ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS
Prof. Simone Echeveste
Prof. Simone Echeveste
Os principais tipos de Estudos Epidemiológicos;
As características de cada tipo de Estudo Epidemiológico apresentado;
A importância da escolha do tipo de estudo adequado aos objetivos da pesquisa na área da saúde.
Neste nosso segundo capítulo, abordaremos os principais tipos de Estudos Epidemiológicos, destacando as características de cada um, sua aplicabilidade e exemplos na área da saúde.
A evolução tecnológica, o avanço da ciência e as novas descobertas que diariamente ocorrem na área da saúde fazem com que seja indispensável ao profissional o domínio da linguagem relacionada às pesquisas da área. Um profissional atualizado necessita estar em contato com publicações específicas a sua atuação por meio da leitura de artigos, livros, laudos, relatórios de pesquisas etc. Nesse contexto, surge a necessidade de avaliação da qualidade dos resultados obtidos em um estudo considerando aspectos como, por exemplo, a metodologia aplicada para a obtenção dos resultados apresentados.
Para Demo (1995), a metodologia refere-se aos procedimentos a serem utilizados em uma pesquisa que possibilitam acesso aos “caminhos do processo científico”, promovendo questionamentos sobre a ciência no que se refere à capacidade de conhecer e de interferir na realidade. A metodologia em uma pesquisa refere-se aos procedimentos aplicados na produção de conhecimento científico, a COMO e DE QUE FORMA os resultados de um estudo foram obtidos. Seu objetivo visa garantir que o conhecimento obtido seja IMPARCIAL, o mais próximo possível da REALIDADE. Antes de qualquer pesquisa ser realizada, é fundamental que o método (tipo de estudo) seja claramente DEFINIDO.
Para qualquer profissional que deseja realizar pesquisas em seu campo de atuação, nesse caso, a determinação da metodologia a ser utilizada deve estar alinhada aos objetivos do seu estudo. Nesse contexto, uma das competências necessárias é o conhecimento dos tipos de estudos epidemiológicos mais importantes e suas características.
O delineamento de um estudo é fundamental para o alcance dos objetivos a que este se propõe. Por essa razão, é muito importante que toda a pesquisa seja desenvolvida sob a luz de um projeto.
Nesse projeto, o pesquisador deve traçar sua metodologia e considerar todos os aspectos teóricos importantes para a condução de um estudo científico e com validade acadêmica. Nesse contexto, o tipo de estudo a ser conduzido deve ser criteriosamente selecionado de acordo com as hipóteses e/ou proposições que se deseja verificar, observando-se que todos os tipos possuem vantagens e desvantagens em sua escolha.
Os principais estudos epidemiológicos podem ser classificados de acordo com o infográfico a seguir:
Os estudos observacionais caracterizam-se pela NÃO INTERVENÇÃO do pesquisador, é muito comum utilizar esse tipo de estudo para descrever temas de pesquisa ainda pouco conhecidos, sem hipóteses de pesquisa pré-definidas e sem a presença de associações entre variáveis. Podem ser descritivos ou analíticos.
Como o nome já sugere, esses estudos descrevem a ocorrência de uma doença/patologia específica em uma população de interesse.
Para Lima Costa e Barreto (2003), os estudos descritivos objetivam determinar a distribuição de doenças ou condições relacionadas à saúde, de acordo com o TEMPO, o LUGAR e as CARACTERÍSTICAS DOS INDIVÍDUOS, procurando responder questões como: quando, onde e quem adoece. As autoras destacam ainda que estudos descritivos examinam como a incidência (casos novos) ou a prevalência (casos existentes) de uma doença pode variar considerando algumas características, como sexo, idade, escolaridade e renda, entre outras.
São indicados em situações em que se conhece muito pouco sobre a frequência, história natural ou determinantes de uma doença, podem utilizar dados secundários de grandes bases de pesquisa, dados rotineiros como prontuários, fichas de observação clínica, ou ainda dados coletados por meio de questionários.
Martins et al. (2014) destacam que em estudos descritivos, apesar de verificar as relações entre duas ou mais variáveis, o pesquisador observa os fatos, fazendo registros, análises e correlações com os fenômenos ou com outras variáveis, mas não interfere neles, ou seja, os fenômenos são estudados, mas não são manipulados pelo pesquisador.
O que são dados primários e secundários?
