O conceito de terapia manual articular;
A diferenciar a mobilização da manipulação articular;
A aprofundar seus conhecimentos em artrocinemática;
A entender o que é congruência articular e a relação dela com a terapia manual;
A compreender como é feita a dosagem de movimento aplicada à mobilização e à manipulação articular;
A compreender como realizar a mobilização e a manipulação articular nas disfunções cinético-funcionais.
As técnicas de mobilização articular são bastante conhecidas por sua eficácia em recuperar a mobilidade articular e reduzir a dor em consequência da restauração dos movimentos acessórios que permitem restabelecer a amplitude normal do movimento.
Para a aplicação dessas técnicas, o fisioterapeuta deve ter conhecimento dos movimentos osteocinemáticos, artrocinemáticos e das suas subdivisões. Este texto objetiva apresentar o conceito de terapia manual articular, bem como fornecer embasamento teórico baseado na artrocinemática que irá auxiliar na compreensão das técnicas, dosagens dos movimentos e raciocínio clínico funcional para que sejam aplicados nas disfunções cinético-funcionais.
Manipulação e mobilização articular são técnicas de terapia manual realizadas de forma passiva nas articulações e nos tecidos moles pelo fisioterapeuta em velocidades e amplitudes variadas utilizando movimentos de deslizamento, rolamento, giro, aproximação e separação.
Não é incomum que a mobilização articular seja também conhecida como manipulação, sem distinção entre ambas. Assim, ambos os termos referem-se a técnicas de terapia manual com foco nas alterações da biomecânica articular utilizadas com objetivo de analgesia e tratamento de disfunções articulares.
Entretanto, atualmente muitos autores diferem ambas e definem que a mobilização articular é caracterizada por movimentos passivos lentos, em grande amplitude através de movimentos fisiológicos, acessórios ou combinados. Já a manipulação articular é definida como uma técnica de movimento acessório realizado em alta velocidade e no final da amplitude.
São mobilizações manuais que envolvem restrições do tecido capsular e reproduzem a mecânica articular normal minimizando sobrecargas na cartilagem articular. A técnica é aplicada no sentido do movimento livre de dor e corrige o curso articular decorrente de uma falha de posicionamento.
A mecânica articular alterada pode gerar algia, derrame articular, mecanismo de defesa muscular, contraturas ou aderências nas cápsulas articulares e/ou ligamentos. Para a aplicação dessas técnicas, o fisioterapeuta deve ter conhecimento da artrocinemática e dos tipos de movimentos, por isso os abordaremos na sequência.
É o estudo dos movimentos articulares, ou seja, a forma como duas superfícies articulares se movem uma sobre a outra. O movimento artrocinemático se refere a como essas faces articulares se movem durante o movimento articular osteocinemático ou fisiológico.
Osteocinemática. São os movimentos que o paciente pode fazer voluntariamente, ou seja, descrevem o movimento dos ossos, como: flexão, extensão, abdução, adução, rotação.
Artrocinemática. São aqueles que ocorrem dentro da articulação (intra-articulares), sendo necessários para atingir a ADM normal.
O termo artrocinemática é utilizado para descrever os movimentos das superfícies dos ossos, como: giro, rolamento, deslizamento, compressão, tração e separação. Geralmente, o indivíduo não consegue realizá-los de forma ativa, e, portanto, eles precisam ser aplicados pelo fisioterapeuta.
A artrocinemática é influenciada pela forma das superfícies articulares, que pode ser ovóide ou em sela. Nas articulações ovóides (a maioria das sinoviais), uma superfície é convexa e a outra é côncava, já nas em sela, uma superfície é côncava em uma direção e convexa na outra, assemelhando-se a um cavaleiro.
Quando uma alavanca óssea se move, ocorre também movimento na superfície óssea do osso oposto na articulação. O movimento da alavanca óssea é chamado balanço, classicamente descrito como flexão, extensão, abdução, adução e rotação. A quantidade de movimento pode ser medida em graus com um goniômetro e é chamada ADM.
