Poemas para ler sen présa...

Coa luz madura das tardes de Outono.

Para Atravessar Contigo o Deserto do Mundo

Para atravessar contigo o deserto do mundo

Para enfrentarmos juntos o terror da morte

Para ver a verdade para perder o medo

Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo

Minha rápida noite meu silêncio

Minha pérola redonda e seu oriente

Meu espelho minha vida minha imagem

E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro

Sem os espelhos vi que estava nua

E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste

E aprendi a viver em pleno vento

Apesar das Ruínas

Apesar das ruínas e da morte,

Onde sempre acabou cada ilusão,

A força dos meus sonhos é tão forte,

Que de tudo renasce a exaltação

E nunca as minhas mãos ficam vazias.

25 de Abril

Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo

Terror de Te Amar

Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo

Mal de te amar neste lugar de imperfeição

Onde tudo nos quebra e emudece

Onde tudo nos mente e nos separa.

Que nenhuma estrela queime o teu perfil

Que nenhum deus se lembre do teu nome

Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti eu criarei um dia puro

Livre como o vento e repetido

Como o florir das ondas ordenadas.

A Forma Justa

Sei que seria possível construir o mundo justo

As cidades poderiam ser claras e lavadas

Pelo canto dos espaços e das fontes

O céu o mar e a terra estão prontos

A saciar a nossa fome do terrestre

A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia

Cada dia a cada um a liberdade e o reino

— Na concha na flor no homem e no fruto

Se nada adoecer a própria forma é justa

E no todo se integra como palavra em verso

Sei que seria possível construir a forma justa

De uma cidade humana que fosse

Fiel à perfeição do universo

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco

E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo

Com Fúria e Raiva

Com fúria e raiva acuso o demagogo

E o seu capitalismo das palavras

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada

Que de longe muito longe um povo a trouxe

E nela pôs sua alma confiada

De longe muito longe desde o início

O homem soube de si pela palavra

E nomeou a pedra a flor a água

E tudo emergiu porque ele disse

Com fúria e raiva acuso o demagogo

Que se promove à sombra da palavra

E da palavra faz poder e jogo

E transforma as palavras em moeda

Como se fez com o trigo e com a terra

Che Guevara

Contra ti se ergueu a prudência dos inteligentes e o arrojo

[dos patetas

A indecisão dos complicados e o primarismo

Daqueles que confundem revolução com desforra

De poster em poster a tua imagem paira na sociedade de

[consumo

Como o Cristo em sangue paira no alheamento ordenado das

[igrejas

Porém

Em frente do teu rosto

Medita o adolescente à noite no seu quarto

Quando procura emergir de um mundo que apodrece

Pátria

Por um país de pedra e vento duro

Por um país de luz perfeita e clara

Pelo negro da terra e pelo branco do muro

Pelos rostos de silêncio e de paciência

Que a miséria longamente desenhou

Rente aos ossos com toda a exactidão

Dum longo relatório irrecusável

E pelos rostos iguais ao sol e ao vento

E pela limpidez das tão amadas

Palavras sempre ditas com paixão

Pela cor e pelo peso das palavras

Pelo concreto silêncio limpo das palavras

Donde se erguem as coisas nomeadas

Pela nudez das palavras deslumbradas

- Pedra rio vento casa

Pranto dia canto alento

Espaço raiz e água

Ó minha pátria e meu centro

Me dói a lua me soluça o mar

E o exílio se inscreve em pleno tempo

Assim o Amor

Assim o amor

Espantado meu olhar com teus cabelos

Espantado meu olhar com teus cavalos

E grandes praias fluidas avenidas

Tardes que oscilam demoradas

E um confuso rumor de obscuras vidas

E o tempo sentado no limiar dos campos

Com seu fuso sua faca e seus novelos

Em vão busquei eterna luz precisa

Os Amigos

Voltar ali onde

A verde rebentação da vaga

A espuma o nevoeiro o horizonte a praia

Guardam intacta a impetuosa

Juventude antiga -

Mas como sem os amigos

Sem a partilha o abraço a comunhão

Respirar o cheiro a alga da maresia

E colher a estrela do mar em minha mão

Quando

Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta

Continuará o jardim, o céu e o mar,

E como hoje igualmente hão-de bailar

As quatro estações à minha porta.

