Sessenta e um anos depois da Revolução Cubana e após o fim da era Castro em 2018, Cuba vivência outro período histórico, compartilhado com o mundo todo: a pandemia da Covid-19. Assim, para entender as políticas do governo em resposta à doença, precisa-se saber o contexto em que elas foram feitas. Então, durante esse momento atual, o país tem com presidente o escolhido de Raúl Castro, Miguel Díaz-Canel, que chefia o Estado sob a nova Constituição promulgada em 2019. Essa recente Constituição proporcionou várias mudanças na ilha caribenha, como a criação do cargo de primeiro ministro, ocupado por Manuel Marrero, o estabelecimento de um limite de 5 anos para o mandato presidencial com possibilidade de reeleição, a abertura de sua economia ao mercado, o reconhecimento à propriedade privada, entre outras. Porém, essas mudanças não alteram o caráter socialista do território (G1, 2019) [1].
Desse modo, há também a questão do embargo econômico feito pelos Estados Unidos desde a década de 60, que interfere nas políticas do país, principalmente nesse momento de crise sanitária. Apesar da tentativa de degelo das relações diplomáticas entre Cuba e os EUA pelo ex-presidente estadunidense Barack Obama, que até visitou a ilha, o derrotado das eleições presidenciais de 2020, Donald Trump, não levando adiante tal processo, intensificou esse embargo. No dia 23 de outubro, Washington anunciou novas sanções à Cuba, fazendo com que a empresa americana de transferências de ativos western Union feche suas 407 agências no país, depois que essas sanções proibiram a operação com a sociedade financeira cubana administrada pelos militares, a Fincimex. Essa ação estadunidense segue a lógica, de acordo com o chefe da diplomacia americana, Mike Pompeo, de que os cubanos precisam ter a possibilidade de prosperar sem que os militares interfiram na sua renda, já que Cuba é um lugar onde as forças militares ficam com parte das transferências (AFP, 2020) [2].
Sendo assim, dentre as medidas sanitárias estabelecidas pelo Governo de Díaz-Canel para conter a proliferação do coronavírus, podem-se destacar o fechamento das escolas, grandes centros comerciais e fronteiras, em março, deixando apenas residentes entrarem no território. O país caribenho ainda tentou manter a atividade turística, principal fonte econômica, porém o avanço da Covid-19, junto com o pedido da população motivaram o governo a adotar a última medida (NSC Total, 2020) [3]. O uso de máscaras foi obrigatório em espaços públicos, mas não houve imposição de confinamento, embora houvesse recomendações para que as pessoas não saíssem de casa, a não ser em necessidades imprescindíveis. Além disso, foram suspensos os meios de transportes públicos (EFE, 2020) [4]. Com essa postura, o não comprimento dessas medidas poderia e pode levar a multas ou até a penas de prisão.
Quanto às medidas econômicas, notabilizam-se a exoneração dos impostos ao setor privado que não tivesse condição de funcionar (Anesp, 2020) [5] e a adição de mais produtos à caderneta de ração mensal dos cubanos — conhecido localmente como libreta — que existe desde a Revolução, para garantir um nível de sobrevivência de produtos básicos, devido a grande escassez de alimentos que a ilha enfrenta, intensificada pelo embargo estadunidense, o qual dificulta a entrada de insumos básicos (Reuters, 2020) [6]. Deve-se ter em conta, que a maior parte da comida cubana é importada. Além dessas ações, o governo garantiu o pagamento de 100% do salário básico dos trabalhadores do setor público durante o primeiro mês de paralisação, e após esse período, de 60% ao longo de todo o tempo de paralisado (AFP, 2020) [7].
Ainda no assunto da carência de alimentos, torna-se importante evidenciar que esse é um dos maiores problemas que tem afetado os cubanos neste período pandêmico. Essa questão se justifica através do fato das cifras de contágio e mortes pelo coronavírus estarem controladas e o sistema de saúde pública não ter entrado em colapso, porque o país já tinha experiências com eventos anteriores, como os furacões. Outra grande problemática são as enormes e amontoadas filas que os mercados abertos geram, as quais podem ser tomadas como consequência da falta de produtos básicos, e que interrompem os esforços de manter o distanciamento social (PADURA, 2020) [8].
