A compreender o conceito de inclusão;
A dominar os princípios norteadores da educação inclusiva;
A conhecer a trajetória da Educação Física inclusiva.
Neste nosso primeiro capítulo, abordaremos os assuntos linguagem e língua. A abordagem parte do princípio de que a linguagem é um fenômeno social e foi desenvolvida por uma necessidade de interação entre os grupos sociais. Veremos como ela é dinâmica e em diferentes tempos e contextos se modifica e se adapta. Por isso, existem diferentes tipos de linguagem, conforme será explicitado quando falarmos sobre o tema.
Outra temática a ser explorada neste capítulo é a língua, que é uma das formas de linguagem e, como ela, tem sempre caráter social, emergindo de determinados grupos e por isso pode ser considerada um fenômeno coletivo, pois existe além dos indivíduos – diferentemente da fala, que possui um caráter individual.
E o que esse assunto tem a ver com o seu curso ou sua futura profissão?
É importante lembrar que utilizamos a linguagem o tempo todo, em diferentes contextos e situações, e que dominar bem os conceitos explorados neste capítulo servirão de subsídio para sua preparação acadêmica e profissional.
A prática de esportes e de atividades físicas ocupa um importante espaço na vida social. Historicamente, todas as sociedades desenvolveram alguma modalidade esportiva, seja com o objetivo de promover a saúde física e mental dos seus cidadãos ou simplesmente como entretenimento. Além disso, as atividades esportivas desempenham uma função fundamental voltada para a integração social, pois através dos jogos ou brincadeiras coletivas os indivíduos, que são diferentes entre si, necessariamente precisam interagir de forma colaborativa.
Entretanto, para além das questões de saúde e da ideia de integração, atualmente, o professor de Educação Física, em especial aquele que atua no ambiente escolar, deve colocar como uma das perspectivas pelas quais orienta o seu trabalho a noção de “inclusão”, ou seja: a não discriminação de deficiências físicas ou cognitivas, de gênero, de cultura e de etnia, e dirigir sua atuação a toda a comunidade escolar (SÁNCHEZ, 2005). Trata-se, como diz Sánchez, do “(...) reconhecimento da educação como um direito, e, por outro, a consideração da diversidade como um valor educativo essencial para a transformação das escolas” (SÁNCHEZ, 2005, p.11).
É com base nessas noções que podemos falar aqui da perspectiva de uma Educação Física inclusiva:
Trabalhar com a Educação Física inclusiva não é algo simples. Não é apenas adaptar gestos corporais, nem tão pouco um afrouxamento do rigor e das exigências técnicas para o desenvolvimento de qualquer atividade. Ao contrário, o exercício da prática corporal requer uma instrumentalização capaz de propiciar a construção de uma ordem de movimentos adequados à percepção de padrões estruturantes de uma técnica; técnica essa, que permita a realização de movimentos que façam sentido para as pessoas com e sem deficiência.
(FERREIRA; LESSA CATALDI, 2014, p. 89)
Trata-se, portanto, de uma necessária mudança de paradigma. Nesse sentido, algumas diferenças conceituais devem ser estabelecidas, especialmente aquelas que envolvem as noções de “integração” e de “inclusão”.
A ideia de “integração” de pessoas com deficiência possui uma trajetória relativamente longa. Desde meados do século XX alguns passos importantes foram dados no sentido de inserir pessoas com limitações físicas ou mentais em diferentes espaços sociais. De acordo com Sassaki (2005), isso ocorreu de três formas principais: i) pela inserção de pessoas que possuíam deficiências em espaços físicos e sociais por seus méritos próprios, sem, contudo, nenhuma alteração por parte da sociedade; ii) pela inserção de pessoas com deficiência através de pequenas modificações específicas no espaço físico, garantindo a elas formas de acessibilidade; e, iii) pela inserção de pessoas com deficiência em espaços separados, como, por exemplo, as escolas especiais (SASSAKI, 2005, p.21).