Outros em Abril passarão no pomar

Em que eu tantas vezes passei,

Haverá longos poentes sobre o mar,

Outros amarão as coisas que eu amei.

Será o mesmo brilho, a mesma festa,

Será o mesmo jardim à minha porta,

E os cabelos doirados da floresta,

Como se eu não estivesse morta.

Os Erros

A confusão a fraude os erros cometidos

A transparência perdida — o grito

Que não conseguiu atravessar o opaco

O limiar e o linear perdidos

Deverá tudo passar a ser passado

Como projecto falhado e abandonado

Como papel que se atira ao cesto

Como abismo fracasso não esperança

Ou poderemos enfrentar e superar

Recomeçar a partir da página em branco

Como escrita de poema obstinado?

A Paz sem Vencedor e sem Vencidos

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Que o tempo que nos deste seja um novo

Recomeço de esperança e de justiça

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Erguei o nosso ser à transparência

Para podermos ler melhor a vida

Para entendermos vosso mandamento

Para que venha a nós o vosso reino

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Fazei Senhor que a paz seja de todos

Dai-nos a paz que nasce da verdade

Dai-nos a paz que nasce da justiça

Dai-nos a paz chamada liberdade

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Revolução

Como casa limpa

Como chão varrido

Como porta aberta

Como puro início

Como tempo novo

Sem mancha nem vício

Como a voz do mar

Interior de um povo

Como página em branco

Onde o poema emerge

Como arquitectura

Do homem que ergue

Sua habitação

As Pessoas Sensíveis

As pessoas sensíveis não são capazes

De matar galinhas

Porém são capazes

De comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira

À roupa do seu corpo

Aquela roupa

Que depois da chuva secou sobre o corpo

Porque não tinham outra

O dinheiro cheira a pobre e cheira

A roupa

Que depois do suor não foi lavada

Porque não tinham outra

«Ganharás o pão com o suor do teu rosto»

Assim nos foi imposto

E não:

«Com o suor dos outros ganharás o pão»

Ó vendilhões do templo

Ó construtores

Das grandes estátuas balofas e pesadas

Ó cheios de devoção e de proveito

Perdoai-lhes Senhor

Porque eles sabem o que fazem

Eis-me

Eis-me

Tendo-me despido de todos os meus mantos

Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses

Para ficar sozinha ante o silêncio

Ante o silêncio e o esplendor da tua face

Mas tu és de todos os ausentes o ausente

Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca

O meu coração desce as escadas do tempo

[em que não moras

E o teu encontro

São planícies e planícies de silêncio

Escura é a noite

Escura e transparente

Mas o teu rosto está para além do tempo opaco

E eu não habito os jardins do teu silêncio

Porque tu és de todos os ausentes o ausente

Sua Beleza

Sua beleza é total

Tem a nítida esquadria de um Mantegna

Porém como um Picasso de repente

Desloca o visual

Seu torso lembra o respirar da vela

Seu corpo é solar e frontal

Sua beleza à força de ser bela

Promete mais do que prazer

Promete um mundo mais inteiro e mais real

Como pátria do ser

Aqui

Aqui, deposta enfim a minha imagem,

Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem,

No interior das coisas canto nua.

Aqui livre sou eu — eco da lua

E dos jardins, os gestos recebidos

E o tumulto dos gestos pressentidos,

Aqui sou eu em tudo quanto amei.

Não por aquilo que só atravessei,

Não pelo meu rumor que só perdi,

Não pelos incertos actos que vivi,

Mas por tudo de quanto ressoei

E em cujo amor de amor me eternizei.

