ESTRUTURA CRISTALINA, SOLIDIFICAÇÃO, IMPERFEIÇÕES E TÉCNICAS DE CARACTERIZAÇÃO
Prof. Ester Schmidt Rieder
Prof. Ester Schmidt Rieder
A diferença entre materiais cristalinos e não-cristalinos;
Os tipos de estrutura cristalina mais comuns dos materiais metálicos e cerâmicos;
A diferença entre materiais mono e policristalinos;
Como determinar o fator de empacotamento atômico e o número de coordenação das diferentes estruturas cristalinas;
Como determinar a densidade dos sólidos metálicos;
O que é polimorfismo e alotropia;
As formas de imperfeição nos materiais sólidos;
Técnicas de caracterização de estruturas cristalinas.
Como já vimos no Capítulo 1, os tipos de ligação e interação química entre os átomos[1] determinam, de forma significativa, as propriedades dos materiais. Estas, no entanto, não são as únicas características que definem as propriedades. A forma de organização no espaço de seus átomos1, também, é determinante.
Os materiais, mesmo que apresentem as mesmas estequiometrias (relação molar entre seus átomos) e tipos de ligação, podem apresentar seus átomos1 de forma organizada ou desorganizada.
No estado sólido, os átomos1 podem se posicionar de forma organizada, com periodicidade de posicionamento ao longo da estrutura nas três dimensões, caracterizando uma estrutura cristalina, ou podem se posicionar de forma não periódica, caracterizando uma estrutura não cristalina ou amorfa.
Os metais e muitos materiais cerâmicos apresentam estruturas cristalinas. Já a maioria dos materiais poliméricos apresentam estruturas amorfas.
Os materiais, também, podem apresentar as duas formas de organização, cristalina ou amorfa, sendo a forma dependente das condições de processamento.
As estruturas cristalinas dos metais são relativamente simples, já os materiais poliméricos e cerâmicos podem apresentar estruturas bastante complexas.
Neste capítulo, abordaremos as estruturas cristalinas mais comuns, características de materiais metálicos e de alguns materiais cerâmicos. As estruturas dos materiais poliméricos serão abordadas no próximo capítulo.
1 Átomos neutros, íons ou moléculas.
Como já definimos, a estrutura cristalina é a forma como os átomos[1] se organizam no espaço em estado sólido.
A estrutura cristalina de um material é representada pela célula unitária, que é definida como a menor porção representativa do todo, isto é, o menor agrupamento de átomos ou íons que se repete ao longo da estrutura.
As possibilidades de célula unitária abrangem os sete sistemas cristalinos: cúbico, tetragonal, ortorrômbico, monoclínico, triclínico, hexagonal, romboédrico. Esses sistemas são definidos em função da extensão dos seus eixos e do ângulo entre estes, denominados de parâmetros de rede.
Além do posicionamento dos átomos[1] nos vértices desses sistemas, estes podem se encontrar em outros pontos da estrutura, ampliando as possibilidades de arranjo cristalino para 14, descrevendo todas as possibilidades de estrutura possíveis. Esses arranjos foram definidos por Auguste Bravais e são conhecidos como os 14 arranjos de pontos possíveis no espaço ou Redes de Bravais. Os sete sistemas cristalinos e as 14 Redes de Bravais podem ser visualizados no Capítulo 3 do Shackelford (2008).
A maioria dos metais apresenta empacotamento denso e uma estrutura cristalina simples. Essas estruturas densas e organizadas são comuns, pois apresentam menor energia para o seu empacotamento. As estruturas mais comuns para esses materiais são: cúbica de corpo centrado, cúbica de face centrada e hexagonal compacta.
Para facilitar o entendimento dos empacotamentos do sistema cúbico, iniciaremos com a representação da estrutura cúbica simples, CS. Essa é uma estrutura rara, pois possui baixa densidade de empacotamento e não é característico de metais.
A célula unitária da estrutura CS é constituída de átomos posicionados nos oito vértices (1/8 de átomo em cada vértice, pois cada átomo no vértice é compartilhado por oito células vizinhas). Cada célula unitária da estrutura CS apresenta, portanto, um átomo (Figura 1 a).
