Histórico da psicologia do esporte e áreas de atuação;
O esporte e o exercício físico e suas relações com o ambiente sociocultural;
Esporte e exercício físico: aspectos do desenvolvimento psicológico;
Entender, no âmbito da saúde mental, os efeitos da aplicação de diferentes técnicas, instrumentos, equipamentos, procedimentos e metodologias;
Pesquisar, conhecer, compreender, analisar e avaliar a realidade social para nela intervir acadêmica e profissionalmente, por meio das manifestações e expressões do movimento humano;
Diagnosticar os interesses, as expectativas e as necessidades das pessoas de modo a planejar, prescrever, ensinar, orientar, nas perspectivas da educação e reeducação motora.
A primeira temática da disciplina de Comportamento Humano no Exercício Físico e Esporte será a respeito da história da psicologia esportiva, bem como as áreas de atuação desse campo. A compreensão desses termos, conceitos e áreas faz-se necessário por essa disciplina conter aspectos de duas grandes áreas, centradas no entendimento de temas transversais que também definem o ser humano. Iremos observar quais os limites de cada área e o que nós, professores de educação física, poderemos compreender e auxiliar no processo de ensino da nossa área. Além disso, a relação professor-aluno não se dissocia das relações humanas, e, dessa forma, veremos como o papel do professor/treinador é de fundamental importância e relevância do desenvolvimento dos alunos/atletas.
Compreender as relações humanas e o que permeiam o esporte e exercício físico é de suma importância no auxílio do bom desenvolvimento das ações e aprendizados das ferramentas físicas, pois o ser humano é indissociável e as questões psicológicas influenciam nas ações da vida.
O entendimento das áreas de atuação auxilia na compreensão de possibilidades de ação dos profissionais de educação física e limites que a formação, nessa graduação, acaba gerando. Nesse sentido, o olhar e acompanhamento do professor/técnico em relação ao aluno/atleta gera a antecipação em relação às futuras ações, proporcionando uma melhor compreensão do ambiente que essas situações estão inseridas e gerando possíveis formas de manejo. Da mesma forma, o escopo dos campos de atuação permite que o profissional de educação física saiba exatamente o que pode e deve fazer para aquela determinada ocasião e atuação.
Tenho certeza que será possível compreender os assuntos subsequentes dessa disciplina e possibilidades de envolvimento com diferentes contextos e situações. Instrumentalizando-os com ferramentas para sua atuação profissional. Vamos juntos entender e discutir o comportamento humano no esporte e exercício físico. Conto com a sua participação!
A psicologia do esporte e do exercício físico soma-se à Antropologia, Filosofia e Sociologia, formando as Ciências do Esporte. Atua em questões que envolvem a motivação, personalidade, agressão, violência, liderança e dinâmica de grupo, relacionando com o bem estar e saúde geral do aluno e atleta. Segundo Gill e Williams (2008), a Psicologia do Esporte e Exercício Físico, consiste no estudo científico de pessoas e dos seus comportamentos em contextos de exercício e esportivos, assim como na aplicação desse conhecimento. De uma forma geral, o principal objetivo dos psicólogos esportivos é identificar os desfechos desses comportamentos e empregar no auxílio de adultos, jovens e crianças que se beneficiam das atividades esportivas e dos exercícios (WEINBERG; GOULD, 2017).
Também pode ser entendida como o estudo do ser humano que está envolvido com a prática do exercício, da atividade física esportiva, sendo ela competitiva ou não competitiva. Essa ciência que estuda o comportamento das pessoas, no contexto esportivo e de exercício, procura entender como os fatores psicológicos influenciam o desempenho físico e como a participação nessas atividades físicas afeta o desenvolvimento emocional, a saúde e o bem estar de uma pessoa inserida nesse ambiente.