Liberdade

O poema é

A liberdade

Um poema não se programa

Porém a disciplina

— Sílaba por sílaba —

O acompanha

Sílaba por sílaba

O poema emerge

— Como se os deuses o dessem

O fazemos

Pranto pelo Dia de Hoje

Nunca choraremos bastante quando vemos

O gesto criador ser impedido

Nunca choraremos bastante quando vemos

Que quem ousa lutar é destruído

Por troças por insídias por venenos

E por outras maneiras que sabemos

Tão sábias tão subtis e tão peritas

Que nem podem sequer ser bem descritas

Data

{à maneira de Eustache Deschamps)

Tempo de solidão e de incerteza

Tempo de medo e tempo de traição

Tempo de injustiça e de vileza

Tempo de negação

Tempo de covardia e tempo de ira

Tempo de mascarada e de mentira

Tempo que mata quem o denuncia

Tempo de escravidão

Tempo dos coniventes sem cadastro

Tempo de silêncio e de mordaça

Tempo onde o sangue não tem rastro

Tempo de ameaça

Exílio

Quando a pátria que temos não a temos

Perdida por silêncio e por renúncia

Até a voz do mar se torna exílio

E a luz que nos rodeia é como grades

Revolução - Descobrimento

Revolução isto é: descobrimento

Mundo recomeçado a partir da praia pura

Como poema a partir da página em branco

— Catarsis emergir verdade exposta

Tempo terrestre a perguntar seu rosto

PLAYA

Los pinos gimen cuando pasa el viento

El sol da en el suelo y las piedras arden.

Lejos andan los dioses fantásticos del mar

Blancos de sal y brillantes como peces.

Pájaros salvajes de repente,

Tirados a la luz como pedradas,

Suben y mueren en el cielo verticalmente

Y su cuerpo es asido en los espacios.

Las olas topan rompiendo contra la luz

Su frente ornada de columnas.

Y una antiquísima nostalgia de ser mástil

Se columpia en los pinos.

*****

En nombre de tu ausencia

Construí con locura una gran casa blanca

Y a lo largo de las paredes te lloré.

*****

Segaron el trigo: Ahora

Se contempla mejor mi soledad

*****

A través de tu corazón pasó un barco

que no para de seguir sin ti su camino

*****

Escribir el poema como un buey labra el campo

Sin que tropiece en el metro del pensamiento

Sin que nada sea reducido o exiliado

Sin que nada separe al hombre de lo vivido

*****

Quién me ha robado el tiempo que era único

Quien me ha robado el tiempo que era mío

El tiempo todo entero que sonreía

Donde mi Yo fue más limpio y verdadero

y donde por sí mismo el poema se escribía

Sophia de Mello Breyner

Nocturno mediodía

Galaxia Gutemberg

Traducción de Ángel Campos Pámpano

http://www.cubaliteraria.com/articulo.php?idarticulo=17518&idseccion=55

Terror de amarte

Terror de amarte en un lugar tan frágil como el mundo

Pena de amarte en este sitio de imperfección

donde todo nos quiebra y enmudece

donde todo nos miente y nos separa.

Que ninguna estrella queme tu perfil

que ningún dios se acuerde de tu nombre

que ni siquiera el viento pase por donde pasas.

Para ti yo crearé un día puro

libre como el viento y repetido

como el florecer de las ondas ordenadas.

***

Heme aquí

Heme aquí

después de despedirme de todos mis mantos

después de separarme de adivinos mágicos y dioses

para quedarme sola ante el silencio

ante el silencio y el esplendor de tu faz

Mas tú eres de todos los ausentes el ausente

ni tu hombro me da apoyo ni tu mano me toca

mi corazón desciende las escalas del tiempo en que no moras

y encontrarte

son planicies y planicies de silencio

Oscura es la noche

oscura y transparente

pero tu rostro está más allá del tiempo opaco

y yo no habito los jardines de tu silencio

porque tú eres de todos los ausentes el ausente.

Notas:

1- Como en otras ocasiones, agradezco a mi amiga Nelia Iris Rosales su colaboración en las búsquedas.

2- En la madrugada del 25 de abril de 1974 estalló en Portugal la Revolución de los Claveles.

Las personas sensibles.