A estrutura cúbica de corpo centrado, CCC, apresenta, em sua célula, átomos posicionados nos oito vértices (1/8 em cada vértice) e um átomo no centro do cubo. Cada célula unitária da estrutura CCC apresenta, portanto, dois átomos (Figura 1 b). Metais com essa estrutura são: Fe α, Cr, Mo, Nb, V, W, Ba, Li e K.
A estrutura cúbica de face centrada, CFC, apresenta átomos nos oito vértices (1/8 em cada vértice) e átomos posicionados no centro das faces do cubo (compartilhados pelas células vizinhas, correspondendo a 1/2 átomo em cada uma das seis faces da célula). Cada célula unitária da estrutura CFC apresenta, portanto, quatro átomos (Figura 1 c). Metais com essa estrutura são: Al, Ni, Cu, Ca, Au, Ag e Pt.
A estrutura hexagonal compacta, HC, apresenta os planos superiores e inferiores da célula compostas por seis átomos, formando um hexágono. Entre esses planos há, ainda, a formação de um plano interno composto por três átomos, Figura 2. A célula unitária do HC é composta por seis átomos (1/6 dos átomos posicionados nos 12 vértices, 1/2 átomo de cada plano externo, superior e inferior, e os três átomos do plano interno). Metais com essa estrutura: Cd, Ti, Zn e Mg.
Um material pode cristalizar-se em um arranjo periódico de átomos ao longo de toda a estrutura sólida, resultando em um monocristal, ou cristalizar-se em multigrãos, resultando em um policristal.
Um monocristal pode formar-se, naturalmente, como em algumas pedras preciosas, mas, também, pode ser produzido em condições controladas para aplicação, por exemplo, em circuitos eletrônicos.
Em geral, os materiais são policristalinos. São constituídos de grãos com diversas orientações cristalográficas, que, no processo de solidificação, coalescem até solidificação completa, resultando em contornos de grão definidos, Figura 3. O tamanho e formato dos grãos refletem, significativamente, nas características do material.
Uma característica importante de uma estrutura cristalina é o seu fator de empacotamento atômico, FEA. Este define a fração do volume total da célula unitária ocupada por átomos, sendo determinado pela relação entre o volume de átomos na célula e o volume da célula, conforme a equação:
onde n: número de átomos da célula unitária;
VA: volume do átomo:
sendo r, o raio atômico;
Vc: volume da célula unitária, a3 (para sistema cúbico), sendo a, o parâmetro de rede, que depende da estrutura cristalina.
Os parâmetros de rede para o CS, CCC e CFC são respectivamente:
conferindo, às estruturas, FEA de 0,52; 0,68 e 0,74, respectivamente.
A estrutura HC possui dois parâmetros de rede: de base e de altura, a e c, respectivamente, como mostra a Figura 2. O parâmetro de base a corresponde a 2r. Idealmente, a relação c/a é 1,633, no entanto, desvios são observados. O FEA para o HC é 0,74, igual à estrutura CFC. Ambos apresentam o fator máximo de empacotamento.
O número de coordenação, NC, representa o número de átomos vizinhos ligantes de um determinado átomo na estrutura.
Na estrutura cúbica simples, um átomo apresenta dois átomos vizinhos em cada eixo, sendo NC: 6. Na estrutura CCC, cada átomo central possui ligação com os átomos posicionados nos oito vértices do cubo, sendo o NC: 8. Na estrutura CFC, o átomo de cada face possui quatro átomos vizinhos nos vértices da face, quatro átomos atrás e quatro na frente da face, resultando em NC: 12. A estrutura HC, semelhante ao CFC em fator de empacotamento, também contém NC: 12.
Outra característica importante dos materiais é a sua densidade. A densidade de um sólido metálico pode ser determinada pela equação:
onde A: massa atômica
NA: número de Avogadro (6,022x1023 átomos/mol)
As estruturas cerâmicas apresentam estruturas mais complexas e uma grande variabilidade de constituintes, bem como podem apresentar estruturas amorfas, como é o caso do vidro. Acessar o Item 3.3 (estruturas cerâmicas) do Shackelford (2008) para o conhecimento dessas estruturas.
As estruturas são organizadas e apresentadas de acordo com a sua composição em MX, MX2, M2X3, M’M’’X3 (sendo M metal, X não-metal e M’ e M’’, quando composto por dois metais) e outras composições. Observar, nesse item, as características dos compostos: CsCl, NaCl, CaF2, SiO2, Al2O3 e CaTiO3.