Os dados primários são aqueles obtidos diretamente pelo pesquisador com o uso de seus próprios instrumentos por meio de uma coleta das informações diretamente no campo de estudo, já os dados secundários referem-se a um conjunto de informações que já foi coletado por outra pessoa ou órgão de pesquisa (IBGE, DATASUS etc.) durante um processo de investigação diferente.
A seguir, você encontra o resumo de um artigo que apresenta um estudo descritivo sobre a doença de Alzheimer, utilizou-se como fonte de dados as informações provenientes do Ministério da Saúde - sistema de informações sobre mortalidade. Observe que o objetivo dos autores foi descrever algumas características relacionadas a essa doença.
Figura 1: Estudo descritivo sobre a doença de Alzheimer. Clique na imagem ou neste link para acessar o artigo completo. Fonte: Scientific Electronic Library Online (SciELO).
São aqueles com o objetivo de verificar se existe associação entre uma exposição e uma doença ou condição relacionada à saúde. Martins et al. (2014) definem:
“Estudos analíticos buscam esclarecer uma dada associação entre uma exposição, em particular, e um efeito específico (doença ou condição relacionada à saúde). Estes estão normalmente subordinados a uma ou mais questões científicas, às hipóteses, que relacionam eventos: uma suposta causa e um dado efeito, ou exposição e doença, respectivamente. Por exemplo: exposição a um dado é causa de obesidade, onde a obesidade é a doença, tendo como efeito o diabetes.”
Comprovação de hipóteses;
Comparação de resultados;
Verificação de associação entre exposição e um efeito específico.
Permitem a investigação de hipóteses previamente determinadas, viabilizando o encontro de fatores que possam contribuir no surgimento de uma doença de interesse. O que distingue os estudos descritivos dos analíticos é o fato de que, neste último, há sempre a existência de um grupo chamado de controle.
Transversal;
Caso-controle;
Coorte (prospectivo e retrospectivo);
Ecológico.
São também conhecidos por Estudos de Prevalência. Uma vez que medem a prevalência de uma determinada doença de interesse, são importantes, pois fornecem indicadores úteis para o entendimento de surtos epidêmicos. Nesse tipo de pesquisa, cada indivíduo é estudado em relação à ocorrência de uma determinada doença em um determinado período de tempo pré-estabelecido. São estudos amplamente utilizados na área da saúde, pois são de fácil condução e baixo custo. Veja, a seguir, um exemplo de uma pesquisa realizada por meio de um estudo Transversal:
Figura 2: Artigo sobre prevalência de relação sexual e fatores associados em adolescentes escolares de Goiânia, Goiás, Brasil. Clique na imagem ou neste link para acessar o artigo completo. Fonte: Scientific Electronic Library Online (SciELO).
Permite verificar a associação entre o fator de exposição e o desfecho, seguindo uma sequência lógica temporal, sendo caracterizado por ser um estudo longitudinal. O estudo de coorte é um estudo de incidência, com isso, os indivíduos investigados não apresentam o desfecho de interesse no momento em que a investigação começa.
O estudo de coorte pode ser considerado o delineamento mais adequado para avaliar o risco de ocorrência de uma doença em função da exposição a um determinado fator. Esses tipos de estudo devem ser utilizados para casos em que se deseja:
Os estudos de coorte podem ser de dois tipos:
Coorte Prospectivo;
Coorte Retrospectivo.
Coorte Prospectivo: neste estudo, o investigador monta os grupos de estudo no tempo presente, coleta os dados iniciais de um período base deles e continua a coletar os dados com o passar do tempo. Suas características são:
Acesse o exemplo de um estudo de Coorte prospectivo pelo link a seguir:
Coorte Retrospectivo: neste estudo, o investigador volta para trás na história para definir um grupo de risco (ex.: aqueles que foram expostos à bomba atômica de Hiroshima, em agosto de 1945) e segue os membros do grupo até o presente para ver o desfecho ocorrido. Suas características são:
Acesse o exemplo de um estudo de Coorte retrospectivo pelo link a seguir:
Neste tipo de estudo, os grupos de participantes são selecionados a partir de casos observados de uma doença de interesse e os controles são estabelecidos a partir de determinados critérios (são oriundos do mesmo universo estabelecido para o grupo de casos, porém não possuem/não desenvolveram a doença/patologia de interesse). Os grupos são comparados quanto à frequência da exposição entre os casos (doentes) e controles (não doentes).