Las personas sensibles no son capaces

De matar gallinas

Pero son capaces

De comer gallinas

El dinero huele a pobre y huele

A la ropa de su cuerpo

Aquella ropa

Que después de

Que después de la lluvia se secó sobre el cuerpo

Porque no tenían otra

Porque huele a pobre y huele

A ropa

Que después del sudor no fue lavada

Porque no tenían otra

“Ganarás el pan con el sudor de tu rostro”

Así nos fue impuesto

Y no:

“Con el sudor de los otros ganarás el pan”

Oh vendedores del templo

Oh constructores

De las grandes estatuas huecas y pesadas

Oh llenos de devoción y de provecho

Perdónalos Señor

Porque ellos saben lo que hacen

*****

Poema original en portugués:

As pessoas sensíveis

As pessoas sensíveis não são capazes

De matar galinhas

Porém são capazes

De comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira

À roupa do seu corpo

Aquela roupa

Que depois da chuva secou sobre o corpo

Porque não tinham outra

O dinheiro cheira a pobre e cheira

A roupa

Que depois do suor não foi lavada

Porque não tinham outra

“Ganharás o pão com o suor do teu rosto”

Assim nos foi imposto

E não:

“Com o suor dos outros ganharás o pão.”

Ó vendilhões do templo

Ó constructores

Das grandes estátuas balofas e pesadas

Ó cheios de devoção e de proveito

Perdoai-lhes Senhor

Porque eles sabem o que fazem.

– Sophia de Mello Breyner Andresen

QUE NENHUMA ESTRELA QUEIME O TEU PERFIL

Que nenhuma estrela queime o teu perfil

Que nenhum deus se lembre do teu nome

Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti criarei um dia puro

Livre como o vento e repetido

Como o florir das ondas ordenadas.

PORQUE OS OUTROS SE MASCARAM MAS TU NÃO

Porque os outros se mascaram mas tu não

Porque os outros usam a virtude

Para comprar o que não tem perdão.

Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados

Onde germina calada a podridão.

Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem

E os seus gestos dão sempre dividendo.

Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos

E tu vais de mãos dadas com os perigos.

Porque os outros calculam mas tu não.

CHAMO-TE PORQUE TUDO ESTÁ AINDA NO PRINCÍPIO

Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio

E suportar é o tempo mais comprido.

Peço-Te que venhas e me dês a liberdade,

Que um só dos teus olhares me purifique e acabe.

Há muitas coisas que eu quero ver.

Peço-Te que sejas o presente.

Peço-Te que inundes tudo.

E que o teu reino antes do tempo venha.

E se derrame sobre a Terra

Em primavera feroz pricipitado.

BEBIDO O LUAR

Bebido o luar, ébrios de horizontes,

Julgamos que viver era abraçar

O rumor dos pinhais, o azul dos montes

E todos os jardins verdes do mar.

Mas solitários somos e passamos,

Não são nossos os frutos nem as flores,

O céu e o mar apagam-se exteriores

E tornam-se os fantasmas que sonhamos.

Por que jardins que nós não colheremos,

Límpidos nas auroras a nascer,

Por que o céu e o mar se não seremos

Nunca os deuses capazes de os viver.

A HORA DA PARTIDA

A hora da partida soa quando

Escurece o jardim e o vento passa,

Estala o chão e as portas batem, quando

A noite cada nó em si deslaça.

A hora da partida soa quando

as árvores parecem inspiradas

Como se tudo nelas germinasse.

Soa quando no fundo dos espelhos

Me é estranha e longínqua a minha face

E de mim se desprende a minha vida.

PORQUE

Porque os outros se mascaram mas tu não

Porque os outros usam a virtude

Para comprar o que não tem perdão

Porque os outros têm medo mas tu não

Porque os outros são os túmulos caiados

Onde germina calada a podridão.

Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem

E os seus gestos dão sempre dividendo.

Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos

E tu vais de mãos dadas com os perigos.

Porque os outros calculam mas tu não.

UM DIA

Um dia, gastos, voltaremos

A viver livres como os animais

E mesmo tão cansados floriremos

Irmãos vivos do mar e dos pinhais.