Nesse momento, faz-se necessário retomar alguns conceitos provavelmente já bem definidos, mas que precisam ser explicitados para a devida compreensão da temática, sendo o primeiro a diferenciação entre exercício físico e atividade física. A atividade física é qualquer forma de dispêndio de energia acima do mínimo basal, sendo entendida e posteriormente classificada como atividade de vida diária (AVD’s), atividade física, entre outras. Quando for referido atividades físicas, entende-se como qualquer que seja a prática e direcionando, na grande maioria das vezes, para atividades de lazer, como correr, caminhar, passear com o cachorro, optar por uma forma de transporte que seja ativa (andar de bicicleta e/ou subir escadas ao invés de elevador, e ir de carro, por exemplo). No entanto, em alguns casos, a atividade física pode ser levantar-se da cama e vestir-se (denominadas como AVD’s), pois vai depender do que é o mínimo basal daquela pessoa. A atividade física, prioritariamente, não requer qualquer contato com um profissional de educação física no papel de professor e/ou treinador, e, justamente por não ter essa pessoa como referência, a atuação do campo da psicologia acaba não sendo alcançada; dificilmente uma pessoa fará atividade física somente com o acompanhamento de um psicólogo esportivo.
No entanto, por exercício físico, define-se como uma atividade física que, além de ser sistematizada, também tenha orientação e planejamento com o objetivo de melhoria/aprimoramento. Nesse caso, diferencia-se o “caminhar todo dia, para passear com o cachorro, ou sozinho” e “jogar futebol, semanalmente, com os amigos” do “grupo de corrida/caminhada” e do “treino de futebol em equipe”. Além da diferença em, muitas vezes, frequência e intensidade da atividade, também, no exercício físico, presume-se que exista um professor como orientador/planejador e treinador daquela atividade. Por isso, denomina-se: “Psicologia do Exercício Físico”, pois, através desse professor/treinador ou orientador, será possível compreender os fatores psicológicos que permeiam as relações comportamentais e interagir no desenvolvimento emocional desses praticantes.
Por outro lado, temos o conceito de esporte, o qual, embora apresentando diferentes correntes, será utilizada a definição da necessidade em ser um exercício físico (atividade física sistematizada e orientada) e também possuir regras bem definidas em uma federação ou órgão que o regulamente. Por isso, nem todo esporte pressupõe exercício físico e, da mesma forma, nem toda atividade física é esporte, por exemplo: o xadrez é esporte, e os jogos como “queimada” e “caçador” não são, embora a queimada, no formato de dodgeball é um esporte por possuir uma federação que a regulamente. Dessa forma, pelo fato do esporte também presumir assessoria e acompanhamento de um treinador/professor de educação física, a área da psicologia é fundamental na compreensão do comportamento dos alunos/atletas, assim como o auxílio para o professor/técnico.
Nas definições de atleta e técnico, denota-se a existência de competição, equipe/seleção naquele exercício físico e/ou esporte, enquanto a de aluno e professor, a relação na contribuição da educação. Quando for utilizado, mesmo que isoladas, iremos referir o professor de educação física que o acompanha como professor e/ou técnico, e o indivíduo que pratica o exercício/esporte/atividade física de aluno e/ou atleta.
O estudo científico das pessoas e de seus comportamentos em atividades físicas, assim como a aplicação desse conhecimento é o que a psicologia do esporte e do exercício busca (WEINBERG; GOULD, 2017). Nesse sentido, o profissional que compreende esses aspectos entende como os fatores psicológicos afetam o desempenho físico de um indivíduo e, também, como a participação em esportes e exercícios afeta o desenvolvimento psicológico, a saúde e bem-estar dele, sendo essas relações de fundamental importância para auxiliar no contexto em que estão inseridos. De uma forma geral, os sentimentos e as emoções são a base que dão suporte e ferramentas para que o aluno/atleta tenha sucesso no exercício/esporte que está inserido. De nada adianta ter boa condição física, bons treinamentos e conhecimento das regras e técnicas do exercício/esporte se o fator psicológico não estiver treinado e estruturado para lidar com as diferentes situações. Todo esporte e exercício não é fixo e controlado, diversos fatores das pessoas que o fazem e das situações que estão inseridos levam à necessidade de adaptação e reorganização e, dessa forma, que a compreensão dos assuntos relacionados à psicologia esportiva pretendem auxiliar a instrumentalizar professores e alunos.