“O aspecto central desse tipo de desenho é a comparação entre dois grupos com base na frequência da exposição ao(s) fator(es) de risco de interesse. A principal vantagem é a possibilidade de se investigar doenças mais raras, com longo período de indução ou de latência, sem a necessidade de acompanhamento de uma grande população, por um longo período para verificar a ocorrência da doença. Para algumas doenças que ocorrem mais raramente, seria inviável acompanhar os indivíduos por vários anos ou décadas, até que a doença ocorra.” (Rêgo, 2010)
Por exemplo, uma determinada pesquisa verificou que o risco de desenvolver câncer de pulmão é duas vezes maior em indivíduos fumantes do que em não fumantes. Nesse exemplo, poderíamos determinar em uma pesquisa com fumantes que o Grupo Caso são indivíduos com câncer de pulmão e o Grupo Controle indivíduos que não desenvolveram câncer de pulmão. Aqui, é importante que os Grupos Caso e Controle sejam pareados de acordo com algumas variáveis como idade, sexo, raça e histórico familiar de câncer.
Genericamente, poderíamos representar desta forma:
Estudos de Caso-controle viabilizam ao pesquisador a análise simultânea de vários fatores de exposição que possivelmente estariam associados à doença investigada, são indicados no estudo de doenças raras e considerados mais ágeis e menos onerosos do que estudos de Coorte.
Acesse o exemplo de um estudo de Caso-controle pelo link a seguir:
Neste tipo de estudo, a unidade de análise é uma população ou um grupo de pessoas que geralmente pertencem a uma área geográfica definida (cidade, estado, região etc.). São utilizados com o objetivo de avaliar como o contexto social e ambiental podem afetar a saúde em grupos populacionais, avaliando a ocorrência de uma determinada doença e a efetividade de intervenções, por exemplo, de políticas públicas de saúde na população de estudo.
Os estudos ecológicos também podem ser feitos comparando-se populações em diferentes lugares ao mesmo tempo ou, em uma série temporal, comparando-se com a mesma população em diferentes momentos.
Veja o exemplo de alguns estudos ecológicos que configuraram descobertas importantes na área da saúde:
Friedman, no ano de 1960, revelou em seu estudo uma correlação positiva entre as taxas de mortalidade por doença coronariana e as vendas de cigarro per capta em 44 estados americanos.
Na França, em 2003, um estudo ecológico verificou um aumento da taxa de mortalidade durante a onda de calor que ocorreu neste país. Mostrou-se correlacionado ao aumento da temperatura, e nos índices de poluição do ar, esse aumento dos óbitos ocorreu principalmente na população idosa, a causa básica da morte que foi frequentemente registrada nesse período foi doença cardíaca ou pulmonar.
Estudos Ecológicos são vantajosos, pois possuem um baixo custo de execução, os resultados obtidos permitem uma análise macro, porém sua desvantagem metodológica é a inviabilidade em obter resultados em nível individual dos elementos investigados.
Acesse o exemplo de um estudo Ecológico pelo link a seguir:
Os estudos experimentais também são conhecidos por ESTUDOS DE INTERVENÇÃO, uma vez que o pesquisador tem participação ativa na determinação de estratégias de ação com vistas a interferir no estudo de forma sistemática e controlada. Nesse tipo de estudo epidemiológico, é possível testar hipóteses pré-determinadas, isolar efeitos de interesse, exercer controle em relação a fatores externos e comparar a eficácia entre tratamentos, medicações, métodos em uma doença de interesse.
Os resultados obtidos com estudos experimentais podem conduzir a conclusões como o estabelecimento de um novo tratamento para uma lesão na coluna, a diminuição do tempo de internação por meio de um novo protocolo de atendimento, a redução dos casos de violência doméstica através do estabelecimento de ações comunitárias de conscientização etc.
Isolar efeitos de interesse em um estudo, controlando interferências externas;
Testar hipóteses que buscam a origem das causas de algumas doenças (hipóteses etiológicas);
Avaliar a eficácia de diagnósticos preventivos ou terapêuticos.
A etiologia é a ciência das causas.