O movimento das superfícies ósseas dentro de uma articulação é uma combinação variável de rolamento e deslizamento ou giro e para que ocorram é preciso haver folga capsular adequada ou mobilidade intra-articular.
a) Novos pontos de uma superfície encontram novos pontos da oposta.
b) É sempre na mesma direção que o movimento do osso, seja o osso em movimento côncavo ou convexo.
c) Quando ocorre sozinho, o rolamento causa compressão das superfícies no lado da direção do movimento e separação no outro.
a) O deslizamento puro não ocorre nas articulações, pois as superfícies não são completamente congruentes.
b) A direção na qual ocorre o movimento depende se a superfície que se move é côncava ou convexa.
A regra côncavo-convexa descreve como ocorre o movimento articular. De acordo com a regra: a face côncava se move na mesma direção do segmento corporal e a face convexa se move na direção oposta do segmento. Introduzida por Kaltenborn na terapia manual, essa regra é uma simplificação didática da lei da alavanca.
a) Há uma rotação de um segmento sobre um eixo mecânico estacionário.
b) O mesmo ponto na superfície que se move cria o arco de um círculo enquanto o osso gira.
c) O giro raramente ocorre sozinho nas articulações, mas em combinação com o rolamento e deslizamento. Três exemplos de giros que ocorrem nas articulações do corpo são: o ombro durante a flexão/extensão, o quadril durante a flexão/extensão e a articulação umerorradial durante a pronação/supinação.
Os movimentos de compressão (aproximação articular) ou tração (separação articular) também afetam a articulação. A congruência articular refere-se ao encaixe perfeito das faces articulares. Quando duas faces articulares estão em contato máximo uma com a outra, isto é, estão comprimidas ao ponto de a separação ser difícil, dizemos que essa articulação é congruente.
Em movimento de cadeia cinética fechada, ou seja, quando o segmento distal está fixo temos maior congruência. Já em cadeia aberta (segmento distal móvel) menor congruência.
A mobilização/manipulação é indicada, principalmente, para:
Prevenção de aderências impostas pela imobilização como encurtamentos articulares e enfraquecimento ligamentar;
Reduzir dor e outros sintomas musculoesqueléticos;
Melhorar a amplitude de movimento;
Restaurar a relação articular normal;
Para redução dos sintomas musculoesqueléticos;
Restaurar a funcionalidade;
Melhorar a nutrição intra-articular;
Reduzir o espasmo protetor;
Manter a mobilidade em casos de inatividade;
Reduzir os efeitos progressivos da imobilidade;
Preparar a região acometida para outras intervenções.
As únicas contraindicações absolutas para as técnicas de alongamento de mobilização/manipulação são: hipermobilidade, derrame articular e inflamação. Porém, existem várias outras condições que requerem precauções especiais para o alongamento. A mobilização pode ser usada com extremo cuidado, se os sinais e a resposta do paciente forem favoráveis, nas condições a seguir:
Malignidade.
Doença óssea detectável em radiografias.
Fratura não consolidada. (O local da fratura e a estabilização empregada determinarão a utilização ou não das técnicas).
Dor excessiva (determine a causa e modifique o tratamento de acordo).
Hipermobilidade em articulações associadas (precisam ser estabilizadas para que a força não seja transmitida para elas).
Artroplastias totais (o mecanismo da prótese é autolimitante, portanto, técnicas de mobilização com deslizamento podem ser inapropriadas).
Tecido conjuntivo recém-formado ou enfraquecido, como imediatamente após lesão, cirurgia, desuso ou quando o paciente está tomando certos medicamentos, como corticosteróides (técnicas progressivas suaves dentro da tolerância do tecido ajudam a alinhar as fibrilas em desenvolvimento, mas técnicas forçadas são destrutivas).
Doenças sistêmicas do tecido conjuntivo, como a artrite reumatoide, em que a doença enfraquece o tecido (técnicas suaves podem ser benéficas para os tecidos limitadores, porém técnicas forçadas podem romper os tecidos e resultar em instabilidade).
Pessoas idosas com tecido conjuntivo enfraquecido e circulação diminuída (técnicas suaves dentro da tolerância do tecido podem ser benéficas para aumentar a mobilidade).