O vento levará os mil cansaços

Dos gestos agitados irreais

E há-de voltar aos nosso membros lassos

A leve rapidez dos animais.

Só então poderemos caminhar

Através do mistério que se embala

No verde dos pinhais na voz do mar

E em nós germinará a sua fala.

MAR

Mar, metade da minha alma é feita de maresia

Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,

Que há no vasto clamor da maré cheia,

Que nunca nenhum bem me satisfez.

E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia

Mais fortes se levantam outra vez,

Que após cada queda caminho para a vida,

Por uma nova ilusão entontecida.

E se vou dizendo aos astros o meu mal

É porque também tu revoltado e teatral

Fazes soar a tua dor pelas alturas.

E se antes de tudo odeio e fujo

O que é impuro, profano e sujo,

É só porque as tuas ondas são puras.

SE TANTO ME DÓI QUE AS COISAS PASSEM

Se tanto me dói que as coisas passem

É porque cada instante em mim foi vivo

Na busca de um bem definitivo

Em que as coisas de Amor se eternizassem

RETRATO DE UMA PRINCESA DESCONHECIDA

Para que ela tivesse um pescoço tão fino

Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule

Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos

Para que a sua espinha fosse tão direita

E ela usasse a cabeça tão erguida

Com uma tão simples claridade sobre a testa

Foram necessárias sucessivas gerações de escravos

De corpo dobrado e grossas mãos pacientes

Servindo sucessivas gerações de príncipes

Ainda um pouco toscos e grosseiros

Ávidos cruéis e fraudulentos

Foi um imenso desperdiçar de gente

Para que ela fosse aquela perfeição

Solitária exilada sem destino

AS ROSAS

Quando à noite desfolho e trinco as rosas

É como se prendesse entre os meus dentes

Todo o luar das noites tranparentes,

Todo o fulgor das tardes luminosas,

O vento bailador das Primaveras,

A doçura amarga dos poentes,

E a exaltação de todas as esperas.

HORA

Sinto que hoje novamente embarco

Para as grandes aventuras,

Passam no ar palavras obscuras

E o meu desejo canta --- por isso marco

Nos meus sentidos a imagem desta hora.

Sonoro e profundo

Aquele mundo

Que eu sonhara e perdera

Espera

O peso dos meus gestos.

E dormem mil gestos nos meus dedos.

Desligadas dos círculos funestos

Das mentiras alheias,

Finalmente solitárias,

As minhas mãos estão cheias

De expectativa e de segredos

Como os negros arvoredos

Que baloiçam na noite murmurando.

Ao longe por mim oiço chamando

A voz das coisas que eu sei amar.

E de novo caminho para o mar.

AUSÊNCIA

Num deserto sem água

Numa noite sem lua

Num país sem nome

Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero

Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.

POEMA

A minha vida é o mar o Abril a rua

O meu interior é uma atenção voltada para fora

O meu viver escuta

A frase que de coisa em coisa silabada

Grava no espaço e no tempo a sua escrita

Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro

Sabendo que o real o mostrará

Não tenho explicações

Olho e confronto

E por método é nu meu pensamento

A terra o sol o vento o mar

São a minha biografia e são meu rosto

Por isso não me peçam cartão de identidade

Pois nenhum outro senão o mundo tenho

Não me peçam opiniões nem entrevistas

Não me perguntem datas nem moradas

De tudo quanto vejo me acrescento

E a hora da minha morte aflora lentamente

Cada dia preparada

NAVIO NAUFRAGADO

Vinha de um mundo

Sonoro, nítido e denso.

E agora o mar o guarda no seu fundo

Silencioso e suspenso.

É um esqueleto branco o capitão,

Branco como as areias,

Tem duas conchas na mão

Tem algas em vez de veias

E uma medusa em vez de coração.

Em seu redor as grutas de mil cores

Tomam formas incertas quase ausentes

E a cor das águas toma a cor das flores

E os animais são mudos, transparentes.

E os corpos espalhados nas areias

Tremem à passagem das sereias,

As sereias leves dos cabelos roxos

Que têm olhos vagos e ausentes

E verdes como os olhos de videntes.