Analisando as três formas de integração apontadas por esse autor, podemos perceber que embora elas representem um avanço em relação à segregação – muito comum até épocas recentes –, porém, elas não envolvem uma mudança na concepção social a respeito das pessoas com deficiência. No paradigma da integração, todo o esforço integrativo permanece sendo realizado por parte das próprias pessoas com deficiência e seus aliados (família, amigos, educadores e serviços especializados de atendimento a deficientes), uma vez que são elas que devem superar suas limitações adaptando-se ao meio físico (o qual pode sofrer adaptações específicas) e aos diferentes espaços sociais. Nesse sentido, complementa Sassaki:
A integração sempre procurou diminuir a diferença da pessoa com deficiência em relação à maioria da população, por meio da reabilitação, da educação especial e até de cirurgias, pois ela partia do pressuposto de que as diferenças constituem um obstáculo, um transtorno que se interpõe à aceitação social.
(SASSAKI, 2005, p.22)
Por outro lado, o paradigma da inclusão impõe uma mudança de mentalidade. Nessa perspectiva, não basta apenas garantir o acesso das pessoas com deficiência à educação e aos demais espaços sociais. Trata-se de assumir uma nova postura filosófica, preparando as escolas e a sociedade como um todo para garantir os direitos e o pleno exercício da cidadania por parte das pessoas que possuem algum tipo de deficiência. É Sassaki (2005), mais uma vez, quem nos oferece alguns princípios norteadores para uma prática educativa inclusiva.
A utilização da teoria das inteligências múltiplas (HOWARD GARDNER) na elaboração e avaliação das aulas;
A incorporação de conceitos de autonomia, independência e empoderamento nas relações pessoais dentro da comunidade escolar;
O estabelecimento de práticas baseadas na valorização da diversidade e no respeito à diferença;
A participação das famílias e de toda a comunidade escolar nas etapas do processo de aprendizagem; e,
A aceitação da ideia de que toda a pessoa, independentemente de suas limitações, tem uma importante contribuição a dar a si mesma e às demais pessoas, enfim, à toda a sociedade.
É partindo de princípios como os apresentados por Sassaki (2005) que o professor de Educação Física pode desenvolver aquilo que entendemos como a prática de uma Educação Física inclusiva, que visa atender a todos os educandos de forma igualitária, mas sem, contudo, partir da ideia de que o conjunto dos educando é homogêneo.
A diversidade é um valor essencial à educação e deve ser trabalhada em todas as disciplinas escolares. Entretanto, quando falamos da diversidade que envolve pessoas com deficiências em um ambiente escolar regular, talvez seja a disciplina de Educação Física aquela que historicamente tem oferecido as contribuições mais significativas. Isso ocorre porque esse campo de estudos possui uma longa trajetória de atuação junto a esse público, remontando ao início do século XX, com o surgimento dos esportes adaptados.
Mas trabalhar com a Educação Física em uma perspectiva inclusiva requer a consciência de que, ao planejar as suas aulas, o professor deve buscar desenvolver atividades que envolvam a todos os alunos respeitando as suas individualidades. Podemos, aqui, trazer um exemplo – apresentado por Mendes, Conceição e Galery (2013) – que ilustra uma prática inclusiva onde a heterogeneidade dos alunos é respeitada, mas a atividade proposta envolve a todos os educandos sem discriminação ou adaptações específicas que diferenciem aqueles que possuem deficiência. Trata-se do caso de uma professora de Goiás que trabalhava com dança e que se deparou, em sua sala de aula, com a presença de quatro alunos surdos. O desafio que lhe foi colocado a levou a pesquisar e a desenvolver uma metodologia diferenciada, e por isso vale a pena conhecermos o seu depoimento.
Eu me reuni com um grupo de estudos formado por professores de dança e a gente começou um trabalho de discussão sobre arte educação. Tive a chance de participar de uma vivência com uma professora que trabalhava com imagens. Experimentei aquilo no meu corpo, o que me tocou de tal forma que me fez repensar as aulas de dança. Comecei a trabalhar com leitura de imagens. O material era muito simples. Eu pedia que eles me trouxessem imagens de dança, botava numa caixa e aí a crianças brincavam com aquele material, independentemente de haver música ou não. Pedia, então, para eles construírem cenas de dança utilizando aquelas imagens. As crianças surdas participavam desse processo intensamente. Eles brincavam aprendendo.
