AGRICULTURA CLIMATICAMENTE INTELIGENTE
AGRICULTURA CLIMATICAMENTE INTELIGENTE
Como membro de diversas coalizões e com base em nossa experiência na América do Sul, a Solidaridad entende que só é possível frear o desmatamento incluindo produtoras e produtores rurais e criando incentivos de mercado. Apresentamos aqui algumas das iniciativas ativas que temos na região para harmonizar a produção agrícola com a conservação das florestas. Mais informações também na seção Conhecimento.
Como gerar incentivos econômicos para que pequenas e pequenos produtores ajudem a conservar a Amazônia?
O desmatamento na Amazônia se concentra em áreas de fronteira agrícola, especialmente em lugares com predomínio de pequenos produtores. Contudo, os esforços para medir e reduzir as emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) na agricultura brasileira têm se concentrado na produção agrícola e pecuária de escala industrial.
Muitos agricultores familiares acreditam que mais terra é sinônimo de mais lucro. No entanto, depois de comparar seis cenários produtivos na região da Rodovia Transamazônica, a Solidaridad demonstrou que recuperar áreas de pastagens degradadas pela criação de gado extensiva com o cultivo do cacau em Sistemas Agroflorestais (SAFs) é mais rentável do que desmatar para abrir novas áreas de pastagem. O aumento de produtividade e rentabilidade, ligado às práticas de baixa emissão de carbono, pode ajudar a mudar a mentalidade dos produtores que enxergam as florestas como elementos meramente passivos.
Os modelos integrados são mais rentáveis por várias razões:
Para realizar essa transição, a Solidaridad trabalha desde 2015 com um grupo de 152 produtores de Tuerê – um dos maiores assentamentos rurais do mundo, com 170 mil hectares e mais de 3 mil famílias. O objetivo é assegurar que a criação de gado não avance sobre áreas florestais, e que o cacau, nativo da Amazônia, converta-se na principal fonte de renda.
O plantio de cacau com outras espécies nativas abre oportunidades para reflorestar áreas e beneficiar os produtores que estão obrigados por lei a recuperar áreas de florestas. Além disso, a presença de outras espécies fornece sombra ao cacau e agrega notas de sabor às amêndoas. Os rendimentos do cacau, por sua vez, ajudam aos produtores a recuperar o investimento realizado em restauração.
Para que este modelo seja sustentável ao longo do tempo, são considerados quatro pilares: o contato constante entre técnicos e produtores, com visitas individuais; treinamento coletivo e o intercâmbio de experiências; o uso de unidades-piloto demonstrativas e o uso de ferramentas digitais, como o Extension Solution, desenvolvido pela Solidaridad.
Além da gestão agrícola, a iniciativa também promove a capacitação em gestão financeira, apoio na comercialização e governança ambiental, fomentando a articulação com atores públicos e privados, especialmente para a redução do desmatamento e a regularização ambiental.
Na pecuária existem muitas análises de emissões, mas faltam análises de captura de carbono. Ainda que a produção pecuária emita, ela também pode captar.
A Solidaridad trabalha em modelos de pecuária que tendem a um balanço de carbono neutro, com o manejo de pastagens e a nutrição, entre outras práticas.
Com o propósito de gerar evidência sobre o impacto que um manejo sustentável pode ter sobre o balanço de carbono, a Solidaridad e o Imaflora – que já haviam calculado o balanço de vários modelos familiares, integrando pecuária e cacau (ver vídeo à esquerda) –, realizaram medições em diferentes cenários produtivos do Chaco Seco, no Paraguai, com pecuária leiteira e gado de corte.
Com base em 50 casos-piloto de produção leiteira, ficou evidenciado que as tecnologias climaticamente inteligentes têm o potencial de aumentar o rendimento (houve aumento médio de 17% da produção total de três cooperativas e um comitê leiteiro) e atingir um melhor balanço de carbono. De fato, as emissões de GEE diminuíram em 31% por hectare, resultando em 64% menos emissões de GEE por litro de leite produzido.
Da mesma forma, o Imaflora avaliou seis fazendas-piloto de membros do grupo CREA Paraguai, também no Chaco Seco, para identificar a adicionalidade que as boas práticas têm para reduzir emissões GEE na produção de gado bovino.
