INTRODUÇÃO A EPIDEMIOLOGIA
Prof. Simone Echeveste
Prof. Simone Echeveste
Os principais conceitos e definições de Epidemiologia;
A breve história da Epidemiologia;
A importância dos estudos Epidemiológicos no avanço da Ciência e na promoção da saúde de uma população.
Para que se possa intervir com eficácia nas origens de uma doença, é fundamental que se conheçam todos os fatores relacionados a ela, sejam eles de caráter social, cultural ou regional. É com este viés “macro” e sistêmico que surge a ciência EPIDEMIOLOGIA.
Hipócrates incluiu um olhar comunitário na compreensão das doenças, uma visão mais ampla e abrangente sobre as causas e da relação de fatores sociais que ajudassem a explicar a origem, propagação e possíveis curas. Inicialmente, a epidemiologia era conhecida como o estudo das doenças transmissíveis. Hoje, no entanto, sabemos que ela é muito mais abrangente, uma vez que trata de qualquer evento relacionado à saúde das populações, transformando-se em uma Ciência valiosa para a prevenção de doenças.
A epidemiologia estuda o processo saúde-doença de grupos de pessoas, objetivando uma melhoria na saúde das populações, principalmente das menos favorecidas.
Uma das características fundamentais da prática epidemiológica é a medida de saúde e de doença, e diversas são as medidas que auxiliam na caracterização da saúde das populações. Por muitos anos, a teoria da unicausalidade era norteadora para o entendimento das doenças, e atualmente a teoria da Multicausalidade tem seu papel reconhecido na epidemiologia.
Estes serão alguns dos conceitos que iremos trabalhar em nossa disciplina. É importante lembrar que dominar bem os conceitos explorados neste capítulo servirão de subsídio para sua preparação acadêmica e na sua profissional na área da saúde.
A epidemiologia já foi definida de diferentes maneiras de acordo com a visão de mundo da época em que foi escrita. Em 1927, Frost definiu epidemiologia como o “estudo da história natural das doenças”. Sartwell, em 1973, entendia que a epidemiologia era o “uso de todos os métodos pertinentes que estão disponíveis para estudar a distribuição e dinâmica das doenças nas populações humanas”. Recentemente, em 2000, Pereira passou a entender a epidemiologia como o estudo do comportamento coletivo da saúde e da doença (MEDRONHO et al., 2008).
Adotaremos aqui a definição que caracteriza epidemiologia como:
A Ciência que estuda o processo saúde-doença na sociedade, analisando os fatores determinantes do risco de doenças, propondo medidas de prevenção, controle e erradicação de enfermidades, promovendo a saúde individual e coletiva através da informação e do conhecimento como apoio à tomada de decisão no planejamento e na gestão de programas, serviços e ações de saúde. (GOMES, 2015)
Essas definições de epidemiologia, assim como tantas outras que existem na literatura, têm em comum o estudo da doença na população. Sendo assim, todas elas se preocupam em descobrir como as doenças se distribuem e quais são as causas, visando identificar os fatores determinantes/causais no processo saúde-doença.
É importante destacar que a epidemiologia faz uso de métodos matemáticos e de técnicas de estatística para quantificar os fenômenos saúde-doença. Isso fez com que ela se tornasse a principal fonte de informação em saúde, se destacando na produção de metodologias para todas as áreas da saúde.
Alguns autores contam que a epidemiologia surgiu ainda na Antiguidade, com Hipócrates, uma vez que ele descrevia as epidemias e o ambiente. No entanto, os sucessores de Hipócrates não mantiveram o entendimento de coletividade, concebendo a cura individual como referência na prática médica (BARROS, 2006)
Hipócrates (460 a.C.-377 a.C.)
Médico grego, considerado o pai da Medicina, o mais célebre médico da Antiguidade e o iniciador da observação clínica. Seu trabalho tinha por objetivo descobrir como funcionava o corpo humano, levando sempre em conta a ação do ambiente e da alimentação. Um de seus principais méritos foi introduzir o método científico na cura das doenças, dando início à literatura científica médica e aos registros clínicos.
Hipócrates usou os termos epidemeion e endemeion na escola de Cós, há mais de 2.400 anos, de modo a incorporar um olhar comunitário na compreensão das doenças. Com essas designações, procurava diferenciar as doenças que visitavam a população - o verbo epidemeion significa “visitar” - daquelas que nela residiam em permanência. Hipócrates referiu e estruturou as bases da investigação epidemiológica, e ao longo dos séculos pensou-se a distribuição das doenças em termos de tempo, espaço e pessoas. (BARROS, 2006)
A dominação da Igreja católica e as invasões dos bárbaros, na Idade Média, estimularam a adoção de práticas de saúde baseadas em crenças religiosas.