(MENDES; CONCEIÇÃO; GALERY, 2013)
Tal exemplo é importante, pois nos leva a perceber, como se destacou acima, que a simples adaptação do espaço físico ou das atividades propostas em aula, embora possam promover a integração, não resulta necessariamente em inclusão. Ao contrário, tais adaptações, se destinadas exclusivamente aos alunos com deficiência, podem reforçar a segregação, uma vez que o estudante com deficiência é pensado a partir de um estigma e não como um sujeito em desenvolvimento e dotado de amplas capacidades e possibilidades de aprendizagem, assim como os educandos ditos “normais”.
É nesse sentido que se requer uma mudança de postura por parte dos professores e da sociedade frente às pessoas com deficiência. Trata-se de substituir o ponto de vista das limitações pelo das possibilidades, isto é:
Um professor para desenvolver atitudes positivas não pode, como era tradicional, construir a sua intervenção baseado no déficit, mas, sim, naquilo que o aluno é capaz de fazer para além da sua dificuldade. Basta imaginar qual seria o futuro acadêmico de um jovem que tendo dificuldades, por exemplo, em Matemática, visse todo o seu currículo escolar ser referenciado à essa matéria. Assim, a construção curricular baseada na deficiência ou na dificuldade, para além de ter uma duvidosa probabilidade de sucesso para o aluno, evidencia uma visão do professor que mais realça as dificuldades do aluno do que as suas potencialidades. Para desenvolver expectativas positivas, é essencial que o professor conheça múltiplas formas de eliminar e contornar dificuldades e barreiras e que possa, a partir deste trabalho, acreditar e fazer acreditar que o aluno é muito mais do que as suas dificuldades e que existem variadas formas para se chegar ao sucesso.
(RODRIGUES, 2008, p.15)
Contudo, uma das principais dificuldades encontradas para a inclusão de pessoas com deficiência nas escolas regulares, e mais especificamente para o avanço de uma Educação Física inclusiva, é justamente a falta de informações acerca dos temas que envolvem as pessoas com deficiência e, também, de formação, por parte dos professores, para trabalhar com educandos que apresentam essas características. Tal situação obstaculiza, como coloca Rodrigues (2008), o desenvolvimento de uma atitude positiva em relação aos educandos com deficiência. É exatamente isso o que sugerem inúmeros estudos e pesquisas realizadas que analisam as atitudes dos professores de Educação Física frente aos educandos com deficiência (AGUIAR; DUARTE, 2005; GREGUOL; SOUZA; BOATO, 2010; MARTINS, 2014; MALAGODI; CARRARO, 2018).
Assim, como um primeiro passo para nos inserirmos nesse debate, vale a pena analisarmos como a Educação Física inclusiva se desenvolveu em anos recentes em nosso país e ao redor do mundo.
A prática de uma Educação Física inclusiva pode, por vezes, envolver adaptações no espaço físico onde se desenvolvem as aulas visando à participação das pessoas com deficiência. Entretanto, não se pode confundir, como discutimos acima, uma Educação Física inclusiva com a simples prática de esportes adaptados.
A Educação Física é um componente curricular da educação formal, sendo disciplina obrigatória desde a Educação Infantil até o Ensino Médio (LDB, Lei nº 9.394/1996, Artigo 26, parágrafo 3º). Nesse sentido, seu objetivo não é o de formar atletas, mas de participar do processo pedagógico contribuindo para o desenvolvimento integral dos educandos e proporcionando-lhes diferentes formas de aprendizagem. É assim que, entre os princípios norteadores da disciplina de Educação Física na educação formal, estabelecidos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais da área, encontramos os seguintes pontos:
a sistematização de objetivos, conteúdos, processos de ensino e aprendizagem e avaliação tem como meta a inclusão do aluno na cultura corporal de movimento, por meio da participação e reflexão concretas e efetivas. Busca-se reverter o quadro histórico da área de seleção entre indivíduos aptos e inaptos para as práticas corporais, resultante da valorização exacerbada do desempenho e da eficiência (BRASIL, 1998, p.19).