SONETO À MANEIRA DE CAMÕES

Esperança e desespero de alimento

Me servem neste dia em que te espero

E já não sei se quero ou se não quero

Tão longe de razões é meu tormento.

Mas como usar amor de entendimento?

Daquilo que te peço desespero

Ainda que mo dês - pois o que eu quero

Ninguém o dá senão por um momento.

Mas como és belo, amor, de não durares,

De ser tão breve e fundo o teu engano,

E de eu te possuir sem tu te dares.

Amor perfeito dado a um ser humano:

Também morre o florir de mil pomares

E se quebram as ondas no oceano.

AS ONDAS

As ondas quebravam uma a uma

Eu estava só com a areia e com a espuma

Do mar que cantava só para mim.

O POEMA

O poema me levará no tempo

Quando eu já não for eu

E passarei sozinha

Entre as mãos de quem lê

O poema alguém o dirá

Às searas

Sua passagem se confundirá

Com o rumor do mar com o passar do vento

O poema habitará

O espaço mais concreto e mais atento

No ar claro nas tardes transparentes

Suas sílabas redondas

(Ó antigas ó longas

Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrará

Uma praia onde quebrar as suas ondas

E entre quatro paredes densas

De funda e devorada solidão

Alguém seu próprio ser confundirá

Com o poema no tempo

O TEU ROSTO

É o teu rosto ainda que eu procuro

Através do terror e da distância

Para a reconstrução de um mundo puro.

CANTATA DE PAZ

Vemos, ouvimos e lemos

Não podemos ignorar

Vemos, ouvimos e lemos

Não podemos ignorar

Vemos, ouvimos e lemos

Relatórios da fome

O caminho da injustiça

A linguagem do terror

A bomba de Hiroshima

Vergonha de nós todos

Reduziu a cinzas

A carne das crianças

DÁfrica e Vietname

Sobe a lamentação

Dos povos destruídos

Dos povos destroçados

Nada pode apagar

O concerto dos gritos

O nosso tempo é

Pecado organizado.

PIRATA

Sou o único homem a bordo do meu barco.

Os outros são monstros que não falam,

Tigres e ursos que amarrei aos remos,

E o meu desprezo reina sobre o mar.

Gosto de uivar no vento com os mastros

E de me abrir na brisa com as velas,

E há momentos que são quase esquecimento

Numa doçura imensa de regresso.

A minha pátria é onde o vento passa,

A minha amada é onde os roseirais dão flor,

O meu desejo é o rastro que ficou das aves,

E nunca acordo deste sonho e nunca durmo.

DESTRUIÇÃO

exausta fujo às arenas do puro intolerável

os deuses da destruição sentaram-se ao meu lado

a cidade onde habito é rica de desastres

embora exista a praia lisa que sonhei

ESCUTO

Escuto mas não sei

Se o que oiço é silêncio

Ou deus

Escuto sem saber se estou ouvindo

O ressoar das planícies do vazio

Ou a consciência atenta

Que nos confins do universo

Me decifra e fita

Apenas sei que caminho como quem

É olhado amado e conhecido

E por isso em cada gesto ponho

Solenidade e risco

FERNANDO PESSOA

Teu canto justo que desdenha as sombras

Limpo de vida viúvo de pessoa

Teu corajoso ousar não ser ninguém

Tua navegação com bússola e sem astros

No mar indefinido

Teu exacto conhecimento impossessivo.

Criaram teu poema arquitectura

E és semelhante a um deus de quatro rostos

E és semelhante a um de deus de muitos nomes

Cariátide de ausência isento de destinos

Invocando a presença já perdida

E dizendo sobre a fuga dos caminhos

Que foste como as ervas não colhidas.