Os tratamentos mágico-religiosos propunham que, mesmo que o corpo fosse perdido, a alma poderia ser salva. Esse movimento fez com que a “medicina” fosse realizada pelos religiosos, por caridade, ou pelos leigos, por profissão. Nessa época não era oferecida nenhuma prática para tratamento coletivo, a menos que surgisse alguma praga ou epidemia.
Com a ascensão da burguesia, países como a França, Estados Unidos e Inglaterra começaram a exigir que o Estado interferisse na saúde da população. Movimentos assistencialistas começaram a promover a medicina para os pobres, e a Revolução Industrial e sua economia política deram origem à uma classe proletária, que tinha a força do trabalho como único meio de sobrevivência.
Almeida Filho (1986) destaca:
A Revolução Industrial e sua economia política trazem o fato e a ideia da força de trabalho. O desgaste da classe trabalhadora deteriora profundamente as suas condições de saúde, conforme mostra Friedrich Engels em seu "As Condições da Classe Trabalhadora na Inglaterra em 1844", talvez o primeiro texto analítico da epidemiologia crítica. Um dos socialismos passa a interpretar a política como medicina da sociedade e a medicina como prática política. Desde então, o termo Medicina Social, serve para designar genericamente modos de tomar coletivamente a questão da saúde. Mas o projeto original da Medicina Social morre nas barricadas da Comuna de Paris de 1848. Também Engels não pretendia ser médico, e muito menos inaugurar a Epidemiologia.
No século XIX, com a prevalência de doenças infectocontagiosas, o avanço da bacteriologia, da patologia e da fisiologia fez com que a medicina colocasse o foco na assistência nos aspectos curativos das pessoas. A medicina estava, novamente, vinculada com aspectos individuais da doença (MEDRONHO et all, 2008).
Na década de 1960, com o surgimento da computação, foi possível ampliar os conhecimentos na área da Epidemiologia através da Matemática e da Estatística. As novas técnicas de análise de dados tornaram-se mais efetivas e específicas, ampliando o volume de informações e tornando a tomada de decisões cada vez mais precisa.
Modelos matemáticos explicativos foram essenciais para a evolução do pensamento epidemiológico, e nesse momento ganha força o princípio de causalidade multifatorial, representado pelas teias de causalidade. Esse novo olhar sobre a doença e suas causas teve sua eficácia comprovada na observação de várias doenças em que a investigação epidemiológica foi a chave para a compreensão das causas e seus mecanismos.
Destacaremos a aplicabilidade da epidemiologia de forma breve e objetiva, mesmo sabendo que sua utilidade é bastante abrangente. Sendo assim, sintetizamos algumas de suas aplicabilidades:
A investigação epidemiológica é central para a determinação diagnóstica e prognóstica das condições populacionais bem como para a avaliação da qualidade e da adequação dos serviços prestados, sendo impensável atingir sem ela a desejada eficiência dos serviços.
A saúde e a doença são conceitos que foram interpretados de maneiras distintas ao longo do tempo. A saúde já foi definida como um estado em que os diversos sistemas do organismo estavam em silêncio e equilíbrio. Sendo assim, essa concepção não torna possível caracterizar como doença qualquer problema que estivesse relacionado com algum aspecto mental ou social.
Considerar um indivíduo saudável quando suas funções orgânicas, físicas e mentais encontram-se em situação normal também pode gerar uma série de dúvidas. Como sabemos o que é “normal” e “anormal”? Ficaria a critério de cada indivíduo determinar o que é uma pessoa saudável?
Sendo assim, em 1948, a Organização Mundial da Saúde (OMS) sugeriu como definição de saúde o “completo estado de bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças”. Mas, novamente, esbarramos em conceitos difíceis de serem avaliados. O que é o “completo estado de bem-estar”?
No final do século XVII, a causalidade social das doenças aparece com força. Todas as diferentes teorias de causalidade fortalecem a ideia de que as definições de saúde e doença são determinadas pelos fatos históricos e aspectos sociais.
Com o desenvolvimento da bacteriologia, no século XVIII, as teorias começaram a apresentar causas mais palpáveis, uma vez que agora era possível identificar vírus e bactérias. Ficou evidente que as doenças tinham uma causa específica que poderia ser combatida com agentes químicos ou vacinas. Tratava-se do início da concepção unicausal.
Até o início do século XX, essa concepção foi bem aplicada para doenças infecciosas, mas logo se percebeu que essa teoria possui limitações, uma vez que não explicava todos os tipos de doenças. Algumas enfermidades não conseguiam ser explicadas por apenas uma causa. Isso fez com que essa ideia fosse substituída por outras mais abrangentes.
Rothman, em 1986, propôs um modelo de causalidade. Esse modelo dizia que certo fenômeno não seria explicado por um único fator, mas sim por uma cadeia de fatores. Essas causas, juntas, agiriam para a produção de determinado efeito. Esse modelo parece o mais coerente para correlacionar causa e efeito. Por considerar a multicausalidade, em que cada mecanismo causal envolve a ação conjunta de várias causas componentes (MEDRONHO, 2008).
