Na atual crise da pandemia do novo Coronavírus, tanto países desenvolvidos como países em desenvolvimento vêm ganhando um grande destaque em relação as suas medidas adotadas para o combate da Covid-19, principalmente quando tais medidas se provam eficazes e eficientes para achatar a curva da doença. Diante disso, com todo esse destaque, esses países acabam por se tornar um modelo de referência a ser seguido, a Coreia do Sul é um dos grandes exemplos que se encaixam nesse perfil, sobretudo pelo uso de tecnologias que auxiliam as autoridades de saúde a mobilizar sua população em uma política de transparência e confiança, no intuito de contribuir para o contínuo sucesso das medidas sanitárias adotadas pelo país.
Dessa maneira, no ano de 2015, a Coreia do Sul foi fortemente atingida pela Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), causando uma experiência traumática para a população sul-coreana, em decorrência da falta de transparência do Ministério da Saúde, que com o receio de causar um grande pânico em sua nação, não notificava as autoridades municipais e hospitais sobre o número de casos, o que prejudicou o planejamento e as medidas de prevenção para conter essa epidemia. Em razão dessa falta de transparência, o governo sul-coreano enfrentou duras críticas de sua população, acarretando na tomada de novas medidas que atendessem ao apelo dos seus cidadãos, como o investimento na infraestrutura tecnológica do país, assim como maior transparência na divulgação de dados, para auxiliar as autoridades de saúde em futuras crises sanitárias.
Assim sendo, implementando o desenvolvimento para a digitalização do país, da mesma maneira como adquirindo um grande aprendizado com a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), a Coreia do Sul foi capaz de aprender com seus erros e atualmente na crise da Covid-19, mostra-se mais forte do que nunca, usando todos os seus recursos tecnológicos para combater a doença. Para utilizar as tecnologias na batalha contra o vírus, o Ministério da Saúde e o Centro de Prevenção e Controle da Coreia do Sul (KCDC), aliados com as autoridades policiais, realizam um extenso trabalho para rastrear e identificar casos com diagnósticos positivos, como também identificar com quem essas pessoas tiveram contato.
As autoridades de saúde realizam esse rastreamento através de câmeras de segurança, registros de cartões de crédito, dados de smartphones e aplicativos de GPS. Por meio dessa identificação e rastreio, cidadãos que possivelmente estiveram em contato com pessoas infectadas ou em áreas de alto risco de contágio, podem se submeter e realizar o teste para diagnosticar a doença. O alto desenvolvimento tecnológico permite que o resultado do teste saia em 6 horas, fazendo com que o resultado chegue por meio de SMS para o cidadão conferir o seu diagnóstico. Dessa maneira, com os altos investimentos feitos na infraestrutura tecnológica do país nesses últimos anos, especialmente após o MERS, a Coreia do Sul foi capaz de promover uma ampla campanha e desenvolver uma grande testagem em massa de sua população, especialmente em razão da acessibilidade e estrutura de seu sistema de saúde.
O uso dos recursos tecnológicos vem se mostrando imprescindíveis em relação ao monitoramento de pessoas que estão com o diagnóstico positivo da doença, assim como a vigilância de pessoas que chegam aos aeroportos do país de locais que são considerados de alto risco. Em relação aos que estão com o diagnóstico positivo de Covid-19, essas pessoas são obrigadas a realizar uma quarentena em um período de 15 dias, sendo que também devem instalar um aplicativo do governo em seus smartphones, para as autoridades de saúde acompanharem o desenvolvimento de seus sintomas através de questionários e entrevistas diárias pelo aplicativo, como também monitorar o cumprimento do isolamento social, da mesma maneira para alertarem as autoridades policiais caso haja o descumprimento da ordem de quarentena. Aos cidadãos e estrangeiros que chegam de áreas de risco, a quarentena obrigatória de 15 dias também se aplica a seus casos. Além de instalar o aplicativo do governo em seus smartphones, eles devem fazer login nesse app na parte da manhã e de noite, se eles esquecerem, um lembrete é enviado por meio de SMS. Caso não respondam, um oficial da saúde irá se dirigir para suas residências. Caso descumpram a quarentena, um alerta de GPS irá acionar as autoridades policiais.