Em estudos na área da saúde, a etiologia refere-se ao estudo das causas das doenças. São objetos de estudo aqui os agentes causadores de uma doença. Estes, podem ser classificados como endógenos (quando tem sua origem no próprio organismo) ou exógenos (quando a sua origem é externa - oriunda do ambiente externo). (Minayo, 1988)
Questões éticas são de extrema importância na condução de pesquisas experimentais, uma vez que pacientes/indivíduos serão submetidos a algum tipo de intervenção, com isso, o consentimento informado por parte dos participantes é de suma importância.
Poderíamos apresentar um delineamento experimental por meio do seguinte esquema:
Os estudos experimentais podem ser de dois tipos: Ensaio Clínico randomizado ou Ensaio Clínico não randomizado.
Neste estudo, os elementos investigados devem ser organizados aleatoriamente (randomicamente) em dois grupos de estudo: grupo controle e grupo experimental (ou grupo teste).
A seleção dos indivíduos participantes, bem como a divisão dos grupos Controle e Experimental deve ser feita de forma aleatória, ou seja, realizada “ao acaso”. É o padrão de excelência em estudos!
Os participantes devem ter a mesma oportunidade de receber, ou não, a INTERVENÇÃO proposta e esses grupos devem ser os mais parecidos possíveis, de forma que a única diferença entre eles seja a intervenção em si, podendo-se, assim, avaliar o impacto na ocorrência do desfecho em um grupo sobre o outro.
A principal questão a ser respondida quando utilizamos esse tipo de estudo é: Quais são os efeitos que resultam da intervenção realizada?
Acesse o exemplo de um Ensaio Clínico Randomizado pelo link a seguir:
Rede de descanso e ninho em prematuros: ensaio clínico randomizado
Neste tipo de estudo, há um grupo experimental e um grupo controle, mas a designação dos participantes para cada grupo não se dá de forma aleatória, como no Ensaio Clínico Randomizado, mas de acordo com a conveniência do pesquisador.
Acesse o exemplo de um Ensaio Clínico Não Randomizado pelo link a seguir:
AYRES, J. R. D. C. M. Sobre o risco: para compreender a epidemiologia. São Paulo: HUCITEC - Humanismo, Ciência e Tecnologia, 1997.
BONITA, R.; Beaglehole, R.; Kjellstrom, T. Epidemiologia Básica. 2. ed. São Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2010.
DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. 3. ed. rev. e atual. São Paulo, SP: Atlas, 1995.
LIMA-COSTA, Maria Fernanda; BARRETO, Sandhi Maria. Tipos de estudos epidemiológicos: conceitos básicos e aplicações na área do envelhecimento. Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, v. 12, n. 4, p. 189-201, dez. 2003. Disponível em: <http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-49742003000400003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 21 jan. 2020.
MARTINS, J.T.; RIBEIRO, R.P.; BOBROFF, M. C. C.; MARZIALE, M. H. P.; CRUZ, Robazzi M. L. C. da. Pesquisa epidemiológica da saúde do trabalhador: uma reflexão teórica. Cienc. biol. e da saúde. 2014 jan/jun; 35(1): 163-74. 44. Disponível em: <https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/enfermagem/article/view/6038/5333>. Acesso em: 21 jan. 2020.
MINAYO, M. C. S. Saúde-doença: uma concepção popular da etiologia. Cadernos de Saúde Pública: [s.n.] pp. vol. 4 n. 4. Disponível em: <https://www.scielosp.org/article/csp/1988.v4n4/363-381/>. Acesso em: 27 jan. 2020.
ROBERTO, A. M.; MEDRONHO, R. A. et al. (eds.). Epidemiologia. São Paulo: Atheneu, 2002.
ROCHA, H. A. L.; CARVALHO, E. R.; & CORREIA, L. L. ([s.d.]). Conceitos Básicos em Epidemiologia e Bioestatística. Fortaleza: Faculdade de Medicina - Universidade Federal do Ceará. Disponível em: <http://www.epidemio.ufc.br/files/ConceitosBasicosemEpidemiologiae Bioestatistica.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2019.
RÊGO, M. A. V. Estudos caso estudos caso-controle: uma breve revisão. Gaz. Méd. Bahia, 2010.
Coordenação e Revisão Pedagógica: Claudiane Ramos Furtado
Design Instrucional: Luiz Specht
Diagramação: Marcelo Ferreira
Ilustrações: Marcelo Germano
Revisão ortográfica: Igor Campos Dutra