A Epidemiologia tem como objetivo construir uma teia de causas que podem culminar na ocorrência de uma doença em uma população. Ao construir essa teia de associações, é possível identificar e dar prioridade para as relações causais que podem promover a saúde da população, evitar enfermidades ou outras complicações.
Na área da saúde, existem diversas formas de medir o nível de vida e de saúde de uma população. Essas medidas são efetuadas utilizando coeficientes e índices. Para isso, é necessário seguirmos alguns critérios, por exemplo, é preciso que os dados de toda a população de uma determinada área estejam disponíveis, utilizar as mesmas definições e mesmos métodos para todos os países, com o objetivo de comparação.
O coeficiente de prevalência é o número de casos de uma doença que existe em uma população em um período de tempo específico dividido pelo número total de pessoas nessa população no mesmo período.
A prevalência nos informa quantos casos existem naquela determinada população, somam-se os casos novos e os já existentes, sem diferenciá-los.
A incidência da doença é definida como o número de casos novos em um período de tempo, em uma população exposta ao risco de ficar doente. É possível verificar a incidência de uma doença por meio de um coeficiente que pode ser calculado da seguinte forma:
A prevalência como a incidência são medidas da frequência de uma doença em uma população, porém representam conceitos distintos, pois enquanto a prevalência se refere ao número total de casos de uma doença em um período de tempo, a incidência refere-se apenas aos novos casos.
Dessa forma, podemos entender a PREVALÊNCIA como uma medida estática, uma “fotografia” em determinado período de tempo; já a INCIDÊNCIA pode ser compreendida como uma medida “em movimento” pois ela representa a frequência de casos novos.
Mortalidade refere-se ao conjunto de indivíduos que morreram em um dado intervalo de tempo em relação ao número de expostos ao risco de morrer.
A letalidade é entendida como o maior ou menor poder que uma doença tem de provocar a morte. Pode ser calculada pela relação entre os óbitos causados por uma determinada doença e o número de pessoas que foram acometidos por essa doença.
A Morbidade refere-se ao conjunto de indivíduos que ADOECERAM em um dado intervalo de tempo em relação ao número de expostos à doença.
Na área da saúde, temos alguns conceitos importantes relacionados à abrangência de uma determinada doença, vamos ver aqui as características de cada um deles:
Surto é a ocorrência de dois ou mais casos epidemiologicamente relacionados e acontece quando há um aumento inesperado de casos em um espaço extremamente delimitado. Pode ser compreendido como a ocorrência de um fenômeno restrito a um quartel, creche, festa, bairro.
Epidemia é a ocorrência em uma comunidade ou região de casos de natureza semelhante, claramente excessiva em relação ao esperado. Também é caracterizada pela ocorrência de vários surtos em várias regiões. O conceito usado na epidemiologia diz que a epidemia é uma alteração, espacial e cronologicamente delimitada, do estado de saúde-doença de uma população, caracterizada pela elevação inesperada e descontrolada dos coeficientes de incidência de uma determinada doença.
A pandemia é caracterizada como uma epidemia de larga distribuição geográfica, atingindo mais de um país ou continente. Em uma escala de gravidade, é a mais preocupante caracterizada por uma epidemia que se estende a níveis mundiais.
A Endemia não está relacionada a uma questão quantitativa, pois caracteriza-se pela ocorrência de uma doença em um determinado local ou região, não avançando para outras localidades. Tem duração contínua, porém restrita a uma determinada área geográfica conhecida como “faixa endêmica”.
ALMEIDA FILHO, Naomar de. Bases históricas da Epidemiologia. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro , v. 2, n. 3, 1986. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v2n3/v2n3a04.pdf. Acesso em 08 de dezembro de 2019.
BARROS, H. . A evolução do pensamento epidemiológico. Disponível em: http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/am/v20n4/v20n4a04.pdf. Acesso em 08 de dezembro de 2019.
BUSATO, I. M. S.; Epidemiologia e processo saúde-doença. Curitiba: InterSaberes, 2016.
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GOMES, E. C.S. Conceitos e ferramentas da epidemiologia. Recife: Universitária da UFPE, 2015.
MEDRONHO, R.A.; BLOCH, K.V.; LUIZ, R.R.; WERNECK, G. L. Epidemiologia. São Paulo: Atheneu, 2008.
TIETZMANN, D. Epidemiologia. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2014.
Coordenação e Revisão Pedagógica: Claudiane Ramos Furtado
Design Instrucional: Luiz Specht
Diagramação: Marcelo Ferreira
Ilustrações: Marcelo Germano
Revisão ortográfica: Ane Arduim