DERIVA

VIII

Vi as águas os cabos vi as ilhas

E o longo baloiçar dos coqueirais

Vi lagunas azuis como safiras

Rápidas aves furtivos animais

Vi prodígios espantos maravilhas

Vi homens nus bailando nos areais

E ouvi o fundo som das suas falas

Que nenhum de nós entendeu mais

Vi ferros e vi setas e vi lanças

Oiro também à flôr das ondas finas

E o diverso fulgor de outros metais

Vi pérolas e conchas e corais

Desertos fontes trémulas campinas

Vi o rosto de Eurydice das neblinas

Vi o frescor das coisas naturais

Só do Preste João não vi sinais

As ordens que levava não cumpri

E assim contando tudo quanto vi

Não sei se tudo errei ou descobri

PUDESSE EU

Pudesse eu não ter laços nem limites

Ó vida de mil faces transbordantes

Para poder responder aos teus convites

Suspensos na surpresa dos instantes!

ESPERO

Espero sempre por ti o dia inteiro,

Quando na praia sobe, de cinza e oiro,

O nevoeiro

E há em todas as coisas o agoiro

De uma fantástica vinda.

CANTAR

Tão longo caminho

E todas as portas

Tão longo o caminho

Sua sombra errante

Sob o sol a pino

A água de exílio

Por estradas brancas

Quanto Passo andado

País ocupado

Num quarto fechado

As portas se fecham

Fecham-se janelas

Os gestos se escondem

Ninguém lhe responde

Solidão vindima

E não querem vê-lo

Encontra silêncio

Que em sombra tornados

Naquela cidade

Quanto passo andado

Encontrou fechadas

Como vai sozinho

Desenha as paredes

Sob as luas verdes

É brilhante e fria

Ou por negras ruas

Por amor da terra

Onde o medo impera

Os olhos se fecham

As bocas se calam

Quando ele pergunta

Só insultos colhe

O rosto lhe viram

Seu longo combate

Silêncio daqueles

Em monstros se tornam

Tão poucos os homens

TÃO GRANDE DOR

> palavras de um timorense à RTP

Timor fragilíssimo e distante

Do povo e da guerrilha

Evanescente nas brumas da montanha

< Cantos danças ritos

E a pureza dos gestos ancestrais>>

Em frente ao pasmo atento das crianças

Assim contava o poeta Rui Cinatti

Sentado no chão

Naquela noite em que voltara da viagem

Timor

Dever que não foi cumprido e que por isso dói

Depois vieram notícias desgarradas

Raras e confusas

Violências mortes crueldade

E anos após ano

Ia crescendo sempre a atrocidade

E dia a dia --- espanto prodígio assombro ---

Cresceu a valentia

Do povo e da guerrilha

Evanescente nas brumas da montanha

Timor cercado por um bruto silêncio

Mais pesado e mais espesso do que o muro

De Berlim que foi sempre falado

Porque não era um muro mas um cerco

Que por segundo cerco era cercado

O cerco da surdez dos consumistas

Tão cheios de jornais e de notícias

Mas como se fosse o milagre pedido

Pelo rio da prece ao som das balas

As imagens do massacre foram salvas

As imagens romperam os cercos do silêncio

Irromperam nos écrans e os surdos viram

A evidência nua das imagens

A BELA E PURA

A bela e pura palavra Poesia

Tanto pelos caminhos se arrastou

Que alta noite a encontrei perdida

Num bordel onde um morto a assassinou.

TAPAS OS CAMINHOS

Tapas os caminhos que vão dar a casa

Cobres os vidros das janelas

Recolhes os cães para a cozinha

Soltas os lobos que saltam as cancelas

Pões guardas atentos espiando no jardim

Madrastas nas histórias inventadas

Anjos do mal voando sem ter fim

Destróis todas as pistas que nos salvam

Depois secas a água e deitas fora o pão

Tiras a esperança

Rejeitas a matriz

E quando já só restam os sinais

Convocas devagar os vendavais

Se tanto me dói que as coisas passem

É porque cada instante em mim foi vivo

Na busca de um bem definitivo

Em que as coisas de Amor se eternizassem

LUSITÂNIA

Os que avançam de frente para o mar

E nele enterram como uma aguda faca

A proa negra dos seus barcos

Vivem de pouco pão e de luar.

https://www.escritas.org/pt/sophia-de-mello-breyner-andresen

Biografía de Sophia de Mello Breyner nació en Oporto, Portugal, el 6 de noviembre de 1919. Fue una de las poetisas portuguesas contemporáneas más importantes. Fue la primera mujer en recibir el Premio Camões, el premio literario más alto del idioma portugués.

