A compreender o papel dos pais/responsáveis legais no contexto esportivo;
A discutir sobre os limites de interferência na prática esportiva;
A articular o conhecimento com as relações do ambiente sociocultural;
A diagnosticar os interesses, as expectativas e as necessidades das pessoas de modo a manejar as perspectivas do comportamento psicológico dos praticantes;
A Competição e Cooperação no esporte;
A discutir a importância de estudar a psicologia do atleta jovem;
A compreender as principais razões que levam as crianças a praticar e a deixar de praticar esportes;
A identificar e explicar como aplicar práticas efetivas de treinamento de crianças.
O papel dos pais no contexto esportivo é um assunto que necessita ser estudado e discutido, por outro lado, também é extremamente delicado, visto que aborda aspectos que vão além da competência do técnico/professor, pois tratam da relação entre pessoas e um aspecto estrutural e histórico, muitas vezes de autoridade e falta de respeito. Por isso, o principal é entendermos que os nossos alunos/atletas são as crianças e é com elas que devemos ter um olhar atento. As relações entre pais (ou responsáveis legais) e filhos não é algo que deva ser discutido, mas sim os aspectos do comportamento psicológico dos jovens que praticam esporte/exercício físico.
O fato de crianças e adolescentes praticarem exercício afeta o desenvolvimento psicossocial deles? O comportamento psicológico relaciona-se com a construção do caráter? A especialização precoce pode levar a burnout ou perda de desenvolvimento de potencialidades físicas futuras, ou o fato de treinar precocemente um exercício desenvolve um talento?
Compreender as relações comportamentais do público infanto-juvenil no esporte certamente auxiliará na relação com os pais e o desenvolvimento desse aluno na prática. Certamente, o esporte tem consequências significativas para os praticantes e o círculo social em um momento precioso do desenvolvimento infantil e crescimento pessoal. No que refere-se à construção da autoestima e desenvolvimento social, as crianças acima de 7 anos são muito influenciadas pelo meio e condução das situações e, nesse sentido, a psicologia esportiva contribui de forma significativa, pois essas experiências esportivas certamente terão efeitos para toda a vida, sobretudo na personalidade. Portanto, é fundamental a atenção aos aspectos que permeiam nossa profissão e formas de manejo na relação com os responsáveis. Vamos juntos desvendar os mistérios e nos instrumentalizar para o auxílio desse desenvolvimento psicológico!
Embora a psicologia esportiva tenha muita referência para o alto rendimento e atletas, os jovens compõem a maior parte da população de praticantes esportivos e, por conta disso, os estudos para esse público são crescentes desde a década de 70 (WEINBERG, GOULD, 2017).
Segundo Duffet e Johnson (2004), a participação esportiva de jovens representa 66% de todas atividades extraescolares. Na grande maioria, são específicas, sendo em média 11 horas semanais, chegando no seu auge por volta dos 12 anos. A participação esportiva é uma das poucas atividades na vida de um jovem que tem consequências para ele, seus amigos, familiares e comunidade (LARSON, 2000). O período infantil dos 7 aos 11 anos é crítico no desenvolvimento psicológico, com consequências na autoestima e questões sociais, sendo a experiência esportiva importante para o desenvolvimento da personalidade, psicológico e por toda a vida da criança. Muitas vezes pais (ou responsáveis) que optam por inserir na prática esportiva, listam como aspectos altamente importantes os valores pessoais e sociais quando questionados sobre expectativas em relação aos seus filhos (WEINBERG, GOULD, 2017).
As razões pelas quais as crianças optam por participar ou não de esportes passam pela motivação e aspectos relevantes no abandono do esporte. Em uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, os motivos para a prática em sua grande maioria era “diversão”, mas também incluíam razões como melhorar sua habilidade, exercitar-se, estética (ficar em forma) e sociabilização (estar com os amigos e fazer novos amigos). Algumas pesquisas (SIRARD, PFEIFFER, PATE, 2006; YAN, MCCULLAGH, 2004) trouxeram diferenças entre os sexos, com características para competitividade nos meninos e oportunidades sociais nas meninas.