Por sua vez, um especialista do grupo CREA e consultores das fazendas estudadas começaram a analisar o balanço de carbono, de acordo com a atividade pecuarista, usando amostras de solo de campos áridos, áreas de pastagens e matas nativas. Além disso, para contar com uma análise completa das fazendas, foi incluído um comparativo de imagens de satélites das áreas de pastagens onde havia áreas erodidas sem cobertura vegetal, pastagens produtivas, pastagens degradadas e florestas no período de 2014 a 2019.
As melhores práticas de manejo de pastagens, por exemplo, demonstraram um potencial de captura de carbono no solo 81% maior que nas pastagens degradadas, e aumentaram em 17% a produtividade. A análise foi feita em fazendas que mantiveram a mata nativa em 10% acima dos requisitos legais florestais exigidos para o Chaco Seco.
Esses resultados ajudarão a identificar um conjunto técnico de boas práticas de manejo que possa melhorar o balanço de carbono nas fazendas e demonstrar o potencial do setor em produzir estratégias para conservar as matas nativas da região.
Atualmente, as comunidades cafeeiras estão sendo afetadas pelas constantes flutuações no preço internacional do café. Esta conjuntura pode se aprofundar com as mudanças climáticas, aumentando a ocorrência de pragas, reduzindo a vida útil dos arbustos cafeeiros e diminuindo a qualidade do cultivo.
Esses problemas afetam a produção de café e a competitividade do setor como gerador de divisas estrangeiras e de postos de trabalho, colocando em risco a sustentabilidade do negócio.
Entretanto, a solução está no próprio cultivo, com a adoção de práticas climaticamente inteligentes que incluem:
A abordagem é denominada “agricultura climaticamente inteligente” e foi implementada pela Solidaridad na Colômbia, Peru e México (país que pertence à Solidaridad América Central), com financiamento da Iniciativa Internacional para o Clima e Florestas da Noruega (NICFI) entre 2013 e 2016. A implementação demonstrou que é possível produzir mais café de qualidade sem desmatar, com a preservação dos solos e o tratamento adequado da água.
Na América do Sul, um dos elos mais frágeis para garantir uma produção que ajude a presevar as matas nativas reside na efetividade de políticas públicas de planejamento territorial e na solidez e qualidade dos sistemas de manejo florestal, com informação sobre o monitoramento e controle do desmatamento.
Desde 2016, a Solidaridad facilita uma mesa de diálogo na Bolívia, que reúne representantes da área de planejamento territorial, Organizações da Sociedade Civil (OSCs) ligadas às temáticas sociais e ambientais e organizações de produtores. O objetivo é engajá-los para garantir que os desmatamentos dentro da cadeia de valor da soja sejam realizados de forma legal e planejada até 2025,.
As diversas leis, regulações e procedimentos para permitir mudanças no uso da terra são geralmente complexos e muitas vezes inconsistentes. Isso faz com que os produtores cometam infrações de modo involuntário. Somam-se a esse contexto as lacunas nos sistemas de controle, que ficaram evidentes durante os incêndios de 2019.
O trabalho da mesa de diálogo visa apoiar órgãos governamentais – principalmente a Autoridade de Fiscalização e Controle Social de Florestas e Terra – na melhoria de suas capacidades de descrição, análise e proposição de novas políticas para aumentar o controle sobre a mudança de uso da terra.
Em 2019, foi concluído um novo módulo para aprovação on-line de requisitos para dar início ao “Plano de Gerenciamento da Terra”, que complementa o módulo de licenças para desmatamento desenvolvido em 2018. O suporte tecnológico aprimorado e a implementação do ISO 9001 possibilitaram que a metade dos técnicos responsáveis por esses procedimentos administrativos pudesse se dedicar às tarefas de fiscalização em campo.
As próximas etapas estão relacionadas à implementação em campo com os produtores para elevar o nível de cumprimento das regulamentações atuais e desenvolver pilotos de novas regulamentações e potenciais ferramentas para a melhoria do sistema.
Uma plataforma público-privada, com a participação da Secretaria do Meio Ambiente da Província de Salta, na Argentina, segue orientações similares e diagnosticou as melhorias necessárias em seu Plano de Mudança de Uso do Solo, como sua digitalização.