Acredita-se que, no final do século XIX, foi possível encontrar estudos e pesquisas relativas às questões psicofisiológicas (SAMULSKI, 1992), mesmo sem existir, ainda, uma definição exata de psicologia esportiva. Conforme Falcão (1984), considera-se que a ciência psicológica começa quando os assuntos psicológicos adotaram a metodologia usada pelas Ciências Naturais (principalmente Física, Química e Biologia), a qual utiliza, basicamente, dois processos: observação e experimentação. Sendo que a experimentação exige observação e esta consiste em estar atento aos aspectos e manifestações do comportamento na maneira que ocorre nas situações. A experimentação consiste em, através de uma hipótese prévia, testar e observar as consequências no comportamento e da situação para então conseguir adaptar-se.
Apesar da definição de atuação e campo da psicologia esportiva, a abrangência nem sempre foi tão nítida (RUBIO, 1999). Conforme De Rose Jr (1992), ainda que existissem estudos nas áreas do comportamento humano relacionado ao esporte e exercício físico, por muito tempo eles foram estudados sob a perspectiva da psicologia, mas sem existir uma definição exata do verdadeiro objetivo e área.
Segundo Machado (1997), foi na década de 20 que se encontram as publicações de Schulte (Corpo e alma no desporto: uma introdução à psicologia do treinamento) e de Griffith (Psicologia do treinamento e Psicologia do atletismo); este fundou um laboratório de pesquisas aplicada ao esporte nos Estados Unidos.
Historicamente, era possível demarcar em dois campos de atuação e intervenção: Psicologia do Esporte Acadêmico (pesquisa e conhecimento da disciplina) e a Psicologia Esportiva aplicada próximo. Nos anos 60, segundo Rubio (1999), a Psicologia do Esporte viveu uma fase de grande produção, com obras que marcaram a história e contribuíram para a psicologia social na atividade física e do esporte, estas culminaram em publicações que seguem sendo usadas. Nesse mesmo momento, a primeira instituição para discutir a temática surge: International Society of Sport Psycholotuiçy (ISSO). Posteriormente, em 1968, um grupo fundou a North American Society for the Psychology of Sport and Physical Activity (NASPSPA), ambas as instituições possuíam jornais (periódicos) como fontes de disseminação dos assuntos abordados e discutidos, ampliando o alcance e disseminação da psicologia esportiva.
Em virtude de todo esse crescimento acerca dessa temática, a psicologia do esporte foi capaz de demarcar-se enquanto conteúdo e campo de atuação. Martens (1987) aponta dois campos distintos de atuação, sendo o primeiro a Psicologia do Esporte acadêmica, em que o objetivo e interesse era a “pesquisação”, pesquisa, conhecimento e ação da disciplina. E também a Psicologia do Esporte voltada à atuação e intervenção do profissional. Essas divisões, posteriormente, vão difundir-se em campos de atuação presentes também hoje. Para Lesyk (1998), o Centro Olímpico Americano indica três áreas de atuação: a psicologia clínica, capacitando o profissional para atuar em clubes e unindo a psicologia com a educação; a psicologia da pesquisa (pesquisador) em que o objetivo era estudar e não existia uma atuação direta nas equipes; e a psicologia da educação, a qual desenvolve a psicologia do esporte no campo acadêmico.
A psicologia esportiva está cada vez mais evidente e os benefícios de seleções/clubes/incorporações que optam por esse trabalho e atenção são cada vez mais benéficos. Porém, no que se refere a potencialidades de alcance, infelizmente, a atuação de profissionais qualificados, sérios e competentes ainda “engatinha”. Segundo Kornspan (2012), a psicologia moderna remonta à década de 1880 e pode, inclusive, referenciar os Jogos Olímpicos da Antiguidade. Mesmo compreendendo que a psicologia do esporte reflete a relação com outras áreas como a cinesiologia e a própria educação física, é fato que os desfechos alcançados refletem o crescimento dos movimentos olímpicos, a inserção (liberação) das mulheres e a popularidade do esporte competitivo (profissional) (GOULD e VOELKER, 2014). A influência da mídia e dos esportes, principalmente grandes eventos, corrobora com a continuidade da caminhada do profissional que pretende dedicar-se a esse campo de atuação. Embora esteja, de alguma maneira, mais associada ao alto rendimento, a psicologia esportiva também possui outras intervenções que seguirão sendo discutidas.