aplica-se na construção dos processos de ensino e aprendizagem e orienta a escolha de objetivos e conteúdos, visando a ampliar as relações entre os conhecimentos da cultura corporal de movimento e os sujeitos da aprendizagem. Busca-se legitimar as diversas possibilidades de aprendizagem que se estabelecem com a consideração das dimensões afetivas, cognitivas, motoras e socioculturais dos alunos (BRASIL, 1998, p.19).
os conteúdos são apresentados segundo sua categoria conceitual (fatos, conceitos e princípios), procedimental (ligados ao fazer) e atitudinal (normas, valores e atitudes). Os conteúdos conceituais e procedimentais mantêm uma grande proximidade, na medida em que o objeto central da cultura corporal de movimento gira em torno do fazer, do compreender e do sentir com o corpo. Incluem-se nessas categorias os próprios processos de aprendizagem, organização e avaliação. Os conteúdos atitudinais apresentam-se como objetos de ensino e aprendizagem, e apontam para a necessidade de o aluno vivenciá-los de modo concreto no cotidiano escolar, buscando minimizar a construção de valores e atitudes por meio do currículo oculto (BRASIL, 1998, p.19).
Fica claro, portanto, que a preocupação do professor de Educação Física que atua em escolas não é a formação de atletas e tampouco de paratletas, mesmo que entre os conteúdos programáticos da disciplina encontre-se o aprendizado e a prática de modalidades esportivas. Esse esclarecimento se faz necessário uma vez que, em sua origem, a inclusão de pessoas com deficiência em atividades esportivas se deu através do esporte adaptado.
Foi após a II Guerra Mundial (1939-1945) que surgiram de forma mais efetiva programas de reabilitação que buscavam reintegrar à sociedade ex-soldados que haviam sofrido lesões importantes durante os conflitos.
Nesse contexto, a Educação Física se destacou ao introduzir práticas esportivas destinadas a atender esse público (RECHINELI et al., 2008). Entretanto, até a década de 1980, apesar de alguns avanços, prevaleceu a visão do modelo médico sobre a pessoa com deficiência. Assim, a deficiência era encarada como um problema individual, e a integração de pessoas com deficiência à sociedade passava apenas pela adaptação de espaços físicos e pelo uso de algumas tecnologias assistivas. No que dizia respeito à educação, alunos com deficiência eram matriculados em escolas ou classes especiais, o que reforçava a segregação e o preconceito.
O início da década de 1980, porém, marcou uma virada tanto na concepção social sobre a deficiência quanto sobre os direitos da pessoa com deficiência. O ano de 1981 foi declarado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Ano Internacional do Deficiente e, ao longo dessa década, ocorreram uma série de reuniões e conferências que debateram esses temas. Esse movimento levou à Conferência Mundial Sobre Necessidades Educativas Especiais, realizada em 1994, na cidade espanhola de Salamanca, a qual, sem dúvida, representa um marco fundamental para a ideia de uma Educação inclusiva. Entre os pontos destacados pelos especialistas reunidos nessa conferência, os quais representavam noventa e dois países e vinte e cinco organizações internacionais, definiu-se que as “...escolas deveriam acolher a todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas e outras” (SÁNCHEZ, 2005, p.9).
Todas as crianças têm direito à educação e deve-se dar a elas a oportunidade de alcançar e manter um nível aceitável de conhecimentos (SÁNCHEZ, 2005, p.9);
Cada criança tem características, interesses, capacidades e necessidades de aprendizagem que lhe são próprias (SÁNCHEZ, 2005, p.9);
Os sistemas de ensino devem ser organizados e os programas aplicados de modo que tenham em conta todas as diferentes características e necessidades (SÁNCHEZ, 2005, p.9);
As pessoas com necessidades educacionais especiais devem ter acesso às escolas comuns (SÁNCHEZ, 2005, p.9);
As escolas comuns devem representar um meio mais eficaz para combater as atitudes discriminatórias, criar comunidades acolhedoras, construir uma sociedade integradora e alcançar a educação para todos (SÁNCHEZ, 2005, p.9).