Para realização das técnicas, devemos considerar a posição da articulação, direção da força, quantidade de movimento e velocidade e a dor do paciente. Alguns aspectos a serem observados são:
As técnicas podem servir de avaliação e tratamento.
Aqueça a região com massoterapia ou contrações repetidas.
O paciente deve estar relaxado para facilitar a realização das técnicas em cadeia cinética aberta e em repouso muscular, pois cápsulas e ligamentos mais relaxados permitirão a separação para movimentos intra-articulares.
Mobilize ou manipule a articulação o mais próximo possível das superfícies articulares tratadas.
Para aumentar a ADM, as técnicas deverão ser realizadas próximo da amplitude máxima permitida pelo paciente.
Quando possível, associe a técnica com momento expiratório.
Monitore a dor durante o processo e, na sessão seguinte, para ajustar a dosagem da técnica.
Para paciente com dor realize amplitudes menores. Recomenda-se realizar as técnicas livre de sintomas ao paciente. Considerando a severidade dos sintomas, quanto maior o sintoma, menor o grau de mobilização. Iniciar pela direção que não causa dor é uma boa forma.
Se a dor for sentida depois de encontrar limitação do tecido, em decorrência de ter alongado tecido capsular ou periarticular encurtado, a articulação rígida poderá ser alongada agressivamente com as técnicas de mobilização intra-articular e o tecido periarticular com alongamento.
A separação e o rolamento podem ser usados para controlar ou aliviar a dor (quando aplicados suavemente) ou para alongar a cápsula (quando aplicados com uma força de alongamento).
Para conforto do paciente, uma leve força de separação é usada ao aplicar técnicas de deslizamento para alongamento.
Sua mecânica corporal pode aumentar a efetividade da técnica.
Foram popularizados dois sistemas de graduação das dosagens e sua aplicação na amplitude de movimento disponível.
As oscilações podem ser feitas usando-se movimentos osteocinemáticos ou artrocinemáticas.
Oscilações rítmicas de pequena amplitude no início da ADM. Em geral, são oscilações rápidas, semelhantes a vibrações manuais.
Oscilações rítmicas de grande amplitude dentro da ADM, sem alcançar o limite. Costumam ser 2 ou 3 por segundo durante 1 a 2 minutos.
Oscilações rítmicas de grande amplitude até o limite da mobilidade disponível, forçando a resistência do tecido. Em geral, são feitas 2 ou 3 por segundo durante 1 ou 2 minutos.
Oscilações rítmicas de pequena amplitude no limite da mobilidade disponível, forçando a resistência do tecido. São normalmente oscilações rápidas, como vibrações manuais.
Os graus I e II são usados para dor ou mecanismo de defesa muscular. As oscilações podem inibir as vias nociceptivas e ajudam a mover o líquido sinovial para melhorar a nutrição da cartilagem.
Os graus III e IV são usados para alongamento.
Variar a velocidade gera efeitos diferentes. Por exemplo, baixa amplitude e alta velocidade inibe a dor, ou velocidade baixa relaxa uma defesa muscular.
Esse sistema de graduação é somente para mobilização intra-articular que separam (tracionam) ou fazem o deslizamento/translação das superfícies articulares. A velocidade de aplicação é lenta e sustentada por vários segundos, seguida pelo relaxamento parcial e então repetida, dependendo das indicações.
Separação de pequena amplitude, nos casos em que não há sobrecarrega na cápsula. Isso iguala as forças tensão muscular e pressão atmosférica que agem sobre a articulação.
Separação ou deslizamento suficiente para tensionar os tecidos em torno da articulação. Chamada de “tirar a folga”.
Separação ou deslizamento com uma amplitude larga o suficiente para alongar a cápsula e as estruturas periarticulares.
A separação grau I usada com deslizamento objetiva aliviar a dor. Aplicar separação intermitente durante 7-10 segundos com alguns segundos de repouso entre os vários ciclos. Ver resposta para repetir ou não.
A separação grau II é usada para determinar a sensibilidade da articulação. De acordo com isso, a dosagem do tratamento é aumentada ou diminuída. Se aplicada intermitentemente pode inibir a dor.