Segundo Weinberg e Gould (2017), a psicologia do esporte se divide em seis períodos com características distintas, mas inter-relacionados. No primeiro período, destaca-se a América do Norte e a década de 1890 a 1920, em que Norman Triplett, psicólogo, que buscava entender porque os ciclistas pedalavam mais rápido às vezes, quando corriam em grupos ou em pares do que quando estavam sozinhos, foi um dos precursores utilizando o método de observação e experimentação, conseguiu antecipar o momento em que os ciclistas teriam melhores desempenhos. Outros psicólogos entendiam que o esporte demonstrava o “real valor” da psicologia científica, e alguns, como Scripture, trabalharam com um dos primeiros educadores físicos da América (William Anderson, de Yale). Por outro lado, ainda nesse período, alguns psicólogos se interessaram pelo aspecto filosófico, sendo o maior destaque Pierre de Coubertin, além de ter sido fundador dos Jogos Olímpicos Modernos, escreveu sobre aspectos psicológicos do esporte e, também, organizou dois congressos com foco na psicologia e no esporte olímpico.
O segundo período, de 1920 a 1938, foi marcado pelo desenvolvimento de laboratórios e de testes psicológicos, principalmente na Alemanha, Japão, Rússia e Estados Unidos. Dá-se destaque a Coleman Griffith, que foi o primeiro psicólogo a dedicar-se, boa parte da carreira, aos aspectos esportivos, e hoje é considerado o “pai da psicologia do esporte americano”, além de ter desenvolvido o primeiro laboratório de psicologia esportiva, também ajudou a iniciar uma das primeiras escolas de técnicos dos Estados Unidos e desenvolveu perfis psicológicos de alguns jogadores de beisebol do Chicago Cubs. Nesse período, deu-se início a algumas testagens com atletas acerca de tempo de reação, concentração, agressividade e, também, personalidade.
Franklin Henry é um dos principais nomes do terceiro período que vai até 1965, pelo motivo de ter se dedicado ao treinamento de professores de educação física impulsionando a formação de grupos de pesquisa e propagação nessas áreas das ciências do esporte. Nesse período, também surge a influência de uma das primeiras mulheres americanas a praticar a psicologia esportiva e realizar pesquisas na área, Dorothy Hazeltine Yates. Mais tarde, ela daria consultoria a boxeadores e utilizaria técnicas de relaxamento e feedbacks positivos (afirmações) para o controle das emoções e melhoria do desempenho. Utilizando o método de observação e experimentação, ela desenvolveria técnicas de relaxamento que foram sucesso e, em 1943, publicou um teste experimental da técnica com os lutadores de boxe.
O quarto período (1966-1977) foi quando temos a confirmação e desenvolvimento da psicologia esportiva no meio acadêmico, enquanto disciplina. Isso acontece na década de 60, primeiro com o estabelecimento da educação física como disciplina acadêmica, e a psicologia esportiva um componente à parte dessa disciplina, separada da aprendizagem motora, a qual já era evidenciada como fundamental. Nesse período, também, os psicólogos começam a trabalhar como consultores de atletas e times, dando destaque para Bruce Ogilvie, que é chamado de “o pai da psicologia do esporte aplicada”. Ressalta-se o quão recente, em termos de história, é a inserção de destaque à psicologia esportiva, reafirmando que ainda existe um longo caminho e âmbitos de inserção, mesmo dentro do próprio conceito de esporte e exercício físico.
De meados da década de 80 até os anos 2000, o quinto período, é marcado pela ciência e prática multidisciplinar na psicologia do esporte e do exercício e, principalmente, pela continuidade da expansão dessa área. Nesse período, a psicologia do esporte e do exercício separa-se de áreas relacionadas com o exercício e ciências do esporte. Mais trabalhos e pesquisas são realizados e divulgados, além disso, amplia-se a compreensão da perspectiva multidisciplinar, visto que diversos estudantes relacionam seus estudos ao aconselhamento e à psicologia. O escopo da área enfrenta definições de padrões e estabelecimento de licenciamento. O período também é marcado pela disseminação e luta de uma professora, Dorothy Harris, em prol das mulheres, e com o estabelecimento de um programa de pós-graduação e psicologia esportiva. Tornando-se a primeira mulher a ser membro da International Society of Sport Psychology, entre outros feitos, impulsionando outras mulheres no estudo e qualificação da área. Destaca-se, também, a influência midiática de realizar a cobertura de jogos olímpicos, focando na psicologia esportiva, bem como o acompanhamento de psicólogos esportivos, especializados em algumas modalidades.
Por fim, a psicologia contemporânea, a partir de 2001, é a continuidade de todas as influências e aquisições tidas até o momento. A evolução desse momento já nos aponta para uma atenção às relações da especialização precoce e todos os assuntos que se relacionam com a psicologia da criança e adolescente atleta/aluno.
Para o Brasil, o principal marco da psicologia esportiva é a participação de João Carvalhaes na seleção de futebol da copa de 1958. Segundo Vieira et al. (2013), somente em 2000 a psicologia esportiva foi reconhecida e regulamentada pelo conselho, mas como também faz parte, como disciplina, da grande maioria dos cursos de educação física, não é um campo exclusivo de uma ou outra área. Embora a regulamentação da área seja recente e mesmo o primeiro marco histórico também, Carvalho (2008) divide a história em dois momentos: o marco da participação de João Carvalhaes e os estudados anteriormente realizados, nas décadas de 30 e 40, apontando que existiram evidências anteriores à psicologia esportiva no Brasil.
O destaque para a participação do primeiro psicólogo na seleção de futebol foi consagrado e com repercussão pelo fato de, até aquele ano, o Brasil ter sido o único país sul-americano a ganhar uma copa fora do seu continente e também, até aquele momento, ter acontecido a “maior goleada em finais de copa do mundo”. Certamente, a influência e consagração do título deram maior visibilidade a esse psicólogo que antes trabalhava com consultoria, mas fora do ambiente esportivo. Naquele momento, o Brasil vivia a “pós Era Vargas” e com a expansão da indústria, tendo, então, João Carvalhaes trabalhando na seleção de operários e, posteriormente, acabou transitando para a seleção de atletas capazes e adequados a participar da Federação Paulista de Futebol (de 1954 a 1959). Ele também atuou na seleção e treinamento psicológico de árbitros junto à Seleção Brasileira de Futebol. Embora a psicologia dentro do meio esportivo não tenha tido total aceitação, o fato de a seleção ter se consagrado campeã impulsionou o espaço dessa temática década a década e em outras modalidades.
Certamente a influência de João Carvalhaes foi influenciadora e marcante para a psicologia esportiva e para o Brasil. No entanto, encontram-se artigos em periódicos brasileiros nos anos de 1932 e 1945, voltados para a educação física e educação psíquica. Na década de 30, os artigos estavam voltados para questões de eugenia, higiene e importância da educação física para a sociedade, entendendo que a educação física tinha como objetivo “educar o corpo físico” e posteriormente volta-se para questões de fisiologia e “conservação da saúde e da vida”. Nesse momento, a psicologia passa a ter um papel fundamental, com estudos sobre fadiga mental e influência das emoções e sentimentos. Carvalho (2008, p. 6) aponta que “parece que a psicologia é convidada a fazer parte desse processo como ferramenta para que a Educação Física alcance seus objetivos na busca do homem ideal para a nação”. A psicologia acaba sendo inserida na temática esportiva como uma ferramenta para auxiliar na formação do cidadão brasileiro. Mais tarde, nos anos 40, os artigos começam a direcionar-se para temáticas mais técnicas e específicas das modalidades esportivas ou necessidades dos atletas. A psicologia passa a ter lugar de destaque nas atividades físicas e formação do homem saudável. Para Vieira et al. (2013), nas primeiras publicações científicas da área (1930 a 1960), o escopo dos periódicos era muito amplo, abrangendo diversas áreas do conhecimento; no entanto, a partir de 1980, pelo fato do ensino superior e de pós-graduação ter passado por uma expansão, a pesquisa brasileira passa a ter áreas mais específicas de psicologia esportiva, progredindo constantemente. Em uma pesquisa realizada de 2004 a 2006 nos congressos brasileiros, destacam-se publicações nas temáticas de intervenção psicológica, motivação, autoestima, ativação, estresse e ansiedade e em sua maioria realizados por profissionais da educação física (VIEIRA et al., 2010).
De uma forma geral, embora existam na história brasileira da psicologia esportiva evidências na década de 30, a participação de João Carvalhaes como psicólogo da seleção de futebol expandiu, deu visibilidade e estimulou a relação da área. A psicologia esportiva, enquanto campo de atuação na relação com o exercício físico e as diversas modalidades, ampliou-se e segue em busca de mais espaço e contribuições com diferentes esportes, situações e âmbitos. Ressalta-se também uma predominância de psicólogos voltados para equipes, seleções e times masculinos, sendo ainda remota a participação na compreensão com o gênero feminino. Com algumas ressalvas de tentativas na ginástica artística, mas mesmo as influências norte-americanas, já mencionadas, baseavam-se em atletas masculinos. Percebe-se que existe um crescente interesse e dedicação em estudos relacionados à saúde mental e relações do exercício físico e não somente da atividade física como ferramenta para melhoria do bem estar e saúde mental e permanece a necessidade de ampliação de modalidades e temáticas abordadas.
O desenvolvimento da psicologia do esporte aproxima-se das modalidades de atividades físicas e, por fazer parte dos currículos de graduação da educação física, entende-se que fica difícil dissociar do conhecimento e competência do professor/treinador. Quando compreendemos que esse é o profissional que acompanha os indivíduos que estão necessitando de orientação e suporte, percebemos que existe essa lacuna nos cursos de Psicologia; da mesma maneira que as ferramentas e análises mais profundas do grupo e aluno/atleta são limitadas no escopo do professor de educação física. Portanto, trataremos não mais de Psicologia Esportiva, e sim Comportamento Humano, entendendo que as atribuições de psicólogos e professores são diferentes, mas possuem uma área que essas relações interagem e que a cooperação levará ao melhor desenvolvimento do indivíduo que realiza o exercício/esporte. Focaremos na compreensão do Comportamento Humano do Exercício Físico e do Esporte, entendendo que esses conceitos e subáreas podem ser também distintos e que a análise do comportamento humano é muito mais abrangente que somente essas voltadas às práticas corporais. As áreas, Psicologia e Educação Física, não são excludentes, e sempre será melhor proporcionar um ambiente em que exista a possibilidade de somar profissionais. Mas, através do esporte e exercício físicos, tantos aprendizados são sistematizados e da mesma forma, como já referido, as relações de sentimentos, emoções são a base do comportamento humano e capazes de interferir nas aquisições e habilidades dos alunos/atletas. Nesse sentido, a disciplina busca sedimentar o conhecimento e auxiliar nas ferramentas para antecipação de situações reais e instrumentalizar para adaptações/manejo de contextos.
Quando se utiliza a referência de áreas de atuação, tenta-se delimitar, apresentar e sugerir diferentes campos de possibilidade de trabalhar, e limitar o escopo da profissão e competência do profissional que estará inserido nesse meio. No entanto, não se pode deixar esquecido o fato de que a concepção de humano baseia-se na psicologia sócio-histórica, na relação do ser humano em um indivíduo que é ativo, social, histórico e inserido em uma cultura que o molda. Compreende-se o ser humano como um ser determinado histórica e socialmente, levando em consideração suas relações, vínculos sociais, inserção em determinada sociedade e momento histórico. Segundo Weinberg, Gould (2017, p. 16.), “o uso efetivo da psicologia do esporte e do exercício na área requer a participação ativa no desenvolvimento do conhecimento”, combinando o conhecimento sobre as relações psicológicas e as práticas profissionais do exercício e/ou esporte. Quanto mais inserido na prática, atividade, o profissional estiver, mais ele vai entender as relações do comportamento que são ditadas pelo meio. Deve-se levar em consideração que as bases das pesquisas psicológicas são de observação e experimentação. Da mesma forma, a importância da individualidade, uma observação e análise sobre um comportamento humano não pode ser regrada para que todos tenham as mesmas reações e resultados, então os princípios do treinamento esportivo devem ser levados em consideração. O importante é saber que os fatores psicológicos são treinados, e quanto mais estivermos expostos às situações, maior será a gama de ferramentas para futuras adaptações. Existe então a necessidade de identificar quando e em quais situações devem ser individualizadas e em que momento devem ser treinadas.
A psicologia do esporte foi aprovada pela American Psychological Association (APA) como uma das divisões da área somente em 1986, e, de acordo com esse órgão, o interesse dos psicólogos está voltado para duas grandes áreas: auxiliar o atleta a fazer uso dos princípios psicológicos para alcançar um nível ótimo de saúde mental e otimizar o desempenho; explicar como a participação de exercícios físicos e esportes altera o desenvolvimento psicológico, bem-estar e saúde do aluno/atleta (RUBIO, 2007). Da mesma forma, APA (1999) determina as seguintes áreas de atuação:
Esporte de rendimento: analisa e transforma os determinantes psíquicos que interferem no rendimento; otimização do desempenho (performance) em uma estrutura formal e institucionalizada.
Esporte escolar: compreende e analisa os processos de ensino, educação e socialização inerentes ao esporte e seu reflexo na formação da criança, adolescente ou adulto praticante; formação e preparação para a cidadania e lazer. Leva em consideração princípios sócio-educativos, preparando seus praticantes para a cidadania e lazer.
Esporte recreativo – exercício/atividade física: possui o objetivo de proporcionar o bem estar, está relacionado à educação permanente e saúde. O praticante o realiza de forma voluntária, leva-se em consideração as análises do comportamento recreativo em diferentes idades e contextos sociais, bem como os motivos, interesses e atitudes.
Esporte de reabilitação: prevenção e intervenção em atletas lesionados e/ou pessoas com necessidades especiais.
Nesse sentido, embora, muitas vezes, mais relacionada ao esporte de alto rendimento, a psicologia esportiva pode ter intervenção em práticas de lazer (tempo livre), esporte escolar (educacional), iniciação esportiva, reabilitação, projetos sociais, entre outros. A atuação, quando não realizada pelo professor de educação física, e sim pelo psicólogo, é de acompanhamento dos treinos/aulas, competições, rotinas de trabalho. Mas também dos vestiários, preleções, confraternizações, deslocamento para as atividades. Assim como assessoramento do professor/treinador e atletas/alunos, de forma individual e coletiva. Importante abordar aspectos de comunicação, motivação, diferença entre os atletas, coesão, liderança, relações interpessoais (treinador/professor – atleta/aluno, atleta – atleta), bem como a influência da mídia e família. As questões individuais podem ultrapassar os limites das questões do esporte e equipes e, nesse caso, devem ser trabalhadas fora da relação de consultoria e sim na parte clínica.
Os profissionais de educação física, professores e/ou técnicos, necessitam compreender as questões relacionadas ao comportamento humano principalmente para o caso da não existência de um psicólogo junto no seu local de trabalho. Como já referenciado aqui, cabe ao professor/treinador entender a melhor forma de se relacionar com o aluno/atleta, na comunicação, motivação, perfis de praticantes e demais questões que influenciam as características individuais e também coletivas. Também precisa ser reforçado que a ideia do professor/treinador não é a de atuar como psicólogo, mas sim conhecer sobre essas questões importantes nas relações pessoais do seu trabalho e sentir-se apto para identificar possíveis perfis e/ou transtornos que necessitem de atenção direcionada da psicologia, bem como possuir as ferramentas necessárias para intervir, dentro das suas possibilidades, sempre respeitando a ética da profissão.
Segundo Lesky (1998), as áreas de possibilidades de atuação são: uma denominada “Educador”, que desenvolve a disciplina da psicologia esportiva na área acadêmica, seja no curso de Educação Física ou Psicologia, não necessitando uma formação específica; e outra como a área de “pesquisador”, única atuação que exige uma preparação específica, e não se refere à especialização em um único curso, podendo, esse profissional atuar com atletas e/ou equipes. Singer (1988) destaca outras possibilidades de atuação, denominando: especialista em psicodiagnóstico, conselheiro, consultor, cientista, analista, e otimizador, não determinando qual a necessidade de formação específica.
Isso posto, Rubio (1999) reforça que, além dos conhecimentos específicos herdados da psicologia, como modelos de intervenção e instrumentos de diagnóstico, necessita-se que esse profissional tenha conhecimento das questões que permeiam o contexto do atleta/aluno, noções de fisiologia do exercício, anatomia, biomecânica e também das dinâmicas, regras e especificidades da modalidade, principalmente quando esse aluno/atleta participa de treinamentos, competições e interagem em um ambiente específico como concentrações e alojamentos.
Os profissionais que optem por trabalhar com psicologia esportiva devem buscar constante treinamento, estudos e formação na ciência do esporte e do exercício, mas também entender a psicologia do movimento humano, principalmente no contexto que estiver inserido – levando em consideração as características da prática corporal e também faixa etária alvo – o esporte/exercício. Reitera-se que esse profissional não estará habilitado para tratar transtornos emocionais, tampouco são psicólogos licenciados, a não ser que tenham essa formação também. Denomina-se como especialista em psicologia educacional (WEINBERG, GOULD, 2017) sendo um treinador das questões emocionais, sentimentais e mentais, capaz de educar seu(s) aluno(s)/atleta(s) sobre o desenvolvimento e as habilidades psicológicas. Como, também reiterando, o controle da ansiedade, estresse, manejo da motivação, desenvolvimento da confiança, além da melhoria da comunicação e relações pessoais/de grupo. A Association for the Applied Sport Psychology (AASP), desde 1991, possui um programa de certificação em consultoria psicológica, possibilitando a qualificação em “consultor do esporte e do exercício” para graduados em psicologia e/ou ciências do esporte.
Decidido compreender e atuar nessa área da psicologia esportiva, é preciso também entender, além dos aspectos técnicos, as diferentes abordagens e orientações da psicologia (psicofisiológica, sociopsicológicas e cognitivas-comportamentais). Os com orientação psicofisiológicos compreendem os processos fisiológicos do cérebro e sua influência no exercício; os sociopsicológicos relacionam as interações do ambiente com o atleta/aluno; e os cognitivos-comportamentais examinam de que modo os pensamentos determinam comportamentos. Sendo fundamental integrar o conhecimento científico às práticas profissionais e definir de que forma será sua orientação e atuação.
O comportamento humano, dentro da psicologia esportiva e do exercício, é uma arte complexa, inerente ao indivíduo e fundamental para o desenvolvimento, aprimoramento e desempenho dos alunos/atletas.
CARVALHO, C. A. & JACÓ-VILELA, A. M. Psicologia do Esporte no Brasil em dois tempos: uma história contada e uma história a ser contada. In: XV Encontro Nacional da ABRAPSO. Maceió. Anais de Trabalhos Completos, 1-7, 2009.
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WEINBERG, R. S.; GOULD, D. Fundamentos da psicologia do esporte e do exercício. [recurso eletrônico] / tradução: Maria Cristina Gulart Monteiro, Regina Machado Garcez; revisão técnica: Dante de Rose Jr. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
Coordenação e Revisão Pedagógica: Claudiane Ramos Furtado
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Diagramação: Vinicius Ferreira
Ilustrações: Rogério Lopes
Revisão ortográfica: Igor Campos Dutra