Teorias do movimento;
Diferentes tipos de forças e como elas afetam o movimento humano;
As Leis de Newton;
Torque e Sistema de Alavanca
Neste nosso primeiro capítulo, abordaremos o aspecto cinesiológico e biomecânico relacionado com a cinética. A abordagem parte do princípio de que a cinética é a área de estudo que examina as forças que agem sobre um sistema, como o corpo humano ou qualquer objeto, ou seja, estuda o efeito das forças e massas no movimento. A área de análise cinética do movimento tenta definir as forças que provocam um movimento.
Veremos que os fundamentos básicos relacionados com cinética são de suma importância, norteando todo o estudo do movimento e permitindo, assim, a análise biomecânica do movimento humano.
Lembramos sempre de que você é protagonista da história que estamos construindo a partir de agora. Portanto, mãos à obra.
Força é um conceito intuitivo relacionado com o esforço para produzir um movimento ou para manter um objeto em repouso. Também considerada a ação de puxar ou empurrar aplicada sobre um corpo. Para caracterizar a força, temos que estabelecer três aspectos: intensidade, direção e sentido.
Intensidade: poderia ser comparada ao grau de contrações musculares, quanto maior a contração muscular, maior a força executada.
Direção: indica a linha de ação da força e, portanto, a direção das fibras musculares.
Sentido: indica se a força está empurrando ou puxando o objeto.
O aparelho mais elementar para medir a intensidade de uma força é uma mola. Quando aplicamos uma força na mola, esta se distende ou se contrai de uma extensão proporcional à força aplicada. Portanto, podemos comparar duas forças diferentes comparando as distensões em duas molas: quanto maior a distensão, maior a força. A intensidade da força é medida com uma mola calibrada que se chama dinamômetro. O dinamômetro é uma mola na qual a sua distensão está relacionada com a intensidade da força que provoca tal feito.
Uma unidade de medida de força pode ser o quilograma-força (kgf). Um quilograma-força (1kgf) corresponde ao peso de um objeto cuja massa é um quilograma (1kg). Portanto, o peso de uma pessoa cuja massa é 60 quilogramas (60kg) será de 60 quilogramas-força (60kgf). Existe uma distinção entre peso e massa: o peso é a força resultante da atração de nosso planeta (a gravidade), enquanto a massa é uma propriedade intrínseca do objeto e só depende dele, e não do planeta em que o objeto está localizado.
Toda grandeza só fica determinada quando são conhecidos a sua intensidade, direção e sentido, e é chamada de vetor. Além da força, outros exemplos de vetores são a velocidade e a aceleração. Um vetor é representado por uma letra com uma seta para cima.
É muito comum o estudo de vetores por meio de diagramas de corpo livre (qualquer objeto, corpo ou segmento corporal que esteja em análise). Nesta, a grandeza vetorial é representada por flechas. O comprimento da flecha é proporcional à intensidade do vetor, a linha reta da flecha coincidirá com a sua direção, enquanto a seta na ponta da flecha indica o sentido da grandeza vetorial. Um diagrama de corpo livre consiste em um desenho do sistema a ser analisado e representações vetoriais das forças que atuam conforme a imagem abaixo. Ainda que a mão precise aplicar força sobre a raquete para que esta faça contato com a bola, se a raquete é o corpo livre estudado, a mão é representada no diagrama de corpo livre da raquete somente como um vetor de força. Similarmente, se a bola de tênis constitui o corpo que está sendo estudado, a força da raquete que atua sobre a bola é demonstrada na forma de um vetor.
Como uma força raramente atua isoladamente, é importante reconhecer que o efeito total de muitas forças que atuam sobre um sistema ou um corpo livre é uma função da força resultante, que é a soma vetorial de todas as forças que atuam.
Terapeuticamente, quatro fontes principais de força constituem principal interesse:
Gravidade ou peso das partes corporais e aparelhos tais como talas, gesso, utensílios de comer, livros ou pesos.
Músculos, que podem produzir forças sobre os segmentos ósseos por contração ativa ou por serem esticados passivamente.
Resistências aplicadas externamente tais como polias de exercício, resistência manual, portas ou janelas.
Atrito, que pode proporcionar estabilidade, retornar o movimento se excessivo, e levar a instabilidade se inadequado.