Além de todas essas medidas, a República de Cuba adotou também a estratégia de antecipar o pico de transmissão. Essa estratégia consiste em detectar os pacientes confirmados com a doença e, assim mapear e isolar todas as outras pessoas que tiveram contato com esses doentes nos últimos 14 dias e que poderiam estar infectados, incluindo os assintomáticos. Desde de meados de março, milhares de estudantes de medicina vasculham o país diariamente em busca de possíveis casos, indo de casa em casa, até no setor rural. No contexto internacional, Cuba enviou equipes de saúde para países como Itália, Nicarágua, Venezuela, Haiti, entre outros, para auxiliar no combate à nova doença. A maioria desses médicos e enfermeiros já era treinada para o enfrentamento de outras epidemias, como o ebola na África (El País, 2020) [9].
No início de Setembro, foram prorrogadas as medidas do bloqueio de Trump por mais um ano. Para ajudar a enfrentar esse problema, além da medicina preventiva, do distanciamento social, do desenvolvimento de medicamentos, Cuba tenta, através de seus centros de pesquisas e de produção, criar a própria vacina (WEISSHEIMER, 2020) [10]. Nesse mês, o país passou por uma segunda onda de infecções com uma taxa de letalidade da doença em torno de 2%. Apesar dessa nova onda, os cubano tentaram voltar à vida cotidiana dentro das novas regras: toque de recolher noturno, paralisação dos transportes públicos e proibição do trânsito entre as províncias (EFE, 2020) [11]. Assim sendo, o país contabilizou, no dia 01 de dezembro, 8.284 casos e 135 mortes para uma população de, aproximadamente, 11 milhões de pessoas. Todavia, Cuba possui números bem inferiores comparados com os registrados nos países vizinhos.
Por conseguinte, o país está sendo elogiado, internacionalmente, por sua competente administração da pandemia. Seu balanço positivo foi confirmado pelo presidente da ONG Medicuba Europa — sediada na Suíça e cujo propósito é contribuir com a manutenção do sistema de saúde público cubano — Franco Cavalli. “Aqui todas as pessoas contaminadas são hospitalizadas e todos aqueles com quem elas estiveram em contato são acompanhadas pelos serviços sanitários.” disse Cavalli. Logo, o aeroporto de Havana, que ficou fechado desde 24 de março, voltou a receber voos comerciais no final de semana dos dias 14 e 15 de novembro. Lembrando que outros aeroportos internacionais cubanos já haviam sido reabertos em outubro. O protocolo sanitário exige que os turistas devem fazer um teste PCR ao entrar no país e outro cinco dias depois (PIRON, 2020) [12].
[1] “Nova Constituição de Cuba é aprovada em plebiscito; veja as mudanças” - G1 / Mundo.
[2] " “ Western Union fechará agências em Cuba após novas sanções dos EUA” AFP, via Correio Popular.
[3] “Para conter coronavírus, Cuba fecha fronteiras e interrompe principal atividade econômica” - NSC Total.
[4] “Cuba registra mais de 36 casos e 3 mortes em decorrência da covid-19” - EFE notícias.
[5] “Países reagem à crise da Covid-19 com mais políticas públicas; veja medidas” - Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (Anesp).
[6] “Cuba’s ration book stages comeback due to coronavirus pandemic” - Reuters.
[7] “Checamos: Argentina e Venezuela pagam auxílio emergencial e Cuba cobre salários durante a pandemia” - AFP, via Estado de Minas.
[8] Leonardo Padura (1955) é um escritor cubano considerado um dos melhores em seu país. Foi entrevistado pelo G1. “ ‘Distanciamento social exigido dos cubanos termina nas filas para comprar alimentos’, diz o escritor Leonardo Padura” - G1 notícias.
[9] “Cuba envia brigadas médicas contra o coronavírus a Itália e América Latina” - El País
[10] “Biotecnologia, prevenção e vacina: as armas de Cuba para enfrentar a covid-19” - Marco Weissheimer do Brasil de Fato.
[11] “Cuba vive segunda onda de covid e adota medidas restritivas” - EFE, via portal R7
[12] " Cuba se destaca como o bom aluno do continente americano na gestão da Covid-19" - Domitille Piron correspondente da RFI em Havana.
Giovana Moreira Rodrigues, estudante caloura do curso de Relações Internacionais da UFG do ano de 2020. Tem 18 anos e possui bastante interesse na área socioeconômica e política da Ásia, mais precisamente dos países do Extremo Oriente. Além disso, foi a pessoa responsável pelos conteúdos sobre a Cuba e África do Sul.