Zine Brasil Entrevista: Wellington Srbek

05/08/2007 por Vagner Francisco

 

Confesso!! Sou fã desse rapaz mineiro; nascido em 1974; vencedor de HQ Mix e Ângelo Agostini como melhor roteirista; conhecedor do bom quadrinho e fã de Alan Moore e Bob Dylan, entre outros. Em 2006, comemorando 20 anos de seu envolvimento com quadrinhos, ele lançou o álbum independente – uma obra-prima da nossa cultura – de 122 páginas, MUIRAQUITÃ. Infelizmente, como muito acontece em nosso país, somente quase um ano após o lançamento é que este que vos escreve teve acesso ao álbum, graças ao fanzine QI, que o divulgou. E após ler Muiraquitã, cheguei a uma conclusão vital. Por isso, caros leitores, tenham certeza de que as próximas 10 perguntas irão elucidar...

 

...PORQUE WELLINGTON SRBEK É INDISPENSÁVEL AO QUADRINHO BRASILEIRO.

 

 

Muiraquitã é um álbum caprichado que você produziu para comemorar seus 20 anos de envolvimento com quadrinhos, certo?

 

Srbek: Mais precisamente, o lançamento de MUIRAQUITÃ no ano passado coincidiu com meu “aniversário” de 20 anos criando quadrinhos. Mas a HQ já estava pronta desde 2004. Após dois anos tentando conseguir uma editora, cansei de esperar e paguei a edição do próprio bolso. Aí ela virou uma comemoração de meus “vinte anos de quadrinhos”.

 

Você lembra como começou nesse segmento?

 

Srbek: Minha trajetória como criador de histórias em quadrinhos começou em 1986, mais por diversão do que por qualquer aspiração autoral. Na época eu tinha 11 anos e estava naquela fase em que os adultos ficam cobrando para a gente parar de brincar com bonecos Comandos em Ação e robozinhos Transformers. Mas eu não queria parar, então passei a “brincar” desenhando quadrinhos, antes mesmo de começar a colecionar e ler quadrinhos regularmente.

 

E em termos de fanzines? Colaborou com alguns ou só publicava em seus próprios?

 

Srbek: Quando eu estava na sétima série, eu escrevi e desenhei uma HQ bem rudimentar sobre a história da escravatura. Apesar das limitações técnicas do trabalho, um professor gostou e fizemos várias cópias mimeografadas que foram vendidas a outros alunos da quinta e da sexta séries. Mas meu primeiro trabalho editorial para o circuito independente foram os dois números do fanzine Replicantes, produzidos em parceria com o desenhista Erick Azevedo. Depois houve os três números do fanzine Ideário que eu editei sozinho. Todos esses zines traziam colaborações de outros quadrinistas. Estávamos na primeira metade dos anos 90, e as publicações em xérox ou tipografia eram as únicas alternativas viáveis para quem estava começando.

 

Quem é Wellington Srbek quando não está envolvido com quadrinhos?

 

Srbek:Eu não sei.

 

Voltando ao álbum Muiraquitã, de onde surgiu a idéia da saga?

 

Srbek: MUIRAQUITÃ surgiu de minha vontade de desenvolver uma história que fosse baseada no imaginário brasileiro. Mas o impulso para a criação do álbum veio com a morte do mestre FlavioColin. Eu realmente senti muito seu falecimento, e MUIRAQUITÃ foi uma espécie de resposta àquele sentimento de perda, foi meu “trabalho de luto”. Eu nunca me encontrei pessoalmente com Colin, mas nossa correspondência e nossas conversas por telefone sempre foram muito ternas e animadas. A gente se entendia muito, e eu fui um dos únicos editores que realmente valorizaram seu trabalho nos últimos anos de vida. Ele me chamava de amigo e para mim isso é algo que não tem preço!

 

Folclore brasileiro é uma constante em suas histórias. Sempre gostou de nossas lendas?

 

Srbek: Não, eu era alienado e colonizado como todo menino de classe média neste país. Meu negócio era “Thundercats”, e não Saci Pererê. Se bem que, quando criança, um de meus programas favoritos era a primeira versão da Globo para “O Sítio do Pica Pau Amarelo”. Aquilo sim, com todas as limitações técnicas, é que era fantástico! E não essa coisa pós-modernosa que eles fazem hoje. Mas voltando a meus quadrinhos, ter passado a criar HQs voltadas à realidade brasileira (com nossas histórias, ambientes e culturas) foi um processo de descobrimento para mim. Digamos que eu me apaixonei pelo Brasil, pelo que nosso país tem de original e único (não me refiro, é claro, à pior distribuição de renda do mundo ou à corrupção endêmica que grassa nestas terras...).

 

Você agora terá um álbum (produzido em parceria com Flávio Colin) finalmente publicado por uma editora. Foi um processo complicado? Qual a sensação de "ter chegado lá"?