Os deslizamentos grau II podem ser usados para manter a mobilidade intra-articular quando a ADM não é permitida.
Separações ou deslizamentos grau III são usados para alongar estruturas articulares e aumentar a mobilidade intra-articular. Em caso de restrições, aplicar uma força de alongamento durante no mínimo 6 segundos, seguida de liberação parcial (para o grau I ou II) e repetir alongamentos lentos em intervalos de 3 a 4 segundos.
A escolha entre usar técnicas oscilatórias ou sustentadas depende da resposta do paciente. Para tratamento da dor, recomendam-se as técnicas oscilatórias grau I ou II ou as técnicas sustentadas lentas intermitentes de separação articular grau I ou II. A resposta do paciente dita a intensidade e a frequência da técnica de mobilização intra-articular.
Quando se trata de perda da mobilidade intra-articular e, portanto, de ADM, são recomendadas técnicas sustentadas aplicadas de forma cíclica. Quanto maior o tempo em que a força de alongamento puder ser mantida, maior o remodelamento e a deformação plástica do tecido conjuntivo. Para tentar manter a amplitude disponível podem ser usadas técnicas oscilatórias ou sustentadas grau II.
É uma técnica de baixa amplitude e alta velocidade. Antes da aplicação, a articulação é movida até o limite de mobilidade, de modo que o tecido fique levemente tensionado, depois um movimento súbito é aplicado ao tecido que está restringindo a mobilidade.
É importante manter pequena a amplitude do movimento súbito, de modo a não danificar outros tecidos ou perder o controle da manobra. A MAV é aplicada com apenas uma repetição. A MAV é usada para descolar aderências ou é aplicada a uma estrutura luxada para reposicionar as superfícies articulares.
Veja a seguir alguns exemplos de mobilização e manipulação articular.
Mobilização dos tecidos moles a fim de permitir os movimentos de elevação, depressão, protração, retração e rotações para atingir a mobilidade no complexo do ombro.
Realização da técnica: paciente em decúbito lateral com a região a ser mobilizada para cima. Fisioterapeuta em frente ao paciente, apoia o braço do paciente no seu antebraço, permitindo que ele obtenha um relaxamento dos músculos escapulares. A mão cranial do fisioterapeuta fica em volta do acrômio para controlar o sentido do movimento e, com os dedos da outra mão, em concha abaixo da borda medial e do ângulo inferior da escápula, a escápula é movida nas direções desejadas elevando o ângulo inferior ou empurrando o acrômio.
Esta técnica é aplicada para limitações de movimentos de inclinação ou rotacionais da região cervical. É realizada com o objetivo de restaurar a ADM e reduzir a dor e a rigidez articular.
Realização da técnica: com o paciente posicionado em decúbito dorsal, estabilize a cabeça dele em seu tronco, apoiando uma das mãos na região da terceira e quarta vértebras cervicais e a outra mão no queixo ou na face do paciente. Realize uma inclinação e uma rotação com movimentos oscilatórios no grau I e grau II e faça três oscilações por segundo durante 2 minutos.
Esta técnica é aplicada para restaurar o movimento de adução horizontal do ombro limitado por aderências na região da articulação glenoumeral,ou em limitação de movimento por dor.
Realização da técnica: paciente em decúbito dorsal com o ombro direito em flexão de 90 graus associado à rotação interna e com flexão do cotovelo. Apoie a região escapular direita sob um coxim e apoie uma das mãos sobre a região proximal do úmero direito para realizar a técnica de de tração grau I. Posicione a outra mão sobre o cotovelo direito do paciente. Nesse momento, você deverá usar uma cinta ao redor da sua pelve e do úmero direito do paciente para aplicar a força de separação. A tração é realizada empurrando o cotovelo para baixo, como mostrado na figura.
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Coordenação e Revisão Pedagógica: Claudiane Ramos Furtado
Design Instrucional: Gabriela Rossa
Diagramação: Vinicius Ferreira
Ilustrações: Rogério Lopes
Revisão ortográfica: Ane Arduim