Considerado como um país coletivista, uma grande parcela da população sul-coreana aceita abrir mão de suas liberdades individuais ao ceder seus dados pessoais para o rastreamento do governo, a fim de garantir o bem estar da coletividade. Porém, existem controvérsias a respeito dessa privacidade de dados. Um grande exemplo disso é em comunidades pequenas, porque ao divulgar o histórico de movimentação da pessoa contaminada, o gênero e idade, essa pessoa tem mais chances de ser reconhecida pela comunidade, podendo acarretar em situações de discriminação, ansiedade e paranoia na população. Após a ocorrência de outros episódios relacionados a divulgação de dados de pessoas com diagnósticos positivos, a Comissão Nacional de Direitos Humanos da Coreia do Sul (NHRC) solicitou a revisão de diretrizes sobre o acompanhamento da pandemia para que somente dados necessários sejam utilizados e divulgados. Após esse pedido, o Centro de Prevenção e Controle da Coreia do Sul (KCDC) mudou as diretrizes para a divulgação dos dados, alertando que os contatos a serem rastreados devem ser determinados com base nos sintomas e condições de exposição do paciente, além de que informações de caráter pessoal, principalmente endereços comerciais, não poderão ser divulgados.
Desde de a década de 1990, a Coreia do Sul vem elaborando leis para a proteção de dados de seus cidadãos, mas foi no ano de 2011 que o país ganhou grande destaque por possuir uma das leis de proteção de dados mais duras do mundo. Essa lei ficou conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais ( Personal Information Protection Act- PIPA). Depois de sua aprovação, no decorrer dos anos essa lei amadureceu consideravelmente, mas também apresenta limites em sua esfera de atuação, especialmente na crise sanitária da pandemia atualmente. Nesse cenário de instabilidade, o país sul-coreano tem a sua disposição a Lei de Controle e Prevenção de Doenças Infecciosas ( Infectous Disease Control and Prevenction Act), que foi promulgada em 1954 e sofreu várias alterações ao longo das décadas, principalmente após a MERS em 2015. Essa lei permite que o Ministro da Saúde ou o diretor do Centro de Prevenção e Controle da Coreia do Sul (KCDC) possuam acesso as informações de caráter pessoal sobre pacientes com doenças infecciosas e pessoas suscetíveis de serem contaminadas, a fim de poderem adotarem as melhores estratégias de prevenção e bloqueio na disseminação de doenças infecciosas.
Ademais, os altos recursos tecnológicos também estão sendo usados para novas estratégias de empresas, não só para o momento atual, mas também para o Pós-Pandemia. Um desses exemplos é o desenvolvimento de uma tecnologia que está sendo testada em alguns cinemas do país, para que não exista contato entre clientes. O objetivo é substituir equipe de funcionários por robôs com inteligência artificial. Dessa maneira, o cliente poderá realizar a compra do ingresso, pedir informação e conferir a programação de uma forma totalmente automatizada. Além disso, algumas empresas estão utilizando robôs para medir a temperatura de funcionários e visitantes, como também alertar oficiais de saúde quando a temperatura de um indivíduo estiver alta. Essas maquinas também podem desinfetar o chão e liberar pequenas porções de fluídos para que as pessoas higienizem suas mãos. A empresa sul-coreana de telefone SK, usa um robô para observar seus funcionários evitarem aglomerações. Se os funcionários ficarem muito próximos uns dos outros, o robô emite um alerta para que os funcionários retornem a uma distância segura. Desse modo, os criadores dessa máquina também confirmaram que adicionaram uma ferramenta de privacidade que impede os rostos dos indivíduos de serem gravados.
Portanto, é notável a maneira como a Coreia do Sul criou uma infraestrutura tecnológica que foi capaz de oferecer todas as ferramentas possíveis para auxiliar na batalha contra a Covid-19. O país não teria sido capaz de ir tão longe, se não fosse os esforços da coletividade sul-coreana em cobrar e colocar a sua confiança em seus governantes, que se dispuseram a oferecer e colocaram em prática toda a segurança jurídica que seus cidadãos necessitavam para a divulgação de dados, no propósito de conter a pandemia. Dessa forma, o governo sul-coreano demonstra que está sempre aberto ao diálogo com sua população, disposto a fazer todas as mudanças necessárias em prol do bem estar coletivo. Outro fator que contribuiu para o contínuo sucesso da utilização de tecnologias no combate a pandemia, foi que o país aprendeu bastante com os erros cometidos durante a epidemia da MERS, demostrando que todos os investimentos que estão sendo feitos para sofisticar a estrutura tecnológica do país, está garantindo um grande sucesso para conter essa crise sanitária no seu território, comprovando também que o país estará bem preparado e equipado com todos os recursos tecnológicos eficazes e eficientes para futuras crises.
Pedro Henrique Santos Chaves é um estudante do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Goiás, possui interesse nas áreas de Políticas Públicas, História mundial, o crescente processo de Globalização e Integração Regional.