O interesse pela força gravitacional deve-se ao fato de que todo corpo está submetido à gravidade, e, dessa forma, tanto a sustentação do corpo quanto o seu movimento são modulados pela gravidade. A maneira como nos equilibramos em pé ou como caminhamos é uma adaptação do corpo humano à ação da gravidade.
A força da gravidade é o resultado da interação de corpos que têm massa: por exemplo, de um indivíduo e do planeta Terra. É verdade que dois seres humanos também têm massa e, portanto, se atraem. No entanto, essa atração é muito pequena, imperceptível. A força da gravidade se refere, pois, à interação entre o planeta Terra e o corpo sendo estudado. Cada átomo está submetido à força gravitacional, ou peso. A direção do peso coincide com a reta que liga o átomo até o centro da Terra e seu sentido é de atração à Terra. A intensidade da força gravitacional é dada pela equação:
P= mg
onde P é o peso, m é a massa do átomo e g é a aceleração da gravidade. A massa é a medida em quilogramas, a aceleração em metros por segundo ao quadrado e o peso em Newton. A aceleração da gravidade é de 9,8 m/s².
Localizar o centro de massa de um objeto nem sempre é fácil. Para entender o conceito, segure uma régua simétrica no ar pelas suas extremidades. Agora, aproxime os dedos do centro até encontrar um ponto no qual a régua se equilibra sobre um único dedo. Esse ponto é o centro de gravidade. Ele se situa no eixo de simetria da régua. Note que metade da massa da régua está distribuída no lado direito do centro de gravidade e a outra metade no lado esquerdo. O que esse exemplo sugere é que a massa de um corpo simétrico fica igualmente distribuída em torno de seu centro de gravidade.
Se considerarmos que o corpo humano é simétrico em relação ao plano sagital, o seu centro de gravidade terá que se encontrar em algum ponto nesse plano a fim de separar a massa do corpo em duas partes iguais. Há evidências de que, para uma pessoa ereta e com os membros paralelos ao corpo, esse ponto se situa aproximadamente anterior à segunda vértebra sacra.
O centro de gravidade depende da maneira que os membros do corpo estão posicionados e torna-se dinâmico no corpo humano durante a realização de movimentos que envolvem a mudança contínua na reorientação dos segmentos do corpo, como caminhar, correr, saltar. Se observarmos uma bailarina sendo equilibrada no ar na posição horizontal por seu parceiro, o ponto de apoio da mão do seu parceiro se localizará, aproximadamente, na altura da segunda vértebra sacral. No entanto, se a bailaria fletir as pernas, o seu centro de gravidade vai se deslocar na direção de sua cabeça. Se seu parceiro quiser equilibrá-la nessa posição, ele terá que posicionar a mão em algum local entre a cabeça e a cintura da bailarina.
Por que é importante conhecer o centro de gravidade e de massa dentro do campo da fisioterapia?
Para analisar e facilitar o movimento;
Prescrever as cargas do exercício;
Equilibrar os segmentos;
Prevenir quedas;
É por meio do centro de gravidade que os corpos atingem ou não um ponto de equilíbrio.
Um corpo estará em equilíbrio sempre que ele estiver submetido a forças que não provocam mudanças em seu movimento, ou seja, sempre que a direção, sentido e a intensidade da velocidade do corpo não mudarem. Todo corpo continua em seu estado de repouso, ou de movimento uniforme em linha reta, a menos que seja compelido a mudar esse estado por forças externas nele incidentes.
A inércia de um objeto é utilizada para descrever sua resistência ao movimento. A inércia está diretamente relacionada à massa do objeto. A massa de um objeto é constante, independente do local em que é medida, e assim a massa é a mesma, tenha sido calculada na Terra ou na Lua. Quanto maior a massa de um objeto, maior será sua inércia e, portanto, maior a dificuldade em sua movimentação ou mudança de seu movimento atual.
Para fazer com que um objeto se movimente, a inércia do objeto precisa ser superada. Newton sugeriu que um objeto em repouso, um objeto com velocidade zero, permaneceria em repouso. Da mesma forma, um objeto que está em movimento, continua em movimento. A superação da inércia por esses objetos depende de uma força resultante externa maior do que a inércia do objeto. Exemplo: imaginemos um carro em uma autoestrada com um caixote em seu teto. O carro está se movendo com velocidade constante e em linha reta. Se, de repente, o motorista pisar nos freios, o caixote em cima do carro será projetado em direção ao capô. Ou seja, se não houver nenhuma força para segurar o caixote no teto, ele continuará com seu movimento inicial.
