PEDRO GOMES

Pedro Gomes

(Nampula, Moçambique - 1972)


Começou a expor regularmente em 2001 e desde essa altura tem desenvolvido um trabalho que se pode identificar, genericamente, como desenho. Trata-se de uma disciplina que para o artista não está directamente relacionada com a questão do traço, mas define um campo de acção e compreensão das imagens.

Não se trata de inscrever forças, de tentar a expressão imediata, próxima do pensamento, e sem reflexão do desenho, mas assumi-lo enquanto modo expandido de dizer uma certa relação com o visível. Se para muitos artistas a fertilidade dessa linguagem está na velocidade da sua execução, na rapidez com que o traço cresce sobre uma superfície, para Pedro Gomes trata-se unicamente

de um nome para as coisas que faz. O seu processo é lento e aparenta ser um combate contra a imediatez: desenha com ferro, usa fogo sobre papel ou madeira, constrói paisagens monumentais de cidades usando só uma esferográfica (Habitar, 1996).

Às acções sofridas pela superfície devido às acções da tinta, esferográfica, fogo e dos rasgos, deve acrescentar-se o modo como o artista constrói as suas imagens: a partir de trás. Ou seja, o espectador vê o contrário daquilo que o artista faz: o verso do papel ou da tela é perfurado com um objecto metálico cortante e é a sucessão desse gesto paciente de construir a imagem com golpes sucessivos que dá origem à imagem que se vê surgir do outro lado da superfície do papel. A magia e o inesperado da aparição da imagem é aqui substituído pela acção manual e construtora: o artista é quem através de um processo manual fabrica imagens e através desta sua acção irrompe o novo e o inesperado. O artista não é um artesão, mas um fazedor atento ao modo como cada gesto rompe as camadas de visibilidade.

Poder-se-ia pensar ser um prolongamento do pontilhismo em que à sobreposição de camadas de tinta, tão comuns nos impressionistas, preferem a utilização de subtis e sucessivas pinceladas, permitindo ao espectador observar mais atentamente as transições entre os diferentes elementos que compõem as pinturas. O pontilhismo de Pedro Gomes está distante de qualquer preocupação cromática ou de composição, importa-lhe encontrar uma forma mínima, reduzida e essencial de dar a ver as coisas.

A situação em que permanentemente se fica com os seus trabalhos é a de um confronto com uma espécie de sugestões que depois se intensificam até se tornarem imagens nítidas e reconhecíveis. As presenças nos seus trabalhos não são declarativas ou afirmativas; a sua natureza é a de uma insinuação não só porque a linguagem pictórica utilizada pelo artista é subtil, mas também porque os seus temas são os mais comuns que há: são cenas, objectos, pessoas que se podem ver todos os dias, a todas as horas e que, dada a sua permanência no campo visual, são esquecidas.

O que acontece em muitos trabalhos de Pedro Gomes é a transformação do insignificante, porque comum e vulgar, em matéria de uma experiência artisticamente qualificável, ou seja, a transformação do quotidiano em imagens interessantes de um ponto de vista estético e sensível. Numa das suas exposições, Amnésia (2009), Pedro Gomes desenvolve o tema do esquecimento e apagamento da imagem. uma série de recortes de revistas e jornais são deslocados do contexto mediático detentor de uma precariedade constitutiva, em que sucessivamente são esquecidas, para uma região onde a atenção é estimulada. No contexto de onde partem, as imagens servem como ilustrações, comunicam significados e conteúdos e depois de cumprida essa função de transmissão e informação são esquecidas e inutilizadas Reutilizá-las, isto é, voltar a olhar para esses momentos, de visibilidade, significa descobrir a sua potência não enquanto registo ou documento de um facto, mas enquanto experiência sensível e estética. E é esta a operação que muitas vezes acontece no trabalho deste artista.

Não lhe interessa construir uma crítica ao comércio contemporâneo das imagens, mas descobrir as qualidades plásticas das imagens que vai recolhendo. Por isso é-lhe indiferente usar imagens impressas ou agarrar numa máquina e fazê-las. Esta últimas não têm o valor de fotografia, mas de instantâneos fotográficos (snapshots) cujo interesse é servirem os desenhos, ou seja, serem matéria interessante para uma existência autónoma no papel.

É inegável a importância da perspectiva fotográfica no trabalho deste artista, mas é-o exclusivamente na medida em que é uma forma possível de organizar o campo visual e não enquanto linguagem autónoma que queira utilizar.

Às características formais e materiais, acrescenta-se que os seus temas de eleição são o retrato e a paisagem. "Temas" que não são literais, mas designam as forças presentes nos seus trabalhos as quais resultam da enorme atenção exigida pelo desenho e pela disciplina da escultura: muitas vezes os seus desenhos transformam-se em objectos e algumas vezes os seus desenhos constroem-se como se fossem objectos. Montanha # 4 (2002) é uma paisagem em que o artista trabalha o ferro como se fosse um escultor e há trabalhos em que é o fogo que faz surgir a imagem (em vez de utilizar um instrumento metálico para furar a superfície do papel, usa uma chama para romper a superfície.

A facilidade com que domina estas duas linguagens tão distintas é fruto de ter estudado desenho no Ar.Co em Lisboa e de ter feito o mestrado em escultura no Chelsea College of Art em Londres. Pedro Gomes começou a expor em 1994, mas a sua primeira exposição relevante é em 1996 quando participa nos 7 Artistas ao 10º Mês comissariada por João Miguel Fernandes Jorge na Fundação Calouste Gulbenkian. Individualmente começa a expôr regularmente no início dos anos 00 e das suas exposições podem destacar-se Contacto no Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (2005), Imagens Impressas na Galeria Filomena soares (2007), TEC no Museu da Electricidade em Lisboa (2008) a sua participação no Empty Cube (2009) e recentemente Amnésia na Galeria 111 (2009). Foi finalista do Prémio Celpa/Vieira da Silva (2003) e foi um dos artistas da exposição comemorativa dos 50 anos da Fundação Calouste Gulbenkian (2007) e em Outras Alternativas no Museu de Arte Contemporânea de Vigo (2003).


Nuno Crespo