Assim como os metais apresentam FEA, os compostos iônicos (materiais cerâmicos) apresentam o fator de empacotamento iônico (FEI), referindo-se à fração da célula unitária que é ocupada pelos íons (cátions + e ânions -).
A determinação do número de coordenação (NC) dos materiais iônicos já foi vista no capítulo anterior (Capítulo 1).
Polimorfismo é a condição característica de alguns materiais em apresentar mais de uma estrutura cristalina, dependendo das condições de temperatura e pressão. Se o material for puro, de apenas um elemento, é denominado de alotropia. Exemplos de materiais com essa característica: sílica (SiO2), nas formas de quartzo, cristobalita e tridimita; carbono, nas formas de diamante, grafite e fullerenos; ferro, nas formas CCC e CFC (conferindo diferentes propriedades ao aço) e titânio, nas formas CCC e HC.
As estruturas cristalinas dos materiais de engenharia não são perfeitas. Diversas imperfeições fazem parte da estrutura, sendo a abundância e tipo refletidos nas suas características e propriedades. O tipo e quantidade de imperfeições dependem do material, do meio e da forma como o material foi processado. A imperfeição pode se apresentar como irregularidades nas posições dos átomos e nos tipos de átomos envolvidos na estrutura.
Para acompanhar o tema, observar as figuras que apresentam os tipos de imperfeição no Capítulo 4 do Shackelford (2008) ou no capítulo 4 de Callister e Rethwisch (2016).
As irregularidades relacionadas às posições dos átomos podem apresentar-se como:
Originados no processo de solidificação ou decorrentes de vibrações térmicas dos átomos, sendo o número de defeitos elevado exponencialmente com a temperatura. Podem se apresentar nas formas:
Lacuna ou vacância: falta de átomos em alguns sítios atômicos;
Intersticial: posicionamento de átomos em interstícios da estrutura, fora de sua localização naturalmente encontrada em uma estrutura perfeita, gerando distorções na rede cristalina;
Defeito Frenkel: somente para sólidos iônicos. Íons saem de sua posição original do cristal e se alojam em regiões intersticiais;
Defeito Schottky: também para sólidos iônicos. Envolve a falta de um íon positivo (cátion) e um íon negativo (ânion) de uma região na estrutura. A compensação de cargas leva à formação de vazios.
Estruturas de empacotamento compacto apresentam um menor número de defeitos intersticiais e de Frenkel, comparado aos de vacâncias e de Schottky, uma vez que é necessária energia adicional para forçar os átomos para novas posições.
Defeitos em linha (uma dimensão). O movimento das discordâncias é o nível microscópico da deformação plástica, que ocorre por tensões de cisalhamento (“escorregamento”); o seu controle permite, por exemplo, aumentar a resistência mecânica e o endurecimento de materiais. Aqui, vale uma leitura do Capítulo 7 Callister e Rethwisch (2016). Tipos:
Discordância aresta: a linha de discordância está associada à presença de um plano descontínuo de átomos;
Discordância espiral: trajetória, em espiral, em torno da linha de discordância pelos planos do cristal;
Discordância mista: presença dos dois tipos de discordância (aresta e espiral).
Irregularidades em planos (duas dimensões). Tipos:
Contorno de grão: região entre dois monocristais adjacentes. O tamanho do grão impacta a resistência mecânica do material. Pode-se obter um aumento da resistência pela redução do tamanho do grão, o qual pode ser obtido pelas condições do processo. Amplie seu conhecimento sobre esse tema no Item 7.8 do Callister e Rethwisch (2016);
Contorno de macla ou gêmeo: contorno de grão com simetria em imagem espelho do arranjo cristalino dos grãos. A região entre esses contornos é denominada de macla. Esse defeito pode ser produzido por forças de cisalhamento (maclas de deformação) ou por tratamentos térmicos de recozimento (maclas de recozimento). Amplie seu conhecimento sobre deformação por maclagem no Item 7.7 do Callister e Rethwisch (2016);
Contorno de fase: contorno entre as diferentes fases;
Superfície externa: porção do material exposta ao meio.
São defeitos (em três dimensões) introduzidos no material no processamento. Exemplos: trincas, inclusões (impurezas estranhas), poros, precipitados (aglomerados de partículas cuja composição difere da matriz) e outras fases.