Foi a partir desses princípios que a Educação Física inclusiva se desenvolveu nas últimas décadas no plano internacional. Deles surgiram uma série de abordagens diferentes que procuraram destacar as inúmeras potencialidades da disciplina no desenvolvimento dos seres humanos de maneira integral, independentemente das suas condições físicas, intelectuais, sociais ou culturais. Tais ideias logo chegaram ao Brasil e influenciaram o desenvolvimento da disciplina no país na perspectiva de uma Educação Física inclusiva.
A disciplina de Educação Física foi incorporada ao sistema educacional brasileiro na década de 1920. Nesse período, prevaleceu uma abordagem mecanicista, baseada em uma visão militarista e higienista, que sustentava a necessidade do desenvolvimento de uma juventude saudável e excluía totalmente a participação de pessoas deficientes nas aulas, uma vez que a disciplina estava voltada para a seleção dos alunos considerados mais habilidosos nas diferentes modalidades esportivas (RICHINELI et al., 2008, p.298).
De acordo com Richineli et al. (2008), a abordagem mecanicista estendeu-se até a década de 1970, quando, por influência de debates internacionais, surgem no país discussões a respeito da importância de se romper com a supervalorização do desempenho físico e esportivo nas aulas de Educação Física. Entre os principais movimentos renovadores, podemos destacar as seguintes abordagens: a desenvolvimentista, a construtivista, a crítico-histórica e a saúde renovada (RICHINELI, 2008, p.299). Todas essas abordagens exerceram forte influência na construção dos Parâmetros Curriculares Nacionais para a área de Educação Física e foram fundamentais para que a disciplina incorporasse o conceito de inclusão de pessoas com deficiência.
A abordagem desenvolvimentista focava-se essencialmente no processo de desenvolvimento humano entre a infância e a adolescência e destacava a necessidade de integração entre os processos de crescimento, desenvolvimento e aprendizagem dos movimentos. No que diz respeito à prática pedagógica, as aulas de Educação Física deveriam proporcionar atividades em condições adequadas para que os alunos desenvolvessem suas habilidades motoras. Embora a questão das pessoas com deficiência não fosse diretamente abordada na perspectiva desenvolvimentista, ela abriu a oportunidade para que os alunos com deficiência fossem pensados a partir de suas possibilidades e não mais a partir das suas limitações (RICHINELI et al., 2008).
Já a abordagem construtivista, influenciada pelas ideias do educador Paulo Freire e com forte teor de crítica social, ressaltou a necessidade de se trabalhar com a cultura trazida pelos educando a partir das suas experiências de vida, respeitando tanto a individualidade quanto o contexto social dos alunos. Nesse sentido, o professor de Educação Física era estimulado a explorar, principalmente por um viés lúdico, os conhecimentos que as crianças já possuíam. A cultura popular foi valorizada e os jogos e brincadeiras assumiram o caráter de estratégias privilegiadas para a construção dos conhecimentos. Nessa perspectiva, as pessoas com deficiência podiam ser incorporadas às aulas, uma vez que a organização das atividades pedagógicas tinha como fundamento as experiências de vida dos alunos a partir das interações que eles estabeleciam com o seu meio social e o ambiente (RICHINELI et al., 2008, p.300).
Na década de 1990, ganhou força a abordagem conhecida como sistêmica, a qual entende a “(...) Educação Física como um sistema aberto que dialoga com o meio, ou seja, que sofre influências e influencia o ambiente em que está inserida” (RICHINELI et al., 2008, p.300). As aulas de Educação Física, portanto, deveriam ser pensadas como um meio para inserir os educando no âmbito de uma cultura corporal, em lugar de enfatizar o mero desenvolvimento de habilidades motoras. Trata-se de proporcionar aos educandos a experimentação dos mais variados tipos de movimentos, incorporando a ideia de diversidade e abandonando os conteúdos essencialmente esportivos, o que amplia as possibilidades de participação e satisfação dos diferentes tipos de alunos, especialmente aqueles com alguma deficiência. Como destaca RICHINELI et al., (2008, p.300), citando Betti, a abordagem sistêmica está voltada para a inserção, compartilhamento, produção, reprodução e transformação das formas culturais do exercício da motricidade humana representadas pelos jogos, esportes, ginástica e práticas de aptidão física. Logo, ela prima pela participação de todos os alunos, independentemente de suas limitações ou deficiências, uma vez que leva em conta a necessidade de todos serem “(...) respeitados como seres humanos que possuem potencial para a participação na prática das atividades, desde que as mesmas sejam ofertadas de formas diferenciadas (RICHINELI et al., 2008, p.301).