No que tange os aspectos para o abandono do esporte, o que os estudos mostram é que a desistência tem uma média de início aos 18 anos, além de cerca de 35% dos jovens desistirem em qualquer idade, sendo então que de 10 crianças, 3 ou 4 irão desistir no decorrer daquele ano (WEINBERG, GOULD, 2017). Algumas pesquisas (GOULD et al, 1982; ROTTENSTEINER et al, 2013) apontam que os principais motivos de desistência são “mudança de interesse” e “ter outras coisas para fazer”, além disso temos o interesse por outras práticas, não gostar do ambiente (técnico/professor, aulas) e treinos muito exigentes, sendo que 28% citaram fatores negativos como pressão excessiva das aulas. As crianças com baixa percepção da sua competência esportiva optam por não participar dos esportes ou desistem/abandonam eles, já as crianças com percepções elevadas participam e persistem, as razões de participação e desistência podem ser visualizadas na figura abaixo.
Um dos aspectos importantes de ressaltar é que a infância, principalmente a adolescência, é caracterizada pela busca de uma modalidade que seja significativa para o jovem, tanto no sentido de ele gostar da prática enquanto exercício como por influência social, sendo comum a troca da modalidade escolhida. Por isso, Weinberg e Gould (2017) citam que existe a desistência de esporte específico e do esporte em geral, diferenciando-as em um afastamento de uma modalidade e ingresso em outra, troca, como a desistência de esporte específico, ou desistindo completamente da prática esportiva, sendo a desistência do esporte em geral. Portanto, é importante saber as circunstâncias que esse jovem deixa de praticar um esporte para compreender se é troca ou abandono da prática física.
Além dos aspectos de motivação interna, intrínseca, pelo gosto da prática, pela identificação ao esporte, uma das principais características que permeiam esse público é a sensação de diversão, lazer e, para ter sucesso, a socialização é fundamental nesse processo. A criança, na maioria das vezes, precisa sentir-se importante, competente e inserida na atividade e grupo, trazendo aspectos do modelo interacional de motivação como a relação de interação do aluno com a situação. Nesse sentido, Martens (2004) sugere enfatizar o estabelecimento de metas individuais, possibilitando que a criança compare seu desempenho esportivo com padrões próprios, evitando a atenção somente nos resultados das competições.
Na construção do perfil comportamental da criança é fundamental, então, a relação com os amigos, tendo diversas implicações psicológicas. Weinberg e Gould (2017) trazem o conceito de motivação afiliativa referindo-se à oportunidade de estar com amigos e estabelecer as novas amizades por meio da prática esportiva. As relações entre os pares relaciona-se com senso de aceitação, autoestima e motivação do praticante. Weiss, Smith e Theeboom (1996) identificaram algumas dimensões positivas e negativas sobre a participação esportiva, ilustradas abaixo:
Destaque-se ainda que as meninas identificam-se mais com o apoio emocional do que os meninos. Nas idades também diferentes aspectos são referenciados nas relações com os pares, sendo nos jovens mais velhos (acima de 13 anos) o vínculo pessoal, enquanto os mais novos a lealdade (WEINBERG, GOULD, 2017).
Uma escala para medir os aspectos das amizades no esporte foi desenvolvida por Weiss e Smith (1999) a Sport Friendship Quality Scale, que inclui como fatores: a autoestima, apoio, lealdade e vínculo pessoal (intimidade), coisas em comum, companhia, solução de conflito e conflitos. Algumas pesquisas já foram desenvolvidas com essa escala e apontam os aspectos do relacionamento com os pares, como a de Ullrich-French e Smith (2009) que apontou em jogadores juvenis de futebol que relacionamentos positivos com os pares apresentaram menores estresse e maior motivação autodeterminada e participação continuada no esporte.
As relações entre pares dialoga com a motivação da criança para a prática física, sugerindo que promover relações positivas entre os pares pode aumentar a participação em esportes. Weins e Stuntz (2004) sugerem que os professores/técnicos intensifiquem o relacionamento entre os colegas, aumentando as metas das tarefas e incentivando a cooperação, os autores também destacam que deve ser evitado a exibição da posição social, como a escolha dos times pública.