SOLUÇÕES DIGITAIS PARA A MELHORIA CONTÍNUA NO CAMPO
Embora a transformação digital esteja ocorrendo de forma acelerada no campo, pequenas e pequenos produtores ainda têm pouco acesso às novas tecnologias. Na Solidaridad, estamos trabalhando na inclusão tecnológica do campo desde 2012, buscando novos parceiros e desenvolvendo soluções digitais focadas na melhoria contínua dos produtores e na eficiência da assistência técnica.
O Farming Solution é o nosso aplicativo móvel para produtoras e produtores, que fornece informação personalizada sobre como melhorar seus sistemas de produção.
O Farming Solution permite aos agricultores avaliar suas práticas, planejar ajustes, monitorar seus avanços e encontrar a informação que precisam para melhorar seus sistemas de produção. O aplicativo está disponível para Android e iOS em sete idiomas. Qualquer usuário pode baixar gratuitamente uma versão demonstrativa. O conteúdo pode ser totalmente personalizado para a realidade local e em qualquer idioma.
O Farming Solution foi testado e utilizado por cerca de 2 mil produtores - inclusive de fora da América do Sul - de cana-de-açúcar (Brasil), palma (Colômbia), cacau (Brasil e Gana), erva-mate (Brasil), café (Tanzânia, Quênia e Uganda) e hortaliças (África do Sul).
O Extension Solution é o nosso aplicativo móvel para técnicos de campo. Ele consolida a lista de produtoras e produtores que o técnico atende, oferece um calendário de visitas de campo e registra as interações com os agricultores.
O aplicativo ainda gera avaliações individuais e planos de trabalho para cada agricultor, tornando mais fácil a definição de prioridades e o acompanhamento do progresso do trabalho. O Extension Solution pode ser usado também para verificar o cumprimento de tarefas, inclusive a organização de imagens e documentos.
O aplicativo foi adaptado para a cana-de-açúcar (Brasil), cacau e pecuária (Brasil), café (Colômbia e Peru) e óleo de palma (Colômbia). Atualmente, o aplicativo é utilizado por cerca de 80 técnicos de campo para apoiar mais de 4 mil produtores na América do Sul.
O MelhorAgro é um projeto de melhoria contínua em soja e que focou em agricultoras e agricultores familiares da cooperativa Colônias Unidas, no Paraguai, com o apoio da COFCO Internacional. Um dos pilares do projeto foi o uso do Big Data em benefício desses pequenos produtores. Por meio de uma plataforma digital, os produtores diagnosticaram a situação de suas fazendas em relação às normas legais vigentes e aos critérios da Mesa Redonda sobre Soja Responsável (RTRS). Com base nas respostas recebidas, o sistema elaborou relatórios individuais confidenciais com as prioridades a serem atendidas. Por outro lado, a Colônias Unidas recebeu um informe com as principais lacunas existentes no grupo de cooperados. Com isso, foi possível direcionar de forma mais eficaz as visitas técnicas aos seus associados e as capacitações em grupo, o que beneficiou quase 1,6 mil produtores.
IGUALDADE DE GÊNERO E INTERCÂMBIO DE GERAÇÕES NA AGRICULTURA FAMILIAR
Maria Flor Soto é garimpeira na Bolívia. Ela e suas companheiras procuram ouro na beira do rio como único meio de subsistência. Entretanto, quase ninguém as vê e poucos as conhecem. Com a Rede de Mulheres e Mineração, reativada pela Solidaridad e a Cúpula do Sajama, elas começaram a ser protagonistas da transformação em suas comunidades: conhecem outras companheiras, se reconhecem em suas histórias e trabalham para atender necessidades e sonhos.
Elaborado pela Solidaridad, financiado pela Advocafé e validado pela Federação Nacional de Cafeicultores (FNC), Caravel Coffee, ECOM e RGC Coffee, este projeto trabalhou com mais de 170 mulheres cafeicultoras e suas famílias nos municípios de Risaralda e Huila, na Colômbia. Os workshops focaram no desenvolvimento de competências associadas à liderança em grupos produtores de café com alta representação de mulheres. Com base nos resultados obtidos, uma segunda fase é projetada, centrada em fortalecer o empoderamento político das mulheres cafeicultoras, com o objetivo de alcançar a igualdade de gênero nos postos de liderança sindical e comunitária e promover a participação das mulheres cafeicultoras em espaços de tomada de decisão em nível local e regional.