A grandeza que mede uma mudança na velocidade de um objeto é a aceleração. Portanto, uma força não nula é responsável por uma aceleração não nula, de modo a alterar a velocidade do objeto.
Por exemplo, vimos que a aceleração da gravidade é de 9,8 m/s². Isso quer dizer que a velocidade de um objeto que está caindo aumenta de 9,8 m/s a cada segundo devido à gravidade. Desconsiderando a fricção com o ar, a única força a atuar no corpo durante essa queda é seu peso, com direção vertical, sentido apontando para o centro da Terra e intensidade constante.
Também sabemos que, para aumentarmos a aceleração de um objeto, temos que aumentar a força que nele atua. Isso sugere que a força é diretamente proporcional à aceleração. Matematicamente, temos: F = ma, onde m é a constante de proporcionalidade entre a força e a aceleração.
Para determinarmos a que quantidade física corresponde m, imaginemos um indivíduo aplicando força F em uma caixa de fósforos. Essa força vai produzir determinada aceleração a na caixa. Se essa mesma força for aplicada em um caminhão, ela produzirá uma aceleração muito menor que a. Portanto, a aceleração de um objeto não depende só da força aplicada nesse objeto, mas também da massa desse objeto: quanto maior a massa (caminhão) menor a aceleração. Isso sugere, então, que a constante da proporcionalidade corresponde à massa do objeto.
A segunda lei de Newton diz que a aceleração que um corpo adquire é diretamente proporcional à resultante das forças que nele atuam e têm a mesma direção e o mesmo sentido dessa resultante. Logo, a segunda lei acrescenta um elemento de compreensão ao conceito vago que tínhamos de força, isto é, o esforço para colocar um corpo em movimento. Agora, cada vez que pensarmos em uma força temos de relacioná-la com a causa da aceleração de um corpo.
A terceira lei de Newton rege a interação entre dois corpos. Essa lei diz que se um corpo A exerce uma força em um corpo B, então o corpo B vai reagir exercendo uma força no corpo A de mesma intensidade, mesma direção, mas de sentido oposto. A força do corpo A no corpo B é chamada de ação, e a força do corpo B no corpo A é denominada reação. Para toda ação, há uma reação de igual intensidade, mas de sentido oposto.
Imagine um indivíduo segurando um haltere na mão com o cotovelo fletido. As forças que agem no haltere são seu peso e a força normal exercida pela superfície da mão. Essas duas forças têm a mesma direção e sentidos opostos. Se o haltere permanecer em repouso na mão do indivíduo, então as duas forças terão a mesma intensidade de modo a se anularem. Nesse exemplo, a força normal é a ação da mão no haltere e, segundo a terceira lei de Newton, existe uma reação sendo aplicada na mão pelo haltere. As forças que agem no antebraço serão então seu peso, a força exercida pelo braquial e bíceps braquial, para mantê-lo na posição perpendicular, e a reação exercida pelo haltere na mão. Outro exemplo é quando uma pessoa caminha sobre uma superfície, ela é direcionada para frente graças à força que ela aplicou sobre o chão. Toda força que um corpo recebe é consequência da força que ele aplicou.
Torque é o produto da força vezes a distância perpendicular (d) desde a sua linha de ação até o eixo do movimento ou movimento potencial, (T = F x D). O torque é a expressão da eficácia de uma força para virar um sistema de alavanca. Um exemplo comum é representado pelas tentativas de abrir uma porta que está emperrada. Pode-se empurrar ou puxar no centro da porta com toda a força que pode ser concentrada, e não abrir a porta. Se, no entanto, essa mesma força for aplicada tão longe quanto possível das dobradiças da porta (eixo), a força é mais eficaz para abrir a porta (comprimento aumentado do braço de alavanca). Usando uma alavanca mecânica simples, como a gangorra, uma criança de 22,5kg é capaz de equilibrar uma criança de 45kg se a distância do braço de alavanca da criança de 22,5kg tiver o dobro do comprimento da distância do braço de alavanca da criança de 45kg.
Os princípios do torque são usados pelos terapeutas ao testar a força dos músculos (testes musculares manuais) e ao aplicar exercício resistido manual. Por exemplo, ao testar a força dos flexores de cotovelo, o terapeuta prefere aplicar resistência no punho em vez de no meio do antebraço. Em cada caso, o torque produzido pelos flexores do cotovelo do paciente é o mesmo. A força que o terapeuta aplica, no entanto, é aproximadamente a metade no punho que no meio do antebraço, em virtude do braço mais longo de resistência. Essa força mais baixa proporciona ao terapeuta melhor controle e discriminação do torque produzido pelo paciente.