Também na década de 1990, nos meios acadêmicos da Educação Física, ganhou força a abordagem histórico-crítica, a qual parte do pressuposto que a Educação Física representa uma prática pedagógica que tematiza sobre as diferentes formas de expressividade corporal. Nesse sentido, os jogos, os esportes, a dança e a ginástica compõem uma cultura corporal que a cada época procura oferecer respostas aos estímulos e desafios colocados pelas necessidades humanas (RICHINELI et al., 2008, p.301). Colocando-se em oposição frontal ao modelo mecanicista, a perspectiva histórico-crítica busca refletir sobre como adquirimos conhecimentos, valorizando a contextualização e o resgate histórico, bem como enfatizando valores como a solidariedade, a cooperação e a liberdade de expressão. Logo, a organização das atividades de aula deve buscar a adequação dos conteúdos ao meio social e visar a participação de todos os alunos, uma vez que a prática pedagógica da Educação Física é mediada pelo meio social e voltada para o desenvolvimento integral dos estudantes (RICHINELI et al., 2008, p.302).
Por fim, destacamos a abordagem conhecida como saúde renovada, a qual enfatiza a necessidade de que as aulas de Educação Física envolvam conceitos que relacionem as atividades físicas à preservação da saúde e à melhoria da qualidade de vida. Seu pressuposto é que as práticas vivenciadas na infância e na adolescência levam à adoção de um estilo de vida saudável na idade adulta. Assim, ganha destaque o atendimento daqueles alunos que, por suas limitações ou deficiências, são os que mais necessitam participar de atividades que estimulem o seu desenvolvimento corporal (RICHINELI et al., 2008, p.302).
A partir da análise das abordagens que foram apresentadas, podemos perceber que essas ideias tiveram um impacto relevante na elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais para a área de Educação Física, os quais, como destacamos acima, apresentam como princípios norteadores para a elaboração das atividades pedagógicas os princípios de inclusão e da diversidade.
Atualmente, o documento norteador para a educação brasileira é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), elaborada, a partir da regulamentação do Plano Nacional de Educação (2014). Nesse documento constam as aprendizagens essenciais e as competências gerais que os estudantes devem desenvolver ao longo da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio), visando contribuir para a formulação dos currículos e das propostas pedagógicas das redes federal, estaduais e municipais de educação.
No que diz respeito à Educação Física, ela aparece como um componente da área das linguagens, sendo definida nos seguintes termos:
A Educação Física é o componente curricular que tematiza as práticas corporais em suas diversas formas de codificação e significação social, entendidas como manifestações das possibilidades expressivas dos sujeitos, produzidas por diversos grupos sociais no decorrer da história. Nessa concepção, o movimento humano está sempre inserido no âmbito da cultura e não se limita a um deslocamento espaço-temporal de um segmento corporal ou de um corpo todo.
Nas aulas, as práticas corporais devem ser abordadas como fenômeno cultural dinâmico, diversificado, pluridimensional, singular e contraditório. Desse modo, é possível assegurar aos alunos a (re)construção de um conjunto de conhecimentos que permitam ampliar sua consciência a respeito de seus movimentos e dos recursos para o cuidado de si e dos outros e desenvolver autonomia para apropriação e utilização da cultura corporal de movimento em diversas finalidades humanas, favorecendo sua participação de forma confiante e autoral na sociedade.
(BRASIL, 2018, p.213)
Como podemos depreender da citação do texto da BNCC, ela também incorporou as contribuições discutidas acima, dadas pelas diferentes perspectivas que se desenvolveram, desde a década de 1970, no pensamento sobre a prática pedagógica da Educação Física em ambiente escolar.
Nesse sentido, constitui-se como um importante instrumento para pensarmos a elaboração dos currículos de nosso componente curricular, garantindo que a educação seja um direito estendido a todos, sem nenhum tipo de distinção, e assegurando o desenvolvimento integral dos indivíduos bem como o exercício da cidadania.
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