril até o final da ADM ou aparecimento de algum sintoma.
Para gerar tensão nos nervos específicos das três subcategorias o terapeuta parte da postura descrita acima e acrescenta as alavancas descritas abaixo:
Nervo Tibial: Realizar eversão + dorsiflexão de tornozelo.
Nervo Fibular: Realizar inversão + flexão plantar de tornozelo.
Nervo Sural: Realizar inversão + dorsiflexão de tornozelo.
Posição do paciente: paciente em decúbito ventral.
Posição do Terapeuta: na lateral do paciente.
Colocação das mãos: com uma mão, o fisioterapeuta estabiliza o quadril e, com a outra mão, faz o contato com a região anterior do tornozelo do paciente.
Técnica: realizar flexão de joelho e extensão do quadril. Pode ser realizado em decúbito lateral e com progressão da flexão cervical e flexão de tronco.
Posição do paciente: sentado na borda da maca, com as duas mãos entrelaçadas na região lombar.
Posição do Terapeuta: atrás do paciente.
Colocação das mãos: Com as duas mãos, estabilizar a cabeça do paciente.
Técnica: 1° pedir para o paciente inclinar o corpo para frente, enquanto o fisioterapeuta mantém a cervical neutra. 2° pedir para o paciente realizar flexão cervical, encostando seu queixo no esterno. 3° com o membro não afetado, realiza-se extensão de joelho e dorsiflexão de tornozelo. 4° Libera-se a flexão cervical e verificam-se os sintomas. 5° Realiza-se o mesmo teste com a perna contralateral. Obs: o teste não precisa ser realizado totalmente. Portanto, se o paciente relatar algum sintoma ou tensão na região do trajeto do nervo, o teste já é considerado positivo.
As lesões do SNC podem ser classificadas de duas formas:
COMPRESSÃO: como o próprio nome diz, é ocasionada por uma compressão de uma estrutura. Essa compressão pode ocorrer por um espasmo muscular, disfunção artrocinemática ou por alguma disfunção de parâmetro maior, como, por exemplo, a formação osteofitária.
SENSIBILIZAÇÃO: é caracterizada por um aumento da sensibilidade do tronco nervoso. Pode ocorrer devido a uma irritação inflamatória ou por um estiramento nervoso. Pode haver alteração postural devido a uma compensação involuntária. As características de cada um estão listadas no quadro abaixo:
Uma forma de tratar as disfunções do SNP é utilizar a posição dos testes para executar uma mobilização. Para isso, a técnica utiliza-se de movimentos oscilatórios e/ou brevemente mantidos, direcionados aos nervos periféricos. As mobilizações são realizadas dentro de uma amplitude indolor por 60 segundos. Após o tratamento, avalie novamente e verifique redução dos sintomas e aumento da amplitude de movimento.
Alguns exemplos de oscilações que podem ser realizadas a partir da postura do teste correspondente:
Mediano: extensão do punho ou abdução + RE ou extensão de cotovelo + flexão de punho
Radial: abdução + RI ou extensão de cotovelo + flexão de punho
Ulnar: abdução + RE ou flexão de cotovelo + extensão de punho
Isquiático: flexão de quadril ou extensão de joelho ou dorsiflexão
Sural: inversão + dorsiflexão ou eversão + dorsiflexão
Fibular: inversão + flexão plantar
Femural: flexão de joelho ou extensão de quadril + flexão cervical.
Posição do teste Slump e os membros superiores cruzados atrás das costas. Em seguida, são realizadas, de forma ativa e simultânea, uma flexão cervical e uma flexão plantar, alternando o movimento com extensão cervical e dorsiflexão.
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Coordenação e Revisão Pedagógica: Claudiane Ramos Furtado
Design Instrucional: Gabriela Rossa
Diagramação: Vinicius Ferreira
Ilustrações: Rogério Lopes
Revisão ortográfica: Ane Arduim