PEDRO GOMES

PEDRO GOMES & MARIA TRABULO


VISTAS E PANORAMAS

O que é que cada pessoa vê? Como vê? Talvez não sejam questões fisiológicas, tecnológicas ou sequer estéticas. Talvez sejam sobretudo éticas e poéticas.

Não sei quem saberá dizer o que é que se vê de noite ou de dia olhando para o mar ou para o céu ou olhando à volta no meio do mar ou no meio do céu, olhando em frente ou para baixo ou para cima, no meio de uma rua rodeada de prédios e talvez de árvores, numa praia ou numa varanda, no topo de um arranha-céus ou no fundo de um barco.

Poderíamos dizer que se pode ver tudo. Tudo o que nos rodeia como se dizia na época heróica em que se pensava que poderíamos tomar consciência (era assim que se dizia) da realidade que nos rodeava. O tempo em que se sonhava com a possibilidade de a razão ou a representação darem conta e tomarem conta da realidade. Era esse o objetivo utópico dos “panoramas”.

Também se pode dizer que se pode não ver nada. Nada é talvez o que vê a multidão de néscios que onde quer que estejam olham para um pequeno ecrã onde é impossível ver imagens ou palavras que tenham qualquer relação com um pensamento e portanto com (a possibilidade de um pensamento em relação com) a realidade.

Sugerimos perguntas e possibilidades que não permitem respostas mas sugerem problemas, investigações e especulações tanto mais frutíferas quanto menos subjugadas por preconceitos ideológicos e mais abertas à necessidade de complexificação e multiplicação de pontos de vista. É por isso que são os artistas que nos continuam a oferecer os melhores recursos para abordar estas questões.

Os trabalhos de Maria Trabulo incluídos nesta exposição remetem para uma problematização da visão e representação do mar. Um arco de vastas temáticas desde as mais abstratas especulações líricas ou metafísicas até às mais dramáticas realidades sociais quotidianas. Como se olha e o que se vê ao olhar o mar? O que subjaz a essas visões e que resta delas? Cores, texturas, luz, escuridão, sal, lágrimas...

Os trabalhos de Pedro Gomes incluídos nesta exposição talvez remetam para uma problematização da visão e representação da arquitetura (na aceção lata de espaços construídos). Como se pode ver e perceber a imagem de uma cidade, edifícios, um espaço de exposição? O que guarda a memória da experiência de andar e olhar no meio da rua ou de um museu?

As obras destes artistas mobilizam, com refinada elegância e obstinado rigor, valores formais específicos inerentes às práticas artísticas numa vertente às vezes próxima da abstração. Temos linhas (de desenho, horizonte, fuga), cores ou a sua ausência, texturas, sobreposições e re-composições de fragmentos, camadas, hipóteses de representação, evocação e convocação de imagens e imaginações de visões e experiências de realidades. Mapas, padrões, modelos.

No entanto, antes e depois dos valores formais, julgo ser aqui decisiva a presença e a oferta da possibilidade de compreender que aquilo que cada um vê depende da localização do ponto de vista que adota e, sobretudo, da arqueologia da memória inscrita e do fôlego dos desejos e aspirações projetados pelo olhar de cada um de nós.


Alexandre Melo

Julho 2019