Um aspecto que preocupa o esporte infanto juvenil, principalmente competitivo, é o estresse e burnout, visto que imprimem um nível excessivo de treino podendo gerar esses aspectos. Entretanto, alguns estudos mais antigos mostraram que os jovens não experimentam excesso de ansiedade em competição e que o estresse gerado promove o uso de estratégias de enfrentamento, as quais se transferem para outros aspectos de suas vidas. Ainda são necessários mais estudos para compreender quais são os níveis de estresse e ansiedade a que os jovens são submetidos. O que parece ser consenso é que mesmo que os níveis não sejam excessivos o estresse pode ser um problema para certas crianças, em situações específicas, podendo ser muito grande o número populacional. Dessa forma, Weinberg e Gould (2017) ressaltam que existe uma preocupação dos psicólogos esportivos em relação a descobrir quais fatores pessoais e situacionais estão associados ao aumento do estado de ansiedade. As situações que podem aumentar o estresse são muito parecidas com as já discutidas, sendo as que promovem aumento de ansiedade são a derrota, o grau de importância do evento e os esportes individuais, que parecem trazer mais ansiedade que os coletivos (WEINBERG, GOULD, 2017), corroborando com a importância dos pares e cooperação, assuntos também já trabalhados aqui.
Da mesma forma, o burnout no público infantojuvenil, parece ocorrer em consequência da especialização precoce e treino excessivo (longas horas, pressão intensa durante muitos anos), demonstrado quando as crianças perdem o interesse. Algumas práticas iniciam o treinamento específico próximo aos 4 anos de idade, quando o recomendado pela base de desenvolvimento humano é que a especificidade seja após os ganhos dos movimentos/habilidades fundamentais, por volta dos 9 anos (GALLAHUE, OZMUN, 2005), o treinamento específico e não o contato com a prática. Fato é que carreiras que começam muito cedo e alcançam níveis internacionais próximo à adolescência, tendem a terminar cedo ou que o desempenho decline prematuramente, principalmente pela dificuldade de manutenção de outros papéis sociais. Às vezes o burnout relaciona-se com a tomada de decisões sobre a vida esportiva não serem compartilhadas com a criança, sendo tomadas pelos pais e técnicos e o sentimento de ter o próprio destino controlado por outra pessoa relaciona-se fortemente com a diminuição da motivação intrínseca (WEINBERG, GOULD, 2017).
A interferência dos pais/responsáveis nas escolhas e treinamento das crianças/atletas sem nenhuma dúvida é um dos fatores que reflete a participação e desempenho dos jovens no esporte. Na pesquisa de Gould et al (2006) com técnicos de tênis, apontou que 3 de cada 10 pais interferiram no desenvolvimento esportivo dos filhos.
A preocupação dos pais (ou responsáveis legais, usado o termo “pais”) na participação esportiva infanto juvenil sempre foi estudada, principalmente por pesquisas que apontavam abuso e treinos excessivos. Esse olhar atento pode interferir de forma negativa o processo de participação esportiva. Muito embora alguns estudos (como FREDRICKS, ECCLES, 2004) apontem um papel positivo dos pais como socializadores, modelos, incentivadores dos filhos (jovens que estão sob supervisão, mesmo que não tenha relação sanguínea), a relação dos pais no ambiente esportivo ainda necessita de mais pesquisas.
Os pais podem ser fundamentais no processo de desenvolvimento encorajando o envolvimento dos filhos, desde que esse incentivo auxilie a percepção dos jovens a competência e participação real, ou seja, quando esses responsáveis usam práticas adequadas e evitam um ambiente negativo, eles auxiliam a coesão do grupo que pertencem. Coakley (2006) sugere que as expectativas dos pais atuais são muito altas e, por isso, eles sentem-se muito responsáveis pelos atos dos filhos, sendo que o sucesso dos pais está ligado às conquistas e ao sucesso dos filhos e visto que o sucesso do filho reflete o valor dos pais, eles estão cada vez mais envolvidos, de forma exagerada, nas experiências esportivas dos filhos.