 

Srbek: É importante dizer que terei um álbum republicado por uma editora. Pois esse trabalho, que é o ESTÓRIAS GERAIS, foi criado em 1998 e ficou três anos na gaveta. Ele só foi lançado originalmente, em 2001, porque consegui o financiamento pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura de BH. E embora os editores em geral não tenham se interessado em lançá-lo quando eu e Colin o criamos, o trabalho acabou ganhando alguns dos principais prêmios nacionais em 2002, e uma edição espanhola no ano passado. Aliás, quando a Conrad lançar sua edição especial em setembro será a primeira publicação de um quadrinho meu por uma editora brasileira. O que é motivo de muita satisfação, mas não me dá de forma alguma a sensação de “ter chegado lá”. Pois para mim, “chegar lá” é viver da produção de quadrinhos, o que infelizmente ainda é uma realidade muito, muito distante.

 

Acredita que essa pode ser a primeira de muitas parcerias com a Conrad?

 

Srbek: De todo coração, eu torço para que seja. Outras edições minhas estão se esgotando e seria ótimo ter uma coletânea dessas revistas lançada como álbum por uma editora de qualidade como a Conrad (ou a Pixel, ou a Devir). Além disso, eu sempre estou trabalhando numa nova HQ. Idéias não faltam aqui! O que falta muitas vezes são as condições financeiras para realizá-las. Na verdade, nos últimos tempos têm faltado desenhistas também!

 

Quais seus próximos projetos?

 

Srbek: Algo que consegui conquistar com os mais de 10 anos em que edito revistas e álbuns, começando com a série SOLAR em 1996, foi o fato de que hoje, em geral, meus quadrinhos conseguem se pagar. É o que chamo de “esquema zero a zero”: eu tenho um custo para pagar aos desenhistas e imprimir as edições, mas a venda das revistas ao longo do tempo consegue cobrir esse custo. É literalmente uma produção “auto-sustentável” (no geral). O problema é que eu não tenho mais 20 anos, e a vida começa a impor cada vez mais compromissos e obrigações. Assim, como não existe realmente um mercado para quadrinistas brasileiros no Brasil, e como não há nenhum editor interessado em me contratar para trabalhar regularmente, não sei até quando continuarei fazendo quadrinhos. No momento, tenho dois projetos. O primeiro é a reformulação do personagem Solar para um álbum de 80 páginas, cujo roteiro já está pronto desde 2004, mas para o qual não tenho ainda o desenhista nem os recursos financeiros. O outro projeto tem a ver com a revista ALIENZ, que acabo de lançar, e é uma série de HQs com 12 a 20 páginas cada, nas quais pretendo desenvolver uma estética ou uma idéia em específico (como no caso de ALIENZ, que é uma história de ficção científica que mistura elementos da física quântica e da teoria do caos). Independentemente desses dois projetos, se conseguir o patrocínio, é possível que eu lance ainda este ano uma edição com roteiros curtos que criei na época da revista CALIBAN, mas que não foram publicados.

 

Olhando ao longo desses últimos 20 anos, o que mudou em sua visão quadrinística do mundo e do mundo do entretenimento?

 

Srbek: A visão que tenho hoje do mercado de quadrinhos e da indústria do entretenimento como um todo não é muito bonita. Para mim, é mais que evidente o fato de que os empresários do entretenimento em geral não estão nem um pouco preocupados em promover as linguagens artísticas que exploram. A questão é lançar o próximo sucesso de público, para sugar o lucro até o último vintém. Veja o cinema, por exemplo: Hollywood comete um feliz acidente de percurso, que foi o filme Piratas do Caribe – A Maldição do Pérola Negra, e em dois tempos os abutres já estão em cima para assegurar a produção de seqüências, que renderão muito mais que o primeiro filme, mas que não passam de uma sombra da idéia original, sem um verdadeiro roteiro e totalmente dependentes dos momentos de brilhantismo de Johnny Depp (que também não conseguiu repetir a atuação do primeiro filme). O mesmo vale para a débil indústria de quadrinhos norte-americana, em torno da qual as editoras brasileiras ainda orbitam. É uma linha de montagem da Transilvânia: se algo alcança alguma resposta do público, copiem a fórmula e a repitam à exaustão, tirem um pedaço daqui e colem com um pedaço roubado de outro sucesso editorial, e logo temos um frankenstein vampiresco, sem vida própria ou alma. Digo isso porque foram os super-heróis da Marvel e da DC que me motivaram a ler e colecionar quadrinhos 20 anos atrás. Mas hoje quando abro uma revista na banca, apesar da qualidade gráfica, eu sinto que estou sendo insultado, como se estivessem me chamando de “idiota”. Assim, prefiro poupar meu dinheiro para publicar meus próprios quadrinhos. O saldo existencial tem sido bastante positivo!

 

*Entrevista realizada entre Julho/agosto de 2007.