¿Quién fue Sophia de Mello Breyner? Sophia de Mello Breyner era hija de John Herique Andresen y Maria Amélia de Mello Breyner, y nieta del dueño de la Quinta do Campo Alegre, hoy Jardín Botánico de Oporto. Su madre era la nieta de Henrique, conde de Burnay, y hija del conde de Mafra. Estudió Filosofía Clásica en la Universidad de Lisboa, entre 1936 y 1939, sin completar el curso. Participó en movimientos universitarios. En 1940 publicó sus primeros poemas en “Cuadernos de Poesía”.

Desde 1944 se dedicó a la literatura, ese mismo año escribió varios poemas, entre ellos, “El Hogar y jardinería”, “Casa Blanca”, “El jardín perdido” y “Jardín y noche,” obras que recuerdan su infancia y juventud. En 1946 se casó con el periodista, abogado y político Francisco Souza Tavares y se trasladó a Lisboa. La pareja tuvo cinco hijos, lo que la motivó a escribir cuentos infantiles, entre ellos “A menina do Mar” (1961) y “A fada Oriana” (1964). Ese mismo año recibió el Premio de la Sociedad Portuguesa de Poesía de los escritores de la obra “Libro Seis” (1962).

Se destaca de la vida de Sophia de Mello Breyner su participación activa en oposición al Estado Novo. Fue candidata por la oposición democrática en las elecciones parlamentarias de 1968. Fue miembro fundador de la Comisión Nacional de Emergencia para los presos políticos. Después de la revolución de abril de 1974 fue candidata a la Asamblea Constituyente en 1975, por el Partido Socialista.

Vida de Sophia de Mello BreynerSophia fue contemporánea de otros poetas como Eugénio de Andrade, Jorge de Sena, entre otros. Su trabajo a menudo suena como una voz de la libertad. También denota una sólida cultura clásica donde se observa su pasión por la cultura griega. Algunos temas son constantes en sus obras, como “naturaleza”, “ciudad”, “tiempo” y “el mar”. Su trabajo fue tan importante junto a los niños que sus obras se han convertido en un clásico de la literatura infantil en Portugal, marcando generaciones.

Autora de varios libros de poesía también escribió cuentos, artículos y ensayos. De igual forma hizo traducciones al portugués de las obras de Eurípides, Shakespeare, Dante y Claudel. Al francés, Camões, Mário de Sá-Carneiro, Cesario Verde, Fernando Pessoa, entre otros.

Sophia de Mello Breyner recibió varios premios y reconocimientos, entre ellos el título honoris causa en 1998 por la Universidad de Aveiro, el Premio Camões (1999), Premio de Poesía Max Jacob (2001) y el Premio Reina Sofía de Poesía Iberoamericana en 2003.

Sophia de Mello Breyner murió en Lisboa el 2 de julio de 2004. Desde el año 2005 sus poemas fueron puestos en exhibición permanente en el acuario de Lisboa.

Obra de Sophia de Mello Breyner

Poesía

(1944) Poesia

(1947) O Dia do Mar

(1950) Coral

(1954) No Tempo Dividido

(1958) Mar Novo

(1961) O Cristo Cigano

(1962) Livro Sexto

(1967) Geografía

(1971) 11 Poemas

(1972) Dual

(1977) O Nome das Coisas

(1977) Navegações

(1989) Ilhas

(1994) Musa

(1997) O Búzio de Cós e outros poemas

Cuentos

(1962) Contos exemplares

(1984) Histórias da Terra e do Mar

Teatro

(1961) O Bojador

(2001) O Colar

Ensayo

(1975) O nu na antiguidade classica

Narrativa infantil

(1958) A menina do mar

(1958) A fada Oriana

(1959) A noite de Natal

(1964) O cavaleiro da Dinamarca

(1965) O rapaz de bronze

(1968) A Floresta

(1985) A Árvore