Em um estudo de revisão de Gould, Cowburn e Pierce (2013) algumas conclusões foram levantadas: a influência da participação dos pais no esporte é importante e relaciona-se com as atitudes, motivação, comportamento e disposição dos filhos; existem estilos de paternidade e maternidade, atitudes e comportamentos que determinam a personalidade deles, promovendo a atmosfera que eles auxiliam a criar; a participação e presença dos pais se altera acompanhada das mudanças da criança (amadurecimento); não existe uma “forma correta” de envolvimento dos pais; a maioria dos jovens entende que a participação dos seus pais é uma influência positiva, e quanto mais alinhadas forem as percepções (atitudes e crenças) dos pais e filhos, maior a possibilidade da experiência ser positiva; alguns perfis de pais podem ser autoritários e podem danificar a relação com o filho, ou acarretar em prejuízo no desenvolvimento pessoal; os pais cultivam estereótipos sobre o esporte e o jovem que pratica, principalmente em relação aos gêneros (esporte de menino e de menina), os quais influenciam nas próprias percepções, atitudes e comportamentos que refletem nos filhos; o clima motivacional dos jovens no esporte é influenciado fortemente pelos pais, sendo que o clima mais voltado ao domínio da tarefa costuma ser mais favorável; quando o apoio não é voltado como pressão.
De uma forma geral, os pesquisadores (GOULD, COWBURN, PIERCE, 2013) apontaram que o sucesso competitivo pode ser alcançado com pais que ofereçam desenvolvimento psicológico adequado, com comportamentos, atitudes e expectativas no esporte capazes de ajudar os jovens a ter satisfação com a essa experiência e que incrementem sua aprendizagem, incluindo a oferta de apoio financeiro, logístico e sócioemocional, além de oportunidades esportivas e demonstração de amor incondicional, sacrifícios feitos pelo jogador; ênfase em trabalho árduo e manutenção de uma atitude positiva. Assim como pais com desenvolvimento inadequado costumam associar-se às consequências negativas, como oscilações de motivação ou esgotamento/desistência do jogador.
Os pais são altamente responsáveis, seja com papel positivo ou negativo, na experiência e desempenho esportivo dos filhos, sendo um desafio equalizar as maneiras positivas de influência. Weinberg e Gould (2017) trazem um capítulo sobre a educação dos pais e um “código de conduta”, reforçando aspectos de conscientização nesse processo de formação, sugerindo que é possível melhorar as linhas de comunicação entre eles e técnicos/professores. Alguns aspectos que são fundamentais, dessa abordagem, são: encontros de orientação no início da temporada/ano, informando os aspectos da metodologia e abordagem utilizada; ter um pai referência como facilitador do canal de comunicação; conscientizar o que implica aquela prática esportiva, levando à reflexão sobre o tempo e compromisso necessário para um bom desempenho; compreender os pais no projeto (papéis de treinador e pais). É preciso que os pais estimulem seus filhos a praticar esporte, mas não pressione, deixe que ele escolha o que praticar e desistir. No entanto, eles são responsáveis e por isso precisam determinar os limites de participação, ninguém melhor que os pais para saber como o filho está, físico e emocionalmente, para isso deve ajudar a estabelecer metas realistas, a entender as lições que o esporte pode ensinar, a ser responsável e respeitoso com o técnico/professor, a ter a vitória como perspectiva, mas entender o processo. Certamente não é uma “tarefa” fácil, mas é mais uma das funções dos pais que irão auxiliar na construção de futuros adultos, tanto em relação às oportunidades esportivas e vivências quanto com a personalidade e caráter.
Para os profissionais de educação física (professores/técnicos) é preciso ter cautela nessa relação com pais/responsáveis legais, pois é muito comum culpá-los por ações inadequadas, mas precisamos pensar que esses pais talvez não tenham tido a oportunidade de contato com a instrução e participação no esporte, talvez eles não tenham tido bons modelos, exemplos, e também, que a criança cresce e nesse desenvolvimento o papel dos pais muda. Por isso precisamos sim educar os pais sobre como podem auxiliar a otimizar a experiência esportiva dos seus filhos, e isso só é possível com estudo e juntos.
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Ilustrações: Rogério Lopes
Revisão ortográfica: Ane Arduim