As irregularidades relacionadas ao tipo de átomo na estrutura envolvem, especialmente, a mistura de elementos para constituir um material, como a formação de ligas. A mistura intencional de elementos visa, na engenharia, à obtenção de materiais com propriedades específicas e melhoria de desempenho.
A mistura de elementos em alguns materiais apresenta limite de solubilidade, o qual deve ser observado quando se deseja obter uma solução sólida, isto é, uma estrutura contendo apenas uma fase. A solubilidade depende da temperatura de processo e do tipo e concentração da impureza (em soluções sólidas, a impureza é o soluto, em menor quantidade, e a matriz é o solvente, em maior quantidade).
Essencialmente, existem dois tipos de solução sólida: substitucional e intersticial.
A impureza ocupa posições atômicas da estrutura da matriz. Essa substituição pode ocorrer em diversas proporções impureza-matriz, dependendo das características dos elementos envolvidos.
Para constituir soluções sólidas de metais em qualquer proporção, os elementos constituintes devem satisfazer a regra de Hume-Rothery, que estabelece que os elementos devem apresentar: uma diferença inferior a 15% entre seus raios atômicos, estruturas cristalinas e valências semelhantes (este podendo ser maior para a impureza) e eletronegatividades próximas. Exemplos de ligas que satisfazem essa regra são: cobre-níquel e silício-germânio.
A impureza ocupa posições nos interstícios da estrutura. Para materiais metálicos, que possuem empacotamento denso (alto FEA), as regiões intersticiais são pequenas em volume, permitindo apenas um baixo percentual de impureza para constituir uma solução sólida. O tamanho do átomo da impureza também deve ser bem menor que o da matriz para acomodação nos pequenos interstícios. Exemplo: aço carbono (Fe-C), o carbono, com raio 0,071 nm, bem menor que o ferro 0,123 nm, apresenta solubilidade máxima no ferro de cerca de 2%.
Para o estudo das estruturas cristalinas e suas imperfeições, são utilizadas técnicas de caracterização. Para a obtenção de imagens, são utilizadas as técnicas de microscopia óptica, microscopia eletrônica de varredura (MEV) e microscopia eletrônica de transmissão (MET); e, em menor extensão, microscopias com sonda de varredura (microscopia de força atômica, AFM, e microscopia de tunelamento atômico, STM).
Aos microscópios eletrônicos, são acoplados detectores de raios-X, que permitem a identificação da composição química do material ou, mesmo, de regiões microscópicas da estrutura; uma dessas técnicas é a espectroscopia de energia dispersiva, EDS. Essa técnica permite, por exemplo, a identificação de precipitados ou de variações químicas entre os grãos.
Para a identificação de estruturas cristalinas, é utilizada a técnica de difração de raios-X. Essa técnica permite a obtenção dos parâmetros de rede de uma estrutura, possibilitando a sua identificação e quantificação no material em análise.
Para conhecer essas técnicas e sua aplicação para análise dos materiais, acessar os Itens 4.6 e 3.7 do Shackelford (2008), para microscopia e difração de raios-X, respectivamente, ou outra referência citada.
[1] Átomos neutros, íons ou moléculas.
CALLISTER, W.D. e RETHWISCH, D.G. Ciência e Engenharia de Materiais: Uma Introdução. 9. ed. Rio de Janeiro: LTC. 2016. caps. 4 e 7.
PAVANATI, H. C. (Org.). Ciência e Tecnologia dos Materiais. 1. ed. São Paulo: Pearson. 2015. unid. 1. Disponível em: <https://plataforma.bvirtual.com.br/Acervo/Publicacao/22183>. Acesso em: 15 jan. 2020.
SHACKELFORD, J. F. Ciência dos Materiais. 6. ed. São Paulo: Pearson. 2008. caps. 3 e 4. Disponível em: <https://plataforma.bvirtual.com.br/Acervo/Publicacao/424>. Acesso em: 15 jan. 2020.
Coordenação e Revisão Pedagógica: Claudiane Ramos Furtado
Design Instrucional: Gabriela Rossa
Diagramação: Marcelo Ferreira
Ilustrações: Marcelo Germano
Revisão ortográfica: Igor Campos Dutra