Na figura a seguir, o paciente é ilustrado segurando um peso de exercício na mão com o ombro em três posições de flexão. No ombro, o torque produzido pelo peso varia com a distância perpendicular desde a linha de ação da força (peso) até o centro da articulação. A distância perpendicular é então o braço da resistência. Assim, o torque produzido pelo peso aumenta à medida que a mão é levada para longe do corpo, e atinge o máximo com 90° de flexão de ombro. O torque a seguir diminui novamente à medida que a flexão continua. Somente quando a linha de ação de uma força é perpendicular ao braço de alavanca é que a distância é a mesma que o braço real da alavanca, como aos 90°.
Clinicamente, a redução do torque é enfatizada, ao levantar e carregar, para prevenir sobrecarga ou lesão à pessoa que está levantando. Por exemplo, na elevação e transferência por duas ou três pessoas de um paciente do leito para a maca ou cadeira de rodas, as instruções incluem deslizar o paciente para perto da beira da beira da cama (e dos corpos dos levantadores) antes de tentar levantar o paciente. A instrução seguinte é levantar e rolar rapidamente o paciente no sentido dos toraces dos levantadores. Os movimentos de primeiro deslizar e a seguir rolar o paciente trazem o centro de gravidade do paciente para mais perto do centro de gravidade dos levantadores, assim reduzindo o torque e a probabilidade de lesão pelo esforço excessivo.
Alavanca é uma máquina simples constituída por uma barra suspensa por um ponto de apoio que converte força em torque. O corpo humano em movimento constitui-se de exemplos de três tipos de alavancas. A diferenciação entre os três tipos está principalmente na localização do eixo de rotação e o braço de alavanca. Nesse sistema, convencionou-se chamar a força exercida pelo músculo de força interna (FI), e o respectivo braço de alavanca, de braço de alavanca interno (BFI); a força contrária, de força externa (FE) ou resistência, e o respectivo braço de alavanca, de braço de alavanca externo (BFE).
Quando o eixo de rotação se encontra posicionado entre duas forças em oposição (entre a força e a resistência), como acontece em uma gangorra, dizemos tratar-se de uma alavanca de primeira classe ou interfixa. Assim, o eixo de rotação (ponto fixo) está entre a força externa e a força interna. Um clássico exemplo desse tipo de alavanca no corpo humano é o equilíbrio da cabeça. A cabeça estará em equilíbrio, quando o produto da força dos músculos posteriores (FE) pelo BFE for igual ao produto do peso da cabeça (FE) pelo BFE. Observar que, embora essas forças tenham direções paralelas, produzem torque em direções opostas. Quando um indivíduo cochila, a cabeça tende a cair em flexão porque os músculos posteriores se relaxam, tornando desigual a distribuição de forças.
Quando o eixo de rotação se localiza mais próximo de um extremo da barra, e o sistema muscular (FI) tiver vantagem mecânica, diz-se tratar-se de alavanca de segunda classe ou inter-resistente. Assim, a força externa (resistência) está entre o ponto fixo (eixo) e a força interna (muscular). Esse tipo de alavanca é similar ao observado em um carrinho de mão; não é muito frequente no corpo humano, mas explica como o tríceps sural se organiza para vencer o peso do corpo para colocar um indivíduo na ponta dos pés. O eixo de rotação é representado pelas articulações metatarsofalângicas, já que permanece fixo no solo e a barra – pé/roda em torno desse eixo. O peso do corpo é a FE. O BMI é maior do que BME, configurando no conjunto a vantagem mecânica de FI.
Muito comum no corpo humano é alavanca de terceira classe ou interpotente, na qual o eixo de rotação localiza-se em um dos extremos da barra e a FE ou resistência tem vantagem mecânica sobre FI. Assim, a força interna (potente – muscular) encontra-se entre o eixo e a força externa (resistência). Esse tipo de alavanca explica como o músculo flexor do cotovelo (FI) se comporta para produzir torque flexor e sustentar o peso segurando na mão. BME é maior que BMI e o peso externo tem vantagem mecânica sobre a FI.
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Ilustrações: Luiz Specht
Revisão ortográfica